‘Para Sempre’, de Vergílio Ferreira, um livro denso, triste e maravilhoso

 

 

Depois de “Cartas a Sandra”, tinha de reler “Para Sempre”, de Vergílio Ferreira, um livro que comprei e li nos anos 80 do século passado. Logo no primeiro capítulo, Paulo a regressar à aldeia natal, referências a Sandra, à montanha e às tias Luísa e Joana.

“Já vieste, Paulinho?

Sim. Para sempre. Aqui estou.”

Confronto do narrador consigo próprio

Chegado à casa vazia, fechada há muito, Paulo vem “tomar posse do seu destino final”. O calor é abrasador e as memórias vão surgindo como fantasmas, à medida que vai abrindo as janelas, as vidraças, as portadas, para deixar sair o mofo e o bafio. As recordações, podem ser fotografias paradas no tempo ou pedaços de filmes, são entrecortadas pelo andar de Paulo pela casa que há que arejar, pela intenção do que tem de fazer – “Tenho de…” – num arrastar ao longo daquela tarde escaldante com “a montanha ao fundo, plácida de eternidade”, uma intenção que fica sempre em suspenso.

Os momentos marcantes de toda uma vida do Paulinho, menino triste que se despede da mãe que vai para o asilo e cujas últimas palavras sussurradas ele não consegue recordar. As tias beatas e castradoras, avessas a qualquer desordem, que ficam a tomar conta dele. As aulas de violino com o padre Parente, os ensaios da tuna e as aflições nos dias da apresentação ao público da Ave-Maria de Schubert. A ida para Penalva para a escola secundária e mais tarde para a Universidade. Sandra e a distância de que sempre foi feita a sua relação. O casamento, o anúncio da gravidez, uma filha que nasce e não um filho, o dia em que ficaram sós no dia em que a filha saiu de casa – “Tu é que tiveste a culpa” – a doença e o fim de Sandra. Neste andar entre o presente e o passado, na estranheza entre a velhice e a juventude, Paulo velho confronta-se com o jovem Paulo acabado de sair do liceu de Penalva e a entrar na Universidade, tal como se confrontara com a filha Xana no dia em que o visitou na Biblioteca Geral, pouco antes de se aposentar: “Tu não te sentes uma múmia?”

Escrita triste e poderosa pontuada por momentos de ironia hilariante

É um livro triste, de um homem só, chegado ao período final da vida, em que o calor sufocante da tarde de Agosto reforça o peso das memórias tristes, mas onde há páginas e momentos com recordações ácidas e hilariantes como os gases do padre Parente, ou os clisteres da tia Luísa que “quanto a intestinos, tinha os seus engarrafamentos”, ou a cena em que, sem comiserações, Paulo se imagina morto no caixão e ouve Deolinda a falar das suas fragilidades “– Coitadinho, para o fim já nem sustinha as águas. E surdo. Muito surdo.”

Um livro maravilhoso, triste, o diálogo de Paulo narrador com o Paulinho criança, o Paulo apaixonado, o Paulo marido e pai, o Paulo homem que cresce e envelhece, o Paulo no regresso às origens. Uma escrita poderosa como a montanha sempre presente,”densa”, “uma grande pedra ao sol”. E a fechar a tarde de calor tórrido: “Agora há só que fechar a do outro quarto que dá para o vale e uma serra longínqua. Toda a face da serra está já na sombra, breves manchas brancas assinalam aldeias de que não sei o nome.”

Literatura | ‘Vergílio Ferreira ensinou-me tudo o que há para saber’

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