Após ter acedido ao poder de uma forma que boa parte do país não esperava e ter sido encontrada uma solução governativa que muitos se puseram a adivinhar como sendo contranatura e de curta duração, dando-lhe até o anedótico nome de Geringonça, que acabaria por ficar conhecido em todo o mundo, o primeiro-ministro António Costa espera ter a confiança dos portugueses para renovar o seu mandato neste cargo e considera que matérias sociais como saúde, educação e combate às desigualdades podem ser base para futuros acordos à esquerda.
Na próxima segunda-feira, a 2 de dezembro, o Governo de António Costa completa 3 anos. Para assinalar a data, a agência Lusa efetuou ontem uma entrevista com o titular do cargo executivo com mais influência na orientação política do país. Na referida entrevista, António Costa afasta, no entanto, a possibilidade de exigir a inclusão de matérias que dividem o PS dos partidos à sua esquerda em futuros acordos de Governo, como as questões europeias e de defesa nacional.
“Só se não tivesse vontade de chegar a um entendimento com os outros é que punha como condição haver acordo sobre matérias em que, à partida, já sabemos que não vai haver acordo”, alega.
Quanto à renovação ou não da atual solução inédita de Governo com o Bloco de Esquerda, PCP e PEV, o primeiro-ministro afirma querer “dar continuidade a uma formação política que surpreendeu muita gente há três anos, mas que hoje já entrou na normalidade do quotidiano de todos”.
“Da minha parte, de facto, não faço depender da existência de maioria ou ausência de maioria a manutenção destas posições conjuntas com o PEV, PCP e Bloco de Esquerda – assim haja temas sobre os quais possamos voltar a convergir na próxima legislatura. Espero que haja, porque seguramente há muito trabalho a continuar”, defende.
Segundo o primeiro-ministro, “há muito emprego ainda a criar, o país ainda tem muitas desigualdades para combater, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) ainda precisa de muitas melhorias e o sistema educativo precisa ainda de muitas melhorias”.
“Há muito a fazer para reduzir as desigualdades e para erradicar a pobreza, há muito a fazer para o desenvolvimento e para reforçar a coesão territorial com o interior. Portanto, não faltam temas para continuarmos a trabalhar em conjunto – e assim espero. Só desejo que os outros também assim o desejem continuar a fazer”, salienta.
Sobre a mensagem que o Bloco de Esquerda tem vindo a apresentar declarando-se pronto a integrar o Governo, argumenta António Costa que “as relações entre os partidos são como as relações entre as pessoas”, citando mesmo a este propósito um princípio que tem sido preconizado pelo PCP: “O grau de compromisso depende do grau de convergência. Se nós estivéssemos 100% de acordo, provavelmente até fundíamos os partidos. Se temos partidos diferentes é porque não estamos 100% de acordo. Se o nível de divergência for significativo, como é, eu creio que não seria o melhor caminho”, afirma ainda em resposta à questão sobre a integração de bloquistas no futuro executivo.
No que se refere à linha de orientação política saída da Convenção do Bloco de Esquerda no sentido de se lutar contra a possibilidade de maioria absoluta do PS, António Costa, desiludido, critica lamentando que Catarina Martins “tenha caracterizado a história desta legislatura como a história da “luta da esquerda contra o PS e que saia da Convenção estabelecendo como principal objetivo enfraquecer o resultado eleitoral do PS”.
“O PS apresenta-se às eleições não concorrendo contra ninguém, mas apresentando aquilo que considera melhor para Portugal e para os portugueses. Achamos que a forma inteligente de construir boas soluções políticas não é estar a cavar linhas de combate com os nossos parceiros parlamentares, mas continuar a assegurar que há uma boa alternativa à direita que oferece ao país crescimento económico, mais e melhor emprego, menor desigualdade, contas certas e credibilidade internacional reposta”, completa.
António Costa manifesta mesmo a sua esperança de que Bloco de Esquerda, PCP e PEV “não vivam obcecados com os resultados eleitorais do PS. Nós também não vivemos obcecados com os resultados eleitorais que eles vão ter”, defende.
Em jeito de conclusão, António Costa entende que “é melhor uma boa amizade do que uma má relação” entre o PS com o Bloco de Esquerda, PCP e PEV: “Acho que devemos preservar uma boa relação, sem prejuízo de que, como em todas as relações, possa haver evoluções. Agora, acho que não faz sentido começar a discussão se há ou não há um Governo conjunto antes de se saber sequer se há ou não há uma posição conjunta”, argumenta.
No plano político, recusa ter dado prioridade ao PCP e ter tentado secundarizar o Bloco de Esquerda nas negociações do Governo com esses partidos no que se refere ao Orçamento do Estado para 2019, pelo que contrapõe a ideia de que a relação do executivo “é franca e leal com todos os parceiros”.
“Enfim, varia muito de ano para ano qual dos partidos consegue comunicar melhor, entre aspas, os seus ganhos negociais. Houve uns anos em que as pessoas diziam que os grandes ganhos eram do Bloco de Esquerda, outros em que diziam que os grandes ganhos eram do PCP. Por mim, registo simplesmente que os grandes ganhos têm sido da economia nacional e dos portugueses, que são quem tem beneficiado desta política económica conduzida pelo Governo do PS com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda, do PCP e do PEV”, advoga.
Passando da esquerda para a direita política, em relação a Rui Rio, assume apenas que o líder social-democrata “tem feito a oposição que entende fazer”, deixando em seguida uma crítica ao estilo de oposição antes protagonizado por Pedro Passos Coelho: “Não é normal, na vida política, acontecer o que acontecia com a anterior liderança do PSD, que era existir um grau de conflitualidade exacerbado que, objetivamente, era muito penalizador do funcionamento da democracia”, sustenta.
Interrogado sobre como reage quando escuta a tese de que Rui Rio pretende no fundo ser seu vice-primeiro-ministro num futuro Governo, António Costa responde: “Eu ouvir, ouvi, mas não sei bem de onde é que vem essa ideia, visto que eu próprio já explicitei várias vezes que considero a existência de blocos centrais, salvo em situação de calamidade extrema, negativa para a democracia”.
António Costa salienta, a esse propósito que Rui Rio preconiza exatamente o mesmo, que é entender que “o Bloco Central é uma forma anómala em democracia de governação, salvo em situação extrema”, observa.
Em relação ao seu próprio Partido Socialista, sobre a possibilidade de contar novamente, num futