Vila Nova Online | Vítor Ribeiro / Observatório de Cinema: Larisa Shepitko: Estudo de Personagens

Observatório de Cinema | Larisa Shepitko: Estudo de Personagens

Larisa Shepitko nasceu em 1938 em Artemovsk, na Ucrânia, parte integrante da então União Soviética. Estudou na Escola Estatal de Cinema em Moscovo (VGIK), tendo sido uma das últimas alunas do mestre Alexander Dovzhenko, até à morte deste em 1956. No seu filme de fim de curso, foi auxiliada na montagem por Elem Klimov, também estudante da VGIK, com quem viria a casar em 1963. A edição do corpo da sua obra, com as longas-metragens Asas (Krylya, 1966), Tu e Eu (Ty i ya, 1971) e Ascensão (Voskhozhdenie, 1977) , três filmes que escapam aos grandes temas, interessados em personagens, personagens que olham para dentro de si próprios, da sua vertigem, foram uma das mais empolgantes descobertas cinematográficas do mercado português dos últimos anos.

Asas e Tu e Eu, foram exibidos em Outubro passado na Casa das Artes de Famalicão, no 2.º episódio do CLOSE-UP – Observatório de Cinema, na secção Histórias do Cinema.

O inverno russo durante a Segunda Guerra Mundial é a paisagem do último Shepitko, Ascensão. Encontramos um grupo de partisans, resistentes à progressiva ocupação nazi, que deambulam e se escondem nos bosques, sem comida, dividindo escassos feijões, são algumas dezenas, incluindo feridos e crianças.

Dois deles, Sotnikov e Rybak, são incumbidos de partir à procura de comida e é com eles que vamos ficar até ao final do filme, com Shepitko sempre mais interessada nos personagens, na sua paisagem interior, do que no contexto, servido de elementos e anotações minimalistas e austeras, enquanto os dois descobrem destroços de casas e alguns sobreviventes, cúmplices dos nazis.

A neve, que tudo cobre, surge como um ecrã branco que, a princípio, dificulta o passo e o discernimento na procura do caminho, para depois se transformar numa teia, dependurada nos ramos das árvores, antecipando a impossibilidade de os dois personagens escaparem. Aliás, a neve exerce um papel determinante nesta jornada, empurrando os personagens para interpretações físicas, com uma cena exemplar: a dupla é interceptada pelos exterminadores germânicos, Sotnikov, já febril, é baleado, o que obriga o companheiro a carregá-lo e arrastá-lo, num embrulho de neve. Rybak sussurra: Isto alguma vez vai acabar?

A segunda metade do filme, com Sotnikov e Rybak em cativeiro, acentuará o perscrutar de Shepitko, o estudo das duas personagens em diálogo:  Sotnikov, professor, irredutível no prezar da ética e da consciência; em oposição, Rybak, pragmático, obcecado em sobreviver, o que o empurrará para a covardia. Sotnikov, doente e ferido, é torturado, mas recusa-se a ceder, o seu grito chega-nos através de um ruido, uma tradução do seu tumulto interior. Shepitko não procura um herói, oferece-nos uma transcendência, o sacrifício de Sotnikov projecta a ascensão do titulo, que ilumina os restantes personagens, que assim ganham estatura, sobrando em contraste Rybak, espécie de judas, com quem Shepitko fica no fim do filme.

Ascensão conquistou o Urso de Ouro, prémio máximo em Berlim e reconhecimento internacional, que Larisa Shepitko saboreou durante pouco tempo: faleceu abruptamente, num desastre de automóvel, tinha 41 anos. Adeus a Matiora (Proshchanie, 1983), o fim de uma aldeia e a ruína de uma comunidade à custa do progresso trazido pela construção de uma barragem, iniciado por Shepitko, foi realizado pelo seu companheiro, Elem Klimov.

Ascensão será exibido no dia 10 de Março, às 17h00, na Casa das Artes de Famalicão, no âmbito do episódio 2.2 do CLOSE-UP – Observatório de Cinema.

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