Pôr a cruzinha é fácil. Fazemo-lo e vamos para casa satisfeitos, só que às vezes, votos contados, ficamos com vontade de voltar atrás e escolher outro quadradinho para a cruzinha. Sempre votei à esquerda, e embora tenha integrado algumas listas como independente, nunca militei em nenhum partido. Sinto-me livre para escolher em função dos programas propostos, dos candidatos que me representarão, mas também em função do que se joga em cada eleição. Já quem milita numa força política, mesmo sem estar inscrito e pagar quotas, tem a vida facilitada. Basta agir de acordo com o modelo da militância desportiva: sou do Benfica, apoio o Benfica, independentemente do que penso do seu presidente, do seu treinador ou da miserável prestação desportiva da equipa.
Claro que na política há um apelo à racionalidade que o desporto dispensa. Na política, o apelo à racionalidade surge, quase sempre, enquadrado pela retórica do voto útil. É um terreno pantanoso que nenhuma eleição dispensa. Tem um efeito pernicioso evidente: distorce o «mercado eleitoral» e tende a reproduzir as desigualdades. Não votar no pequeno partido que nos agrada faz com que esse partido permaneça pequeno e assim se apresente nas próximas eleições, onde será, de novo, vítima do voto útil. Esta distorção de «mercado» devia desagradar à direita liberal «mercadológica», tal como a reprodução da desigualdade devia levar a esquerda a arrepelar os cabelos de indignação. Porém, nada disto sucede. O apelo ao voto útil faz-se à direita e à esquerda. Faz zangar os partidos de média dimensão quando, como agora acontece, uma grande proximidade entre os dois principais partidos tende a roubar-lhe «votos inúteis». Note-se, porém, que esta não é uma zanga contra o princípio, uma vez que eles próprios não se inibem de apelar ao voto útil em seu proveito e em prejuízo dos partidos ainda mais pequenos.
Quem escolhe votar útil acredita estar a fazer uma escolha racional mas a experiência diz-nos que isso nada tem de seguro. Só conseguiríamos assegurar uma verdadeira «utilidade» do voto se pudéssemos voltar a votar no dia a seguir às eleições, eventualmente corrigindo o que fizemos no dia certo. Se isto fosse possível é muito provável que Medina ainda estivesse na câmara de Lisboa, pois quem votou útil para que ele não tivesse maioria absoluta ter-se-á arrependido quando acordou e deu com o Moedas a mandar na capital. É por isso que votar é fácil mas votar bem é fodido.
Devo dizer que apelar ao voto, sobretudo ao voto útil, é igualmente foda. Só se faz tendo cara de pau ou aversão à racionalidade que, todavia, sempre se esgrime como argumento. Veja-se um exemplo ilustrativo. Em Braga, onde são eleitos 19 deputados, apenas três escaparam a PS e PSD, vindo a ser ganhos pelo BE (2) e pelo CDS. No atual cenário eleitoral, o BE apela ao voto útil, argumentando que o último deputado será disputado entre eles e o Chega. É, sem dúvida, um bom argumento para quem vota à esquerda, ainda que seja impossível antecipar se será mesmo esse o cenário. Pensemos agora num pequeno círculo eleitoral, por exemplo a Guarda, onde são eleitos apenas três deputados. Em 2019, PS e PSD tiveram votações muito aproximadas (cerca de dois mil votos de diferença), deixando todos os outros partidos a uma distância estratosférica. Tendo por certo que também este ano o terceiro deputado vai ser disputado entre PS e PSD, qual é aqui o voto útil? A racionalidade eleitoral deve levar ou outros partidos a abdicar das suas candidaturas? A apelar em que se vote em outros que não neles? Foda, não é?! Há, ainda assim, duas conclusões evidentes: o voto útil é sempre útil para quem o recebe, e todas as forças, mas mesmo todas, acham que útil mesmo é votar neles.
Chegado aqui nesta conversa, dou por mim pensando que escrevi o que escrevi por ter mais incertezas que certezas no modo como votarei domingo. Devia ter antecipado o voto e já não maçaria quem lê com dúvidas quase existenciais. Votarei à esquerda, evidentemente. Sei que o meu voto conta, no sentido em aparecerá nas contas gerais do círculo eleitoral em que voto. Pode é não contar para aquilo que verdadeiramente conta: a composição parlamentar. Ou então, pior ainda, pode até contribuir para que o radicalismo liberal ou o protofascismo chegano ganhem força. Em suma: estou fodido, prontos!
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Imagem: CNE
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