O Futebol Clube de Famalicão recebeu, no início desta época 2017-2018, a Certificação do seu Departamento de Formação, vulgo “camadas jovens”. Esta é atribuída pela Federação Portuguesa de Futebol aos clubes que cumpram toda uma série de requisitos que promovam a qualidade intrínseca da formação, quer no aspeto técnico quer no aspeto humano. Nuno Moreira é, atualmente, o responsável técnico superior deste Departamento. Em entrevista à Vila Nova, explica os passos que conduziram até aí, as vantagens para os atletas, bem como para o Clube, e dá a conhecer ao grande público como se processam todas as atividades na área que dirige.
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Pedro Costa: A Certificação da Formação das camadas jovens é um processo que os principais clubes de futebol têm vindo a implementar. Esta Certificação permite aos Clubes a criação de um elo mais forte dos jovens ao Clube. O que é isso significa em concreto? Como é que o Futebol Clube Famalicão a obteve?

Nuno Moreira: A Certificação atribuída pela Federação Portuguesa de Futebol é o reconhecimento da aplicação de um conjunto de diretrizes a que os clubes portugueses que se encontram nas I e II ligas dos campeonatos profissionais se obrigam para se envolverem nos processos de formação. Este processo de Certificação de Qualidade, que a Federação atribuiu ao F. C. Famalicão há pouco tempo atrás, embora seja um processo iniciado de há dois anos a esta parte, pode considerar-se, de certo modo, normal porque a formação deve obedecer a determinados critérios. No fundo, significa, ou tem como resultado concreto, que os clubes certificados, nomeadamente o nosso Futebol Clube de Famalicão, possam celebrar contratos de formação com os seus atletas. Isto permite-lhes protegerem-se em termos de direitos futuros em relação aos contratos dos atletas.
Esta Certificação garante ainda que o clube cumpre com todo esse conjunto pré-determinado de normas no que diz respeito à formação dos jovens. Estas incluem áreas de acompanhamento, que não apenas as da parte técnica de formação de jogadores, também essenciais para um saudável desenvolvimento dos jovens ao nosso cuidado. É o caso do Departamento Médico, infraestruturas, formação complementar, formação de treinadores e colaboradores. Há, depois, um outro ponto essencial, independente das pessoas que dirigem os destinos do clube e destas camadas de atletas: garantimos uma determinada orientação futura mesmo quando os responsáveis técnicos mudam. Há uma planificação criteriosa que é feita, que pode a todo o momento ser atualizada e que pode mesmo ir mais longe do que a Federação pretende. Por sinal, o Famalicão, através do seu Departamento de Futebol, já tinha previamente quase toda esta documentação preparada e a circular, já tínhamos estabelecido um conjunto de procedimentos que considerávamos lógicos e adequados. Quando a Federação solicitou toda a documentação relativa a este processo de Certificação já a tínhamos praticamente pronta. Quando o atual Departamento de Futebol tomou posse já havia muito trabalho feito pelos anteriores dirigentes.
Há, no entanto, também que olhar para a Certificação de outra forma. A Certificação obriga os clubes a desenvolverem um conjunto de procedimentos internos, de caráter administrativo, que fazem todo o sentido no plano formativo e que são favoráveis aos atletas. Desde logo passa por efetuar um registo e colocar em escrito todo o processo de ensino-aprendizagem, iniciando no projeto do clube, que é o guia no dia-a-dia da de toda a formação, aos dossiês de treinadores e ao acompanhamento a nível escolar; no fundo, tudo o que é a formação integral dos jogadores,
Pedro Costa: Também acompanham os jovens em relação à sua formação escolar?
Nuno Moreira: Tentamos na medida do possível. Não possuímos ainda infraestruturas de apoio no Departamento que permitam uma ligação tão forte quanto gostaríamos, mas acompanhamos a frequência, os horários e as classificações e avaliação escolares. Estabelecemos também um protocolo com a EB2,3 Júlio Brandão, em termos de dinamização de atividades, que nos permite acompanhar mais de perto os atletas que a frequentam.
