O que perdura após a dignidade (?).
O que fica se despido o respeito (?).
Por que estrada iremos sem afeto (?)
Não suporto extremismos, especialmente quando os “ismos” se vestem a rigor com roupagens de diferenciação incauta de género, barricando o machismo e o feminismo em pontos diferentes de uma mesma batalha sociológica.
A chaga da violência doméstica – que, tal e qual, dissemina efeitos pandémicos –, assume-se, firmemente, num eixo intermédio entre as fileiras daqueles dois conceitos preditos: ora balizada pelas fronteiras próprias de um epifenómeno (passageiro e rapidamente solúvel), próprio de um dramatismo exacerbado de casos pontuais; ora elevada a verdade sacramental, unicamente pertencente ao hastear da bandeira do empoderamento da figura feminina no início deste século.
Chegou o momento do protagonismo da objetividade. Sem apelo a géneros, a idades, ou condições socioeconómicas. A violência entre casais, independentemente da fase afetiva que os move e entrelaça os seus caminhos (namorados, nubentes ou casados), é, por “pecado” próprio e solteiro, uma montanha de espinhos que nós, enquanto sociedade, ainda não conseguimos ceifar. Na realidade, a perceção que muitas vezes passa e perpassa pela comunicação social é, sobretudo, a de que só falamos de um problema sistémico… mas não o tratamos enquanto tal: essa abordagem ocorre, quotidianamente, mais como um estado de alma.
É preciso buscar soluções políticas para a violência conjugal
A oportunidade surge e os (nada) lestos do costume desvalorizam-na, subjugam-na, menorizam-na.
Portugal, Estado de Direito democrático que navega em direção à modernidade, tolera, hoje como ontem, um enquadramento jurídico-penal que não protege as vítimas de violência doméstica. Nunca protegeu.
Antes, permite – ainda que inusitada e ingenuamente –, que os agressores continuem a conviver e/ou a coabitar com as ditas, sem quaisquer tipos de medidas preventivas verdadeiramente eficazes. Não nos interessa, de molde particular, se o magistrado A ou B consegue ser proficiente na recitação bíblica no que respeita o seu argumentário jurídico – sem nunca esquecer, porém, o péssimo exemplo que daí resulta –, que desagua em sentenças judiciais. Interessa-nos, sim, a todos, saber o que é que, concretamente, a classe política parlamentar faz, ou fará, para, de uma vez por todas, vislumbrarmos uma solução, decisiva e sustentada, no sentido de mitigar este flagelo perene.
Prioridades de ação
De relance, descortinam-se, desde logo, salvo melhor opinião, algumas prioridades:
- desenvolvimento e/ou reforço de mecanismos de articulação concretos entre autoridades judiciárias e não judiciárias, criando canais de encadeamento de transmissão instantânea de informação pública sobre casos de violência doméstica (p. ex. Autoridades Policiais – Associações de Apoio às Vítimas – Segurança Social);
- revisão extensiva da legislação penal, orientada pelo ponto cardeal da segurança física e psicológica da vítima e pela necessária harmonização com a ressocialização do agressor condenado (com efeito, parecem-me absolutamente estéreis argumentos, segundo os quais, a grande chave para esta porta será o aumento das penas: e se, inversamente, a revisão optasse por seguir um caminho de reforço da garantia de efetividade das penas e da descontinuação forçada do contacto entre condenado e vítima? Não estaríamos, aí, a acautelar o bem público protegido por este tipo legal de crime? Inclinar-me-ia, confesso, para uma resposta positiva (!));
- finalmente e, com toda a força da certeza, mais importante será fomentar, com intensidade e clarividência, a consciência cívica, de todos e cada um, não tanto em manifestações opinativas com febre digital, mas sim – sobretudo – através da denúncia, específica e casuística, de situações em que a tempestade da violência relacional (cuja raiz criminal é, marcadamente, pública), se torne, à simples primeira vista, demasiado evidente para ser ignorada.
O horizonte ergue-se e inércia permanece.
Sangue e luto por quanto tempo mais?
Há – literalmente – uma corrida contra o tempo. Corrida, essa, que não pode, não deve, ser uma maratona, mas antes um sprint elétrico cuja vitória é mister.
Desde janeiro do presente ano, morreram, no país que deu novos mundos ao Mundo, cerca de 14 pessoas vítimas deste flagelo. Dito por extenso e com a solenidade característica de algo que nos deve fazer parar, refletir e atuar: catorze. Quase metade dos crimes de homicídio perpetrados neste ano foram, de facto, neste contexto.
Urge agir vigorosa e decisivamente. Mulheres e homens, observados apenas enquanto seres, sem idade, sem “Dr.es ou Dr.as”, sem compleição física ou beleza, sem profissão, sem condição social, sozinhos consigo mesmos, continuam, dia após dia, sob a vivência da penumbra da honra, despojados de todas as forças para saírem da sombra da morte.
Resta-nos, por enquanto (e por quanto tempo mais ?!), sangue e luto.
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Imagem: DR
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