No livro ‘O Último Cabalista de Lisboa‘, de Richard Zimler, o fumo das fogueiras da Inquisição em Portugal paira e vai persistir muito depois de aqueles judeus que haviam sido forçados a converter-se terem sido queimados e terem sido os primeiros a conhecer com a morte o ódio da intolerância.
A Inquisição estabelecida no reino português em 1536 continuará a mostrar a sua ferocidade em Portugal e em Espanha nos três séculos seguintes. Já antes de 1500 os reis de Espanha haviam convencido D. Manuel a expulsar todos os judeus do país e em troca conceder-lhe-ia a mão da sua filha. Muitos judeus em Espanha foram obrigados a fugir, mas muitos que ficaram foram duramente reprimidos. Em Portugal segue-se um processo de conversão forçada dos judeus ao cristianismo, – são os cristãos-novos – mas muitos deles continuam clandestinamente a praticar os seus rituais religiosos. Portugal vive um período de seca prolongada e de peste que dizima milhares de habitantes; é preciso encontrar um culpado, um bode expiatório para esses males. Os judeus (os marranos) são então o alvo a abater. Os frades dominicanos dirigiam e incitavam as levas de cristãos sedentos de violência, vingando-se nos judeus e cristãos-novos acusados de todos os males que então se viviam. A violência é inaudita e gratuita. Homens, cães e abutres disputam os cadáveres. D. Manuel é um rei fraco incapaz de suster o caos.
Lisboa, uma Veneza de sangue
O relato que constitui “O Último Cabalista de Lisboa” é feito a partir de uns manuscritos encontrados numa velha casa de Istambul onde se fala do massacre de Lisboa de 1506. Neles se conta a odisseia vivida pela família de Beremias Zarco (Pedro Zarco de seu nome cristão) naquele período de convulsão tendo sido escritos entre 1507 e 1530 pelo próprio. Beremias, um dos sobreviventes do massacre do Rossio decidiu fugir para Constantinopla quando percebeu que em Portugal não havia futuro para si e para a sua família, pelo facto de serem judeus. O relato escrito dessa experiência terrível em Lisboa esteve interrompido durante largos anos, mas em 1530 quis terminá-lo quando decidiu regressar a Lisboa, na sequência de uma visão do seu grande mestre o tio Abraão Zarco.
“O Último Cabalista de Lisboa” é a história da matança dos judeus de Lisboa, dos judeus anónimos, mas também dos amigos, vizinhos, familiares de Beremias, mas, sobretudo, a estranha morte do tio Abraão Zarco, respeitado membro da escola cabalística de Lisboa e com quem Beremias trabalhava decorando com iluminuras os manuscritos que a tia Ester copiava. Beremias não descansa enquanto não resolve o intrincado enigma da morte do tio. Quem poderia ter morto aquele homem encontrado sem vida com uma jovem na cave secreta onde faziam as iluminuras e os rituais da sua religião? Alguém muito próximo que conhecia aquele espaço secreto tinha sido o traidor que roubara um valioso manuscrito iluminado, o assassino do tio e da rapariga? E qual a relação entre os dois? Beremias e o seu maior amigo – Farid, um surdo mudo com quem se relaciona através de gestos – é o interlocutor que lhe permite comunicar de forma mais profunda e é o seu aliado mais perspicaz na busca do caminho para descobrir o enigma da morte do tio.
No processo dos motins e da matança no Rossio, Beremias perde a fé em Deus e nos homens. A perda do tio, o desaparecimento do irmãozinho Judas cujo rasto nunca se chegou a conhecer, o confronto com a fragilidade da vida em condições de violência extrema contra a sua comunidade que o obriga a fugir com a família levam-no à descrença. No final, ele afirma “Muita da minha fé evadiu-se-me juntamente com o sangue de meu tio”; ele “sente-se como uma árvore cujos ramos principais foram cortados por um cutelo”.
Um retrato histórico rigoroso de uma época que marcou o nosso país. Uma memória sobre a intolerância religiosa que não pode ser esquecida. Um grande livro reconhecido como uma obra de referência.
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Obs: artigo originalmente publicado em Esquerda.net.
Imagens: DR
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