Há um ano tomámos conhecimento de que Luis Sepúlveda, que tinha estado nas Correntes d’Escritas na Póvoa de Varzim, estava infectado com o novo coronavírus. Viria a falecer em meados de Abril com apenas 70 anos o que, para quem gostava do homem e dos seus livros, foi um choque e uma grande tristeza. Ainda tenho por ler alguns dos seus livros e este ano, quando seleccionei os livros que iria ler, fui buscar um deles e, no “sorteio” dos 27 títulos a ler, tirei o papelinho que dizia Palavras em Tempos de Crise.
Não sei se foi o facto de Rosas de Atacama ter sido um dos primeiros livros que li de Sepúlveda, esse livro sempre teve um lugar muito especial no meu coração. Mal comecei a ler Palavras em Tempos de Crise, percebi que a estrutura era parecida: pequenos artigos, experiências e reflexões pessoais.
Embora abarcando temas muito diversos, o facto de ter sido escrito em 2012, quando Espanha, Portugal e tantos outros países sobreviviam debaixo do garrote do défice e da dívida e os governos se baixavam na vassalagem aos mercados e aos poderes da finança, faz com que muitos dos artigos deste Palavras em Tempos de Crise sejam verdadeiros manifestos de um homem de esquerda que não poupa Aznar, Rajoy, Felipe González e outros, que permitiram que as consequências da corrupção, da especulação imobiliária e a miragem de dinheiro fácil com o turismo desabassem sobre os povos, para pagarem os desmandos de desgovernações sucessivas. Sepúlveda, o andarilho que escolheu as Astúrias como segunda pátria, não esquece neste livro os mineiros e as suas greves prolongadas e corajosas, lembrando também os mineiros chilenos e as suas lutas. A sua escrita, vincadamente militante e poderosa, usa expressões como “solidariedade de classe” em contraponto aos eufemismos com que os governantes vassalos tentam adocicar a luta de classes que não morreu. Por isso, Sepúlveda fala do peso do Sul em todos os seus livros, porque como escritor tem um compromisso de dar voz aos que não têm voz, sejam os emigrantes, os oprimidos, os mineiros explorados, lembrando aquela visita que fez ao campo de extermínio de Bergen-Belsen onde, junto a um dos fornos crematórios leu a seguinte inscrição: “Eu estive aqui e ninguém contará a minha história.”
Sepúlveda foi um homem de paixões, pelos seus amigos, pelos seus animais, pela família. Numa vida em constante movimento, a lembrar o pássaro de corda de Haruki Murakami, o autor chileno fala da alegria que é juntar a família dispersa pelo mundo em torno de um churrasco e do prazer que sente por os filhos o tratarem por “velho”. E pergunta-se: terei sido um bom pai? Terei estado presente quando eles precisaram? Terei sido um companheiro? Escreve também sobre os amigos e nomeia-os, recorda episódios, alguns hilariantes e marcantes, inesquecíveis, não esquece amigos que já partiram: Tonino Guerra, Gabo, Neruda, Nicanor Parra, Allende e os amigos que com ele faziam a segurança pessoal do presidente assassinado pela ditadura. E entre os animais, a cadela Laika a lembrar-nos Zorbas num dos belos contos de As Rosas de Atacama. E ainda a ternura das primeiras paixões de adolescente…
Por fim, e porque Sepúlveda fala com carinho e admiração das Correntes d’Escritas, “um dos melhores festivais literários que se fazem na Europa”, referência ao artigo Pilar e José e ao documentário de Miguel Gonçalves Mendes, exibido em 2011 numa noite particularmente fria.
Este ano, já não tivemos Sepúlveda fisicamente presente na Póvoa de Varzim, mas o festival de 2021 foi-lhe dedicado em permanência e ele esteve sempre presente. Bem haja, Luis Sepúlveda, por dar voz a quem não tem voz.
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Tudo para cães e gatos, mas também para outros animais de companhia.

Obs: publicação original no blogue Lendo e Escrevendo.
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