“Por dificuldades económicas dos pais, foi vendida, por quantia de moeda local, equivalente a 2.500 euros, ao seu companheiro. Este, em conjunto com familiares, tem explorado a vítima.”
“São transportados por uma carrinha para um jardim onde têm de pedir esmola durante o dia e são recolhidos pela mesma carrinha no final do dia.”
“Em depoimento para memória futura não confirmou a situação em que se encontrava – medo de represálias.”
Estes são alguns dos testemunhos que podemos encontrar no último Relatório, relativo a 2021, do Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), de 2021. E não, não são de um país estrangeiro, onde os olhos não veem ou o coração não sente. Esta é a realidade, também no nosso país.
Do que se sabe, ou seja, das situações que chegaram às autoridades durante 2021, o OTSH rececionou 318 sinalizações, representando um acréscimo de 38,9% face a 2020 (+89 registos).
Não falamos só de adultos, foram sinalizados 23 menores (presumíveis) vítimas de TSH, traduzindo um aumento da amostra válida face a 2020 (6 menores).
A maioria das sinalizações tem Portugal como ‘País de Origem’, ou seja, falamos de tráfico interno cujo fim se destina, entre outros, a mendicidade forçada, prática de atividades criminosas, fins de exploração sexual e ainda de exploração laboral (servidão doméstica).
Falamos, também, e por chocante que possa ser, de crimes como lenocínio e pornografia de menores, que apesar da diminuição em 2021, considerando os últimos 5 anos, mantêm uma variação anual positiva de aumento do número de crimes registados.
O tráfico não deve ser entendido como, apenas, uma ação específica de venda ou exploração. É um crime que envolve diferentes situações como aquele trabalhador que não tem acesso aos seus documentos de identificação ou viagem ou a pessoa que não tem liberdade de movimentos e ainda é ameaçada de, caso tente fugir, a família poder sofrer represálias.
Soluções para o tráfico de seres humanos!? Atuar na prevenção!
Precisamos, primeiramente, de trazer a debate esta questão que nos devia de preocupar a todos e todas, depois garantir que existem recursos humanos para aumentar as fiscalizações, disponibilizar apoio jurídico e paralelamente aumentar o número de estruturas com capacidade de resposta no acolhimento destas pessoas. E ainda que, localmente, as próprias autarquias locais não se demitam deste trabalho de proximidade e estejam atentas a eventuais situações de exploração laboral ou outras problemáticas similares. É necessário trabalhar inter-disciplinarmente e inter-municipalmente, só um forte trabalho em rede poderá evitar que continuemos a assistir a estas violações dos mais básicos direitos humanos.
E não nos esqueçamos de que todos e todas poderemos ser agentes mais ativos contra este flagelo, temos a obrigação ética de denunciar, de sinalizar eventuais crimes e de perceber que não acontece só aos outros, em países distantes. Pode acontecer no nosso concelho, na nossa freguesia, pois o crime de tráfico de seres humanos mora também mesmo ao lado.