Fui habituado a comer peixe, quando era pequenito. Quase todo o peixe. Ia com a minha mãe ao mercado. Lembro-me do frio, a água a escorrer das bancas e aquelas mulheres enormes, de voz rouca e braços inquietos. Entre o mercado e o areal das Caxinas havia uma pequena viagem, alguns quadros, leituras, filmes a preto e branco. Continuo a ouvir os gritos e a morte, as portas carregadas de areia, lá atrás o pequeno pátio, o quintal e depois o mar profundo. Às vezes observava mãos finas que debulhavam o marisco, mas eram cheiros fortes e formas assustadoras e havia pouco dinheiro em casa. Aquilo não era para mim.
Habituei-me a ouvir os pregões e as vozes cantadas pelas ruas estreitas da Póvoa e das Caxinas, vozes e nevoeiro. Lembro-me de ser triste e dos olhos muito abertos e luminosos do pargo e do goraz, as bancas do mercado corridas pela água fria, o chão molhado de restos, escamas e comia-se sardinhas, faneca, carapau, marmota, polvo. De novo as mulheres.
Um dia o meu tio mostrou-me a escultura em frente ao casino, percebi a sua tristeza com a representação das poveiras segurando o peixe fresco pelo rabo. Elas seguram o peixe pelas guelras, dizia-me o meu tio, o escultor devia ser um tipo ignorante a virar o mundo ao contrário. Passei dias e dias na praia, procurava pequenos mundos nos penedos e sentava-me a ouvir histórias, imaginava a estranheza de climas e tempestades, os romances cheios de viagens e de perigos, aparições descomunais.
Ontem comíamos solha ao almoço. Já nem me lembrava dos peixes muito lisos e espalmados, viajantes dos fundos arenosos, azevias, linguado, rodovalho. Estas lembranças trazem-me uma espécie de temor, será ainda o olhar de criança, quando me sentava ao lado do velho pescador e repetia perguntas e receios, esperava que o mar se levantasse e às vezes dava grandes passeios à procura de tesouros e ouvia falar de naufrágios e aventuras, viagens cheias de água para chegar ao outro mundo.