O romance amoroso está sempre presente em qualquer série, novela ou filme. O amor e a paixão acabam por ser mesmo, quase sempre, imperativamente cruciais para o desenlace de qualquer enredo. Não é viável, quase se poderá dizer, existir um filme que não contemple este aporismo do enlace amoroso, nem que seja apenas de raspão ou numa breve alusão romântica entre personagens de uma história.
A ligação amorosa envolve um sentimento dicotómico de atracção entre personagens, que oscila entre amor e paixão, o qual podemos definir como uma coligação e fusão de vários tipos de sensações e estímulos, tais como o fascínio, admiração, fraternidade, a atracção sexual, o compromisso, a amizade, o respeito, a cumplicidade, o orgulho, o diálogo, a obstinação, o ciúme. Não desmerecendo os não mencionados, todos eles representam características endógenas, similares ou divergentes, mas em que todos convergem numa personificação e inflação dos nossos sentimentos mais íntimos.
Tal como na vida também assim se sucede, todas as narrativas televisivas e cinematográficas que abordam como pano de fundo os atributos e pertinência desta premissa, elencam as diversas variantes compagináveis com o amor e a paixão. Em meu entender, cada um de nós idealiza e projecta à sua maneira esta dicotomia. Apresentam-se de seguida alguns argumentos que, em definitivo, não separam estes sentimentos , sobretudo porque os exemplos sugeridos não os destituem, mas os conjugam mutuamente de forma efectiva.
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Anything Else – A Vida e Tudo o Mais, de Woody Allen (2003)
Anything Else é uma comédia romântica realizada por Woody Allen, caracterizada pelo seu estilo característico habitual: humor refinado conjugado com uma semântica filosófica que, aliás, podemos considerar como seu atributo peculiar, desde que em 1979 realizou “Annie Hall”.
A personagem Jerry Falk (Jason Biggs) é um escritor em início de carreira, residente em Nova Iorque e que se pode descrever como um jovem de personalidade fleumática, que gosta de viver a vida sem grandes sobressaltos. Até que, um dia, Jerry se apaixona à primeira vista por uma jovem chamada Amanda (Christina Ricci), uma mulher de género indomável e completamente inconstante. Estes dois géneros de personalidade diametralmente opostos irão, por consequência, gerar uma relação amorosa tumultuosa e instável entre ambos. Perante este dilema, Jerry ainda tem a agravante de a sua situação profissional não estar a correr bem, pois tem um agente predominantemente eunuco, que quase não lhe arranja trabalho. No entanto, é junto de Dobel (Woody Allen), um professor de 60 anos, meio obsessivo-compulsivo, que Jerry desabafa os seus problemas. Por outro lado, os conselhos deste Professor são muitos levianos, superficiais e detentores de uma excentricidade hilariante.
Na essência deste filme, estamos diante de três concepções distintas sobre a atracção amorosa e sexual. No caso de Jerry está implícita a personificação da tipologia do amor para toda a vida, desde que encontre a sua alma gémea. Já no caso de Amanda nota-se que se entrega numa fase inicial de um relacionamento, de forma impetuosa e com denodo, mas com o decorrer do tempo, a galvanização inicial esfuma-se, dando lugar a uma frigidez sentimental com o seu parceiro, susceptível de passar a demonstrar interesse por outros homens. Por fim, no terceiro caso, o de Dobel, defende uma certa aspereza e indiferença grotesca, na atracção sexual, em que a mulher deve ter um papel secundário, recorrendo ao uso de expressões machistas e eufemismos sentimentais.
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The Apartment – O Apartamento, de Billy Wilder (1960)
O Apartamento é um filme Norte-Americano, de cariz comédia romântica, considerado pela crítica um dos filmes mais badalados e incontornáveis do realizador Billy Wilder, designadamente porque se encontram subjacentes nesta narrativa as várias divagações e mutações a que a atracção tangível entre o homem e a mulher estão sujeitos, sempre pululando num frenesim diário, remetendo este aporisma do caso amoroso para um entretenimento momentâneo e fugaz, sem qualquer tipo de compromisso e enlace à vista.
C. Baxter é um homem solteiro e um técnico conceituado numa multinacional, que tem uma ascensão contundente e rápida na empresa, à custa de cedências que faz aos seus chefes, do seu apartamento para que os executivos casados possam ter encontros amorosos. Apesar deste aparente gáudio pessoal, pelas suas promoções, C. Baxter é sistematicamente confrontado com alguns embaraços, nomeadamente com debilidades físicas e falta de descanso, uma vez que não usa convenientemente o seu apartamento para efectivar o seu repouso e, sobretudo, porque está mal referenciado pelos vizinhos devido a noitadas de índole belicosa. Não obstante estas circunstâncias, ele nutre uma afeição especial, que se pode deduzir por amor, por Fran Kubelik, uma das funcionárias da dita empresa, que ele desconhece em absoluto e que é apaixonada pelo administrador da firma e frequentadora do seu apartamento. Um dia chega ao seu apartamento e descobre subitamente Fran desfalecida no seu quarto, por supostamente ter tentado suicidar-se mediante ingestão de medicamentos. Num ínterim, Fran é salva pela acção providencial de um médico vizinho de C. Baxter. Depois, refeitos do incidente, C. Baxter e Fran, iniciam paulatinamente um eventual caso amoroso que visa romper com idiossincrasias do passado.