Pedro Costa: Mais ao nível comportamental?
Nuno Moreira: Tudo! Tudo. Os jogadores estão no quadro de honra da escola. Há que valorizar o que é para valorizar e atuar naquilo que é problemático e há a melhorar.
Esta Certificação faz todo o sentido. Obriga os clubes a seguir uma linha de raciocínio, uma linha de processo, o que é fantástico, mesmo para quem trabalha nessa área. A formação era muitas vezes visto como o elo mais fraco na cadeia futebolística, mas hoje em dia as coisas estão a mudar um bocadinho. O futuro passa cada vez mais por valorizar os jogadores que estão na formação.
Pedro Costa: Com que idade começam os jovens a treinar no F. C. Famalicão?
Nuno Moreira: As crianças começam cedo, pelos 5-6 anos. Sub-7 e sub-6 são os escalões mais baixos. São os Petizes. Depois vamos por aí acima, com várias equipas em cada escalão, até aos juniores.
O Futebol Clube Famalicão é um clube com um potencial extraordinário. Para além do mais, tem uma cidade à sua volta, que em termos desportivos e em termos de futebol, em particular, é muito forte.
Pedro Costa: 7000 sócios?
Nuno Moreira: Não sei! Não faço ideia ao certo, mas é uma cidade que gosta muito do clube. Sendo o clube mais representativo acaba por absorver grande parte da amostra das crianças do concelho. Também pelo que são as diretrizes da Federação, temos que cumprir com um determinado número de equipas nos diversos escalões. Claro que a pirâmide vai encolhendo conforme se avança até próximo dos seniores. Neste momento temos 18 equipas a treinar.
Pedro Costa: Em concreto quantas em cada escalão? Quantos jovens envolve o Futebol Clube de Famalicão nas suas camadas jovens?
Nuno Moreira: Nos Petizes temos 2 grupos de trabalho: um de 2º ano e outro com todos os restantes. No fundo, correspondem à nossa “escolinha” de futebol. Nesta faixa etária temos 3 equipas, nos Benjamins, 4 equipas. Nos Infantis, temos 2 este ano. Temos também que contar com os jogadores que transitam de um ano para o outro. Até determinado ponto admitimos todos os atletas – quem quer e quem não quer, quem gosta e quem não gosta -, mas a partir de determinada altura é necessário filtrar. Primeiro admitimos toda a gente, depois é preciso filtrar quer por causa do afunilamento quer também pelas condições e qualidade de serviço em termos de treino. Até mesmo considerando as condições que temos em cada momento – ainda não transitamos para o novo centro desportivo. Não adianta termos 200 jogadores a treinar em simultâneo num escalão e depois não os conseguirmos acompanhar.
Pedro Costa: Quantos jogadores tem o F. C. Famalicão neste momento nos vários escalões?

Nuno Moreira: Atualmente temos cerca de 300 atletas ativos. São 180 nos escalões mais novos, até aos infantis, e mais cerca de 125 nos restantes: iniciados, juvenis e juniores.
Pedro Costa: Estes últimos são os escalões mais fortes, em que já existe o potencial do futebolista; ou não?
Nuno Moreira: Sou suspeito para falar sobre isso. Mas dentro dos clubes havia aquela conceção, aquela ideia de que existiam 3 escalões – o futebol sénior e, dentro do futebol de formação, o futebol de 11 e o futebol de 7, os escalões mais baixos. Temos antes que ver as coisas como um processo contínuo. Um jogador deve progredir no clube ao longo de todos os escalões. Pessoalmente dou tanta importância ao futebol de 7 como ao futebol de 11. Não faz sentido, nos escalões iniciados e juvenis, mandar embora 20 miúdos no final da época e fazer entrar outros 20. A base da equipa deve seguir de ano para ano. Este trabalho de base tem de ser muito bem realizado.
