Em 1795, quando a revolução industrial se afirmava de forma irreversível, foi aprovada em Inglaterra a Lei de Speenhamland. Karl Polanyi, que a trata com todo o detalhe em «A Grande Transformação», explica que aquele foi um instrumento jurídico de extrema importância enquanto tentativa de impedir uma estrita liberalização do mercado de trabalho e, muito importante naquele contexto e época, impedir ou dificultar o êxodo rural. A lei definida um sistema de assistência, criando subsídios, indexados ao preço do pão, que eram complementares aos salários. Na prática, esta lei isabelina obrigava os pobres a trabalhar em troca de qualquer salário, pois só os que não conseguiam trabalhar de todo podiam reclamar assistência. Um proprietário rural podia, desta forma, contratar trabalhadores praticamente por nada, já esse salário era complementado por dinheiros públicos, habitualmente geridos pelas paróquias. O sistema durou bastantes anos, até 1834, mas o que importa aqui notar é o estranho paralelismo entre estas experiências assistencialistas e o que hoje se está a viver.
Não temos exatamente uma Lei de Speenhamland, mas vamos tendo intervenções estatais que vão exatamente nesse sentido. Deixemos de lado a transferência direta de verbas para cidadãos trabalhadores cujos magros salários não os tiram da pobreza, para nos concentrarmos num medida recentemente anunciada e a que os comentadores encartados não têm ligado grande coisa: a manutenção parcial dos subsídios de desemprego atribuídos aos desempregados de longa duração que entretanto entrem no mercado de trabalho. A estes trabalhadores cabe-lhes o papel dos subsidiados de Speenhamland: podem (e devem) aceitar agora qualquer salário, sabendo que esse baixo salário será complementado com um apoio estatal. Não é ainda obrigatório aceitar, como sucedia na Inglaterra de outros tempos, mas talvez um dia lá cheguemos.
Existe uma evidente diferença entre a Lei de Speenhamland e o que hoje se passa. A primeira era contestada pelas forças mais dinâmicas da sociedade de então, a burguesia industrial, já que retirava, artificialmente, mão-de-obra do mercado laboral, sendo por isso uma «lei reacionária» que favorecia os interesses dos agrários. Hoje são os empregadores urbanos, vulgo os patrões, a aprovar a medida com alegria. Tão liberais que dizem ser, não hesitam em aplaudir esta ofensa ileberal que o Estado comete ao imiscuir-se no valor do trabalho, compondo, às custas de todos, o diminuto salário que aceitam pagar. Ao patronato sempre agradou a ideia de dispor de um exército de mão-de-obra disponível e barato, requisitos que medidas deste género asseguram: velhos desempregados com muito uso ficam disponíveis, se necessário, empurrando os salários para baixo, sem penalização ( moral ou outra) para quem paga mal, já que o Estado cobre a diferença. A esquerda, por seu lado, fica compreensivelmente entalada com estas medidas. Sabe que elas servem para esconder e disfarçar o essencial, mas como podem opor-se a propostas que permitem arredondar o rendimento dos mais pobres? O Governo, que reclama pertencer «às esquerdas» faz-se de sonso. Diz que está a fazer o seu papel, ajudando os mais fracos, assegura que mais faria se pudesse, e ficamos todos desconfiados de que assim será. Um dia destes as luminárias que por ali andam lembrar-se-ão de outra medida qualquer para festejar como bodo aos pobres, mesmo que sejam os ricos a encher a barriga.