Traduzindo contextualmente a génese deste filme, constata-se que existem duas personagens que personificam a tese do amor para toda a vida, como elo de ligação, com cumplicidade e numa anuência matrimonial, sem adultério. Por outro lado, existem as outras personagens secundárias do filme, completamente desprovidas destes sentimentos puros, já com os seus relacionamentos deteriorados e procurando o devaneio, o desfrute ocasional, num tropismo incessante, tratando o amor como sendo algo descartável.
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The Sheltering Sky – Um Chá no Deserto, de Bernardo Bertolucci (1990)
Um Chá no Deserto é um filme ítalo-britânico, do género dramático, dirigido por Bernardo Bertolucci, que narra a viagem nos finais dos anos 40, de um casal (Port e Kit) ao Norte de África, com o intuito de dar um novo alento a um casamento de dez anos, que se ressente da passagem do tempo, fruto da monotonia e rotina. Acompanhados na viagem por um amigo, George Tunner, ambos pretendem mergulhar na imensidão do deserto, na paisagem exótica da atmosfera da região, na sua cultura intrínseca e atávica. Como os dois são escritores, Port e Kit enfatizam que o fascínio das cores, a luz e a dimensão mítica do deserto, lhes pode devolver a sua inspiração e descartar o estigma da incerteza na sua relação, que Tunner tenta deturpar de forma emocional e eroticamente.
Aventurando-se nesta empreitada sinuosa e imprevisível, começam a atravessar o deserto Sahara. O casal vive sensações e estímulos distintos: Port envereda pela contemplação da natureza, totalmente embrenhado no séquito da viagem, Kit é avassalada por uma dose de ardentes emoções. Demonstrando uma ambiguidade vertiginosa, vacilando entre Port e Tunner até que, subitamente, Port é varrido por uma febre colossal e incontrolável e morre, antes disso conseguindo confessar a Kit, na hora da morte, que apenas viveu para ela. Kit, perante esta desgraça, e sem Turner por perto, que segue outra rota, sente-se completamente destroçada, mentalmente divagante e proscrita. Em face dessa realidade, junta-se a uma caravana tuaregue e torna-se concubina do chefe, por pouco tempo. Contudo Kit já não é a mesma pessoa. Desprovida dos seus sentimentos mais nobres e circunspectos, sente uma atracção por este lado do mundo misterioso, irreverente, árido, uma paixão irreversível pelo desconhecido.
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The Holiday – O Amor não tira férias, de Nancy Meyers (2006)
O Amor Não Tira Férias é mais um filme Norte-Americano, estereótipo de comédia romântica. Realça a necessidade premente de duas mulheres, oriundas de estados diferentes, desenvolverem outras formas de relacionamento propícias ao romance, mas fora do seu espaço natural. Tal facto deve-se a experiências amorosas anteriores que não se traduziram em algo consistente, pelo que viram goradas as expectativas de um desenlace conclusivo e frutífero.
Essa vontade implícita das duas, designadamente de Amanda Woods e Iris Simpkins, são pontos em comum, o que as leva a contactar homens através da internet. Ambas confessam mutuamente a frustração persecutória das suas vidas e a imprescindibilidade de mudanças de ares. Em face dessa constatação irremediável, combinam algo súbito e inusitado: trocar de casas justamente nos feriados natalinos, ou seja, Amanda vai viver na casa de Iris em Londres, e Iris na casa de Amanda, em Los Angeles. Perante esta troca inédita, Íris diverte-se numa imensa casa luxuosa e Amanda faz o mesmo num chalé pequeno. As duas disfrutam de um natal diferente, com um alívio momentâneo e um optimismo omnipresente, o que parece poder gerar um novo alento nas suas vidas, sobretudo porque Amanda conhece Graham, irmão mais velho de Íris, que também, por coincidência, anda à procura de um novo amor, e logo se envolvem num relacionamento amoroso, claramente intencional e pragmático. Já Íris, mais contida e menos efusiva no amor que Amanda, desperta o interesse em Miles, vizinho de Amanda e que fora grande amigo do ex-marido da mesma. esta relação encaminha-se para um entendimento profícuo de amizade, entre ambos, mas que progressiva e paulatinamente pode gerar uma envolvência de cariz romântico.
Neste argumento presente, é notória e latente a vontade explícita destas mulheres serem felizes, procurando um novo rumo nas suas vidas. Vivem, assim, estimuladas e galvanizadas por esse objectivo que é o de encontrar um novo amor porque o amor e a felicidade são características próprias do ser humano e a vida só tem sentido com esse desiderato sempre presente.
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Estes filmes, de género romântico, são demonstrativos da diversificação dos vários tipos de sentimentos adjacentes ao amor, dependente essencialmente do estado de espírito de cada um, mas também do próprio meio social em que vivemos. Amor e a paixão transportam um novo fôlego eloquente aos nossos sentimentos, repudiando a letargia instalada e insolúvel que nos pode conduzir à infelicidade.
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