Estamos, neste momento, a redefinir o nosso trabalho – processo de ensino-aprendizagem nos escalões mais baixos precisamente porque também sentimos que havia essa necessidade. O futebol de 11 acaba por ser mais mediático, porque a visibilidade dada aos campeonatos nacionais é outra, mas aquilo que acontece no futebol de 11 é o resultado do que aconteceu antes no futebol de 7. Há também que tomar em linha de conta o nível dos jogadores. Os escalões competitivos têm que estar adaptados à idade dos jogadores. A transição do futebol de 7 para o futebol de 11 causa alguma confusão. São mais 8 jogadores em campo numa área muito diferente, maior. Por isso, passa-se do futebol de 3 para o de 5, para o de 7, para o de 11. Agora a Federação até introduziu o futebol de 9.
Pedro Costa: Para que idades, Nuno Moreira?
Nuno Moreira: Para os infantis. É o primeiro ano que vamos ter futebol de 9 aqui na associação. Vamos avançar já com as nossas 2 equipas de infantis – sub-12 (1º ano) e sub-13 (2º ano) – e avaliar. Trata-se de um escalão crítico por causa das questões maturacionais. Os jovens atravessam a idade de pré-puberdade e puberdade e, assim, dá-se uma transição mais adequada, mais lógica. Em termos de progressão na aprendizagem é o mais indicado.
Pedro Costa: Os jogos disputados pelas diversas equipas acontecem todos ao nível distrital?
Nuno Moreira: Até aos infantis, sim. Depois temos 3 equipas de iniciados, em que uma delas disputa o campeonato nacional. Trata-se de um campeonato sub-dividido em séries. Temos uma equipa na série A. As equipas B e C que competem num plano distrital.
Pedro Costa: Nesse caso, nos iniciados, escalão sub-15, temos 1 equipa principal, mais de topo, com atletas que neste momento ou nesta idade estarão mais aptos para a competição, e duas equipas que competem num nível ou patamar mais abaixo.
Nuno Moreira: Normalmente são as equipas de 2º ano que disputam o campeonato nacional. Um ano, nestes escalões de formação, faz muita diferença. Os jogadores mais velhos encontram-se mais acima em termos de nível competitivo. Mas temos de relativizar este nível. Temos geralmente uma equipa de 2º ano no campeonato nacional de iniciados, mas podemos sentir que a equipa de 1º ano tem melhor nível de jogo, maior potencial de progressão e melhor nível competitivo. Dado tratar-de de um conjunto de jovens mais novos, esta equipa teria mais dificuldade em ter sucesso no campeonato nacional. Este ano, criamos uma terceira equipa de iniciados porque tínhamos uma amostra muito boa do ano de 2004, à qual acrescentamos alguns infantis que nos parece que conseguirão chegar mais longe e que têm um nível competitivo bastante aceitável.
Pedro Costa: Antigamente não se pagava nada, em lado nenhum, para praticar desporto. Os próprios equipamentos eram todos eles fornecidos pelas coletividades onde se jogava. Que me recorde, os pais apenas apoiavam no sentido de transportarem os jogadores quando as equipas se deslocavam fora. No fim de semana, os pais levavam-nos aqui, ali ou acolá. Hoje em dia, na maior parte dos clubes, os jovens pagam mensalidades. Aqui também acontece o mesmo?

Nuno Moreira: Sim, até um determinado nível etário. Depois, também o nível qualitativo exige mudanças. Se queremos ter aqui os melhores jogadores e ser competitivos, não podemos exigir que os jovens paguem uma mensalidade. Nesta fase, já estamos a entrar no processo competitivo propriamente dito. São etapas diferentes do processo de aprendizagem. Uma etapa de formação geral e uma etapa de especialização prévia ao rendimento. Podemos encarar os juniores como uma etapa de rendimento. Isto acontece porque é um escalão de transição para os seniores.
É fácil de perceber porque é indispensável a cobrança de uma mensalidade nos escalões mais jovens. O F. C. Famalicão presta um serviço. Os jogadores querem aprender a jogar futebol, querem praticar uma modalidade desportiva. Se quiserem, podem fazê-lo ao ar livre em qualquer sítio da cidade. Nesse aspeto, o futebol é bom. Se calhar, deveria até acontecer mais vezes, No entanto, estamos a prestar um serviço que é orientado, em que os treinadores têm cada vez mais formação e qualidade, em que o próprio serviço inclui orientação técnica e outros departamentos que complementam esta formação. Desde muito jovem, o atleta vem para o clube jogar futebol, mas não só, pelo que faz sentido que se pague, tal como na natação, na música ou em qualquer outra atividade. Os pais sabem que os seus filhos estão entregues a uma estrutura minimamente organizada e que colabora com eles no processo educativo e formativo dos seus filhos. Além disso, é preciso garantir a própria sustentabilidade do clube. Há que pagar salários no final de cada mês e fazer frente a toda uma série de despesas e responsabilidades.
Pedro Costa: Até que escalão é que os jovens pagam?
Nuno Moreira: Atualmente as mensalidades são cobradas até ao escalão de Iniciados. Este escalão ainda paga, embora já menos que os as crianças mais pequenas, nos escalões mais baixos. Isto tem mais a ver com estratégias de gestão do clube do que propriamente de treino.
Pedro Costa: As vantagens da Certificação são, então, para o Clube, a garantia de eventuais receitas em caso de transferência do jovem para outros clubes, para os formandos, a garantia de qualidade da formação, isto é, formação adequada, com técnicos qualificados. O Nuno Moreira está integrado num equipa. Quem faz parte dessa equipa?

Nuno Moreira: A equipa é constituída por toda a gente que colabora de forma direta connosco. Anteriormente, quando cheguei ao clube, existia um vice-presidente para a secção da formação, que era, e é, o sr. Mário Almeida, o diretor desportivo, o coordenador de futebol de 11, os técnicos de instalações, departamento médico, psicólogos, etc.
No início desta época, com a saída de Paulo Sampaio da secção do futebol de 11, assumi a coordenação geral do Departamento, estreitando a relação que já antes nos ligava com o Sr. Mário Almeida. Praticamente somos os dois que lideramos e gerimos todo este processo. Existem diretrizes que partem do Departamento Profissional e que estamos a cumprir, ligação essa que faz todo o sentido entre o futebol de formação e o futebol sénior. No terreno, os treinadores lidam diariamente com aquilo que é o produto; são peças fundamentais. Os diretores do Clube têm sido inexcedíveis naquilo que é o apoio à realização de todas as atividades. Para além de treinador e Diretores, há que realçar o trabalho de suporte nas restantes áreas do Departamento. É um trabalho escondido, menos visível, mas importantíssimo.
Pedro Costa: Na prática, o Departamento da Juventude do F. C. Famalicão envolve muita gente, várias centenas de pessoas entre atletas, treinadores, diretores e demais pessoal de apoio técnico. movimenta imenso dinheiro.
Nuno Moreira: Não podemos delinear estratégias de gestão, por exemplo, os juvenis e os juniores não pagarem mensalidades, sem termos a sustentabilidade do clube como uma grande prioridade. Só o podemos fazer se isso não colocar em questão nem comprometer o equilíbrio financeiro do Clube e das pessoas que trabalham na instituição. Não praticamos salários muito elevados, mas tendo em conta aquilo que é a realidade do clube, a realidade da formação em geral, podemos concluir que temos, na verdade, uma máquina bem montada.
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Imagem de destaque: No final de um jogo de juniores, as equipas saúdam-se mutuamente em sinal de fairplay. A formação deve ser integral e atender a todos os aspetos do jovem, refere Nuno Moreira (Imagem: arquivo do F C Famalicão).