A Internet mudou o mundo, tal como o conhecíamos, apesar de estar ainda a dar os primeiros passos. Afinal, passam-se apenas 30 anos desde que Tim-Berners Lee divulgou o primeiro código web. Contudo, as mudanças são já substanciais nos processos de governação e na forma como os decisores se relacionam com o público.
Carlos Vilas Boas
Completam-se em 2020 três décadas desde que Tim Berners-Lee escreveu o código do primeiro servidor www e o primeiro editor de hipertexto para a plataforma NeXTStep, em que juntamente com Robert Caillau publicou a WorldWideWeb: Proposal for a Hyper Text Project, trabalho esse disponibilizado dentro do CERN em 1990, marco histórico considerado como o da criação da internet.
A internet conduziu à possibilidade da transformação do procedimento administrativo num procedimento eletrónico, de comunicação e de decisão à distância, o que alterou radicalmente as dinâmicas de contacto entre a Administração Pública (AP) e os particulares.
O recurso aos novos meios tecnológicos provocou uma descaracterização da AP tradicional, com a redução de tarefas mecânicas, como o registo da entrada, da saída de requerimentos e de documentação, o arquivamento em papel dos processos físicos, a extração de cópias e fotocópias dos documentos instrutórios, a notificação presencial de atos interlocutórios e de decisões ou ainda o próprio transporte dos documentos entre os vários serviços públicos.
As Nações Unidas adotaram a Agenda 2030, que destaca explicitamente no seu objetivo 16 a necessidade de construir sociedades pacíficas, justas e inclusivas, que se baseiem na boa governação em todos os níveis, transparência, eficácia e responsabilidade, tendo publicado o United Nations E-Government Survey 2018: Gearing E-Government to Support Transformation, que tem como objetivo a orientação do governo eletrónico para apoiar a transformação em sociedades sustentáveis e resilientes.
Este perspetiva teve entre nós consagração no artigo 14º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) de 2015, estabelecendo o princípio que os órgãos e serviços da AP devem utilizar meios eletrónicos no desempenho da sua atividade.
A administração eletrónica tem o objetivo de facilitar a relação entre particulares e a AP, mas também o de conferir maior transparência nos atos da administração e o seu controle, daí que o CPA e a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) consagrem a regra que todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.
A publicação do RGPD e, posteriormente, da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto que o executa em Portugal, veio lançar a confusão, pois à boleia do regime de proteção de dados, alguns órgãos da AP aproveitaram para regressar aos tempos idos da opacidade, como fez notar um artigo publicado no Público em março do ano passado, dando como exemplo um contrato público numa câmara da região da beira baixa, ironizando o autor que a “protecção de dados é levada tão a sério que os contratos publicados até têm o nome do próprio presidente da câmara borrado a preto”.
Evidentemente que o regime da proteção de dados não veio revogar o princípio da transparência, aliás os princípios da administração aberta e da proteção de dados pessoais sensíveis convivem muito bem entre si e têm ambos expressão legal no CPA.
Nos casos em que possa haver colisão entre a transparência e a proteção de dados, a questão resolve-se após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação. No âmbito da contratação pública, o artigo 27º da Lei n.º 58/2019 veio determinar que caso seja necessária a publicação de dados pessoais, não devem ser publicados outros dados pessoais para além do nome, sempre que este seja suficiente para garantir a identificação do contraente público e do cocontratante.
É possível que se caminhe para um procedimento administrativo em que se eliminem dados sensíveis dos interessados, indicando-os somente por um código numérico, reservando-se ao respetivo órgão público o conhecimento da lista com a atribuição a cada pessoa do respetivo código.
Mas só existe estado de direito e smart city num regime de transparência, que permita aos cidadãos um escrutínio da actividade dos órgãos decisores públicos.
Imagem: Markus Spiske/Unsplash
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