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‘Happy End’ evidencia crise da classe privilegiada europeia

 

 

 

Em Happy End dá-se um encontro de várias gerações de uma família burguesa em Calais, França. George Laurent, o ancião, sofre de demência progressiva; Thomas, o filho, depois da notícia do envenenamento da ex-mulher, é obrigado a viver com a sua filha, Ève, que por sua vez tem tendências suicidas; Anne, a filha, tem em mãos o negócio de construção civil da família e tem de lidar com o trauma de um acidente de trabalho causado pelo seu filho que sofre de desequilíbrios mentais.

Sobre o filme, João Lopes, na Cinemax, considerou que Happy End, presente na secção competitiva de Cannes 2017, é mais um prodigioso exemplo do seu labor realista e que Michael Haneke continua a ser um “metódico e intransigente observador” das convulsões internas europeias.

“Reconhecendo que se tratava de um objeto não susceptível de gerar consensos (ainda bem…), confesso que não esperaria que sobre ele se abatesse um tão grande silêncio — para não dizer indiferença”, acrescentou.

João Lopes constata que Happy End se tornou um objeto ausente de todos os balanços europeus de 2017, “como se o facto de pensar a Europa para além de lugares-comuns ideológicos ou banalidades dramáticas justificasse uma espécie de punição simbólica…”

“Que Europa?”, interroga-se ainda o crítico de cinema. Pois bem, “uma entidade que emerge da perturbação que se instala numa família do norte de França face aos refugiados que foram acolhidos na região de Calais (no campo, entretanto desmantelado, que ficou conhecido como a ‘Selva’). O que Haneke filma não é o confronto, ainda menos a comunicação, entre os dois universos, antes a sua coexistência num presente carregado de contradições e interrogações”.

Lopes identifica em Happy End “a mesma precisão realista de títulos anteriores” de Haneke, em particular aqueles que lhe valeram duas Palmas de Ouro em Cannes: “O Laço Branco” (2009) e “Amor” (2012). “O realismo, entenda-se, não é a acumulação de sinais superficiais, à maneira da mais rotineira informação televisiva — é, isso sim, um trabalho intenso e obsessivo sobre os elementos do quotidiano que dizem mais do que as suas aparências”.

João Lopes conclui com uma apreciação sobre o “elaborado e complexo trabalho do realizador com os atores, também eles superando os códigos comuns de representação “psicológica”, sublinhando, em particular, “a presença radical de Fantine Harduin – no cinema de Haneke, também as crianças não são estereótipos”.

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Jorge Mourinha, no Público, por seu turno, considera que o filme se encontra “sob o signo do ansiolítico”. Happy End “é uma angustiante câmara lenta dos nossos dias, mas que nada traz de novo ao seu cinema”.

Salienta que “Michael Haneke poderia bem descrever o seu cinema, com a fina e devastadora ironia que lhe conhecemos, como feel-bad movies, visto que o olhar impiedoso e cirúrgico com que desmonta os reversos da sociedade contemporânea tem o resultado de deixar o espectador a questionar a sanidade mental do mundo que o rodeia. Happy End é o sucessor do devastador Amor (2012), com o qual aliás invoca um grau de parentesco mais ou menos solto através da presença de Jean-Louis Trintignant e de Isabelle Huppert. E, como seria de esperar do título, de feliz não tem nada: assistimos à dissolução em câmara lenta de uma família abastada de Calais, pelo meio de crises pessoais e profissionais contra as quais parece não haver defesa possível”.

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Descrevendo o argumento, Mourinha refere que “Trintignant é o patriarca viúvo que, à beira do seu aniversário, parece apenas desejar a libertação deste “casulo mortal”; Huppert, a filha que assumiu o controlo da empresa familiar, tem que lidar ao mesmo tempo com um acidente industrial e as inconstâncias de um filho que se sente enjeitado; Mathieu Kassovitz, o filho cirurgião, vê-se na obrigação de acolher a filha que nunca conheceu realmente depois da ex-mulher se tentar suicidar. Ao seu redor, tudo é problemático – sindicatos em greve, inspectores do trabalho, condutores com pressa, cães agressivos, migrantes ilegais, conversas em segredo, um constante acumular de grandes irritações e pequenas tragédias que só os ansiolíticos conseguem controlar.

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E tudo isto sob o olhar de Eve, a menina que cai de repente no meio dos Laurent e vê logo aquilo que eles acham que ninguém compreende, mediado através da câmara do telemóvel”.

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Na sua apreciação, Jorge Mourinha conclui que, “pela multiplicidade de pequenas histórias que se cruzam e pelo modo como o “tema” central apenas vai emergindo aos poucos, Happy End é filme mais resguardado [que Amor e Laço Branco], mais confortável (se é que tal é possível com o austríaco…), com algumas pontas pior rematadas do que é normal. Não se descobrirão aqui surpresas, apenas um autor a trabalhar ao seu bom nível habitual, revelando pelo meio de um elenco impecável uma jovem actriz a reter (a miúda Fantine Harduin) e capaz de arrancar momentos fulgurantes de cinema (como a conversa na praia entre pai e filha)”.

Mas Adam Nayman, na BFI Film Forever, vê o trabalho de Haneke de forma oposta, começando desde logo por referir que “há muito, no trabalho mais recente do realizador que relembra seu trabalho anterior, mas esse filme oblíquo, muitas vezes divertido, também marca uma mudança para um tom mais claro, tornando-o seu trabalho mais interessante desde Nada a Esconder, de 2005″.

Nayman considera que, neste filme, Michael Haneke “equilibra o cinismo com uma empatia implícita (…) em muitos dos melhores momentos do filme, que se abrem para além (ou abaixo) do seu ceticismo superficial.

É a mesma forma de constrangimento – de pessoas que se sentem expostas a si mesmas ou aos outros –  responsável pelo tom de diversão incómoda em Happy End. Quando o petulante e autoapiedado Pierre faz uma versão em karaoke do Chandelier, o seu abandono exibicionista é patético ou catártico, de acordo com a sua preferência”.

Happy End “demonstra o mesmo ceticismo que os demais filmes de Haneke sobre uma classe privilegiada dominante no Ocidente e que vive isolada e de costas voltadas para certas realidades; ainda assim, pelo menos uma vez, a crítica sente-se leve e não pesada. O filme não sugere nada mais do que uma temporada comprimida de alguma novela melodramática, dividida em fragmentos de vídeo digital brilhantes e conciliadores. Depois de Amor, não tinha certeza se queria ver outro filme de Haneke, mas o modesto, e genuíno, avanço de Happy End parece um novo começo”.

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Happy End, um filme de Michael Haneke sobre dramas e segredos familiares, com a crise de refugiados e da Europa contemporânea como pano de fundo, será exibido na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão pelo Cineclube de Joane no próximo dia 8 de novembro. Depois do extraordinário “Amor”, Isabelle Huppert e Jean-Louis Trintignant, voltam a contracenar num filme que conta ainda com Mathieu Kassovitz.

Happy End, de Michael Haneke – trailer

Título original: Happy End (Alemanha/Áustria/França, 2017, 107 min.)

Realização e Argumento: Michael Haneke

Interpretação: Isabelle Huppert, Jean-Louis Trintignant, Mathieu Kassovitz, Fantine Harduin

Montagem: Monika Willi

Fotografia: Christian Berger

Produção: Les Films du Losange, X-Filme Creative Pool, Wega Film, Arte France Cinéma, France 3 Cinéma, Westdeutscher Rundfunk (WDR), Bayerischer Rundfunk (BR), Arte G.E.I.E.

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