Racismo – Sexismo – Especismo

 

 

Quando falamos de especismo, discriminação por base na espécie, é comum a comparação com outros ismos, atuantes entre humanos e moralmente condenados. Para alguns, no entanto, a comparação é exagerada. Após reflexão, verifica-se existir uma semelhança: o domínio do mais forte sob o mais fraco, seja pela força, condição social, raça, género ou pela racionalidade.

O racismo é uma discriminação baseada na diferença, através da ascendência genética, que fomenta a hierarquia entre humanos. A avaliação parte da crença que os indivíduos são diferenciados e isso reflete-se nas suas ações e baseia-se numa relação de dominação e de consequente discriminação, pois o discriminado não pode mudar as suas características biológicas. Esta destrinça é patente na história do mundo ocidental. A referência surge nos clássicos gregos quando encontramos a palavra bárbaro para referenciar os povos de outras raças e mesmo a tolerância aos escravos (escravatura), aceite tanto por Platão, como por Aristóteles. O último justifica até a escravatura com o argumento de que se a natureza é sábia e determinou que uns nasceram para governar e outros para ser governados é plausível que estes últimos fiquem confinados aos trabalhos mais duros. O racismo acabaria por perdurar na sociedade ocidental, e a consequente escravatura também, até ter sido considerado crime contra a humanidade.

O sexismo, adotando a sequência descritiva do racismo, também parte de discriminação com base na biologia, ou seja, o género do ser humano, seja aquele com que se nasce ou o que se decide ter, apesar das leis que defendem as vítimas de violência doméstica, assédio no trabalho, diferenças salariais, entre outras. O sexismo, ao invés do racismo, está mais enraizado socialmente e por vezes disfarçado em tarefas especificas para homens e mulheres, que por norma colocam o “segundo género” referenciado numa situação mais frágil. Mais que a diferença biológica, facilmente ultrapassada na execução de tarefas, por exemplo, é a componente social que permite existir a discriminação sob o género. A própria história, dos gregos até hoje, foi propícia a este quadro. Mas nas últimas décadas as mulheres têm conseguido mais igualdade, com base na autonomia financeira alcançada.

As duas abordagens – racismo e sexismo -, apesar de presas a preconceitos, referem-se a indivíduos englobados numa única espécie, a humana, com uma propriedade intrínseca, a racionalidade. De todos os seres vivos, só os humanos falam e usam esse atributo para comunicar com os semelhantes, e não parece viável (racional) falar com um leão se este nos pretende atacar, logo, a dicotomia pensamento/ linguagem separa-nos dos restantes seres que habitam o planeta. A par do fator cultural  nasce o especismo, discriminação com base na espécie, pautada pelas diferenças das várias espécies sencientes.

O especismo é também um marco da cultura ocidental. Nos gregos existiu desconsideração para com os animais sencientes e o cristianismo, na sua fusão de saberes, importou a ideia para os textos bíblicos. Desde logo, a discriminação está no ato da criação, quando é facultado ao homem o poder de dominar os seus companheiros não humanos. A autorização divina do homem comer os animais apresenta estes como não dotados de livre arbítrio, determinados e inferiores na escatologia, estando disponíveis para os apetites humanos. Este quadro, ainda atual para a maioria dos humanos, defende o padrão da alimentação incluindo os animais e, apesar de uma maior consciência, esta abrange alguns, não todos.

O especismo, como conceito, surge através do psicólogo Richard Ryder e rapidamente é difundido por filósofos da ética que após a década de 70 conseguem o aumento visível dos vegetarianos, vegans e das suas diversas variantes baseadas na inclusão ou exclusão de alimentos. Quase meio século depois, a falta de reflexão sobre o que está no prato é ainda comum e fomenta a superioridade de umas espécies em detrimento de outras, por exemplo, parece bárbaro comer o cão ou o gato, mas a vaca e o porco já não. No entanto, a maioria que dos que comem os dois últimos não assiste à sua morte, compra apenas uma embalagem com etiqueta e um mero pedaço de carne. A nossa afinidade por algumas espécies às quais autoritariamente atribuímos superioridade, baseada na afetividade, é uma das formas mais triviais do especismo, mas a situação pode ainda ser mais irrefletida neste exemplo: temos um pato de estimação em casa, nunca o comeríamos, mas compramos o pato embalado e morto, ou mais distante ainda: o arroz de pato já confecionado.

Ultrapassar o racismo e o sexismo é possível com leis e com voz ativa pelos direitos do oprimido/a, mas ultrapassar o especismo é mais difícil, apesar de numa situação limite haver duas soluções na luta contra a discriminação baseada na espécie: ou não somos especistas, porque deixamos de consumir animais e baixamos drasticamente o uso destes em experiências, testes cosméticos, roupas, ou, em oposição, toleramos o uso de humanos  para os mesmos fins que usamos os animais não humanos. São os dois caminhos para combater o especismo. Como seres racionais, parece razoável começar a aceitar os animais não humanos como seres com capacidade de sofrer, autónomos e que moralmente não temos o direito de prejudicar.

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