E se, de repente, acordássemos presos em nós mesmos, incapazes de nos movermos ou falarmos? E se as pessoas à nossa volta não se apercebessem que nós estávamos ali, mesmo ali, mas não nos fazíamos notar? Quão intenso seria esse desespero?
Estas são perguntas que nos inquietam, que nos deixam desconfortáveis, mas que nos devem alertar para as pessoas que se veem nesse desespero. Esses são os doentes com a Síndrome de Locked-in ou Síndrome do Encarceramento. E estão “encarcerados” em si mesmos…
Já não há (ou não deveria haver) ninguém que não saiba o que é um acidente vascular cerebral (AVC), quais são os sinais de alerta que nos devem levar a pedir ajuda de imediato e quais as possíveis sequelas que dele advêm: uma perda de força dos membros à esquerda ou à direita, uma alteração na articulação das palavras, um desvio da comissura labial, … Estes são os sinais que mais se difundem acerca do AVC e todos eles estão corretos; só não são suficientes. Nem sempre um AVC corre pelo melhor e se fica sem défices e nem sempre esses défices são parésia dos membros ou disartria. Há os extremos e é sobre um deles que falará este artigo.
O encéfalo é o centro do sistema nervoso e é composto por várias porções, dentre elas o cérebro e o cerebelo (na calote craniana) e o tronco cerebral. Este último faz a ligação entre o que está no interior da calote e a medula espinhal que temos na nossa coluna vertebral; é o principal responsável pelos nossos mecanismos homeostáticos mais básicos como o ritmo cardíaco e o ciclo respiratório.
Um acidente vascular neste território, nomeadamente na sua porção pôntica, é a causa mais frequente da Síndrome de Locked-in, ainda que não a única. Um tumor cerebral, um abcesso pôntico ou mesmo um trauma que lese essa região leva a que haja perda de todas as funções nervosas do nosso organismo com exceção das primitivas e da consciência e movimento ocular vertical.
Um doente que sofre um evento que acometa a porção mais ventral da ponte está acordado, consciente, cognitivamente capaz como antes, mas não consegue mexer nenhum dos seus membros, é incapaz de falar, de ter movimentos da face ou até de engolir. AS únicas capacidades motoras não afetadas são o pestanejo e o movimento cima/baixo dos olhos.
São pessoas frequentemente confundidas com doentes em estados comatosos visto que são admitidas num serviço de saúde sem qualquer interação com o meio envolvente exceto pelo movimento ocular. É de importância máxima um profissional de saúde ou um familiar aperceber-se que há ali alguém que está vigil, que abre os olhos à chamada e que, utilizando códigos de pestanejo para sim/não, é capaz de comunicar. É de extrema importância perceber-se que está ali uma pessoa, tal qual como a conhecemos antes, que perdeu a sua capacidade motora quase por completo mas que está capaz de perceber tudo acerca da sua condição, que tem o direito de decidir sobre a sua saúde e que possivelmente está numa situação de desespero e prisão interior.
Este é um quadro descrito como irreversível que leva à morte num curto período de tempo por todas as complicações que dele advêm. No entanto, cada vez mais estudos mostram ganho de função em doentes com terapêutica e reabilitação intensivas. Uma minoria dos doentes tem reversão completa do quadro e esta ocorre sobretudo quando as síndromes são provocadas por trauma ou infeção. O acidente vascular isquémico, que é a principal causa, raramente tem total recuperação.
Uma das primeiras referências públicas à Síndrome do Encarceramento foi feita por Alexandre Dumas em “O Conde de Monte Cristo” em que Dumas descreve uma das suas personagens como um corpo com olhos vivos. Mais recentemente, o filme “O Escafandro e a Borboleta” de Julian Schnabel (2007) retrata de forma biográfica, com a crueza que lhe é devida, a condição de um jornalista que se vê preso em si mesmo, numa ânsia inquietante para se fazer “ouvir”.
A Síndrome de Locked-in é rara mas, ainda assim, não deve ser negligenciada. O simples facto de se ter ouvido falar dela pode ser suficiente para suscitar dúvidas perante alguém que não comunica.
E se fôssemos nós? E se, de repente, acordássemos assim? Quão intenso seria o nosso desespero?

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Imagem de destaque: Maria Pimentel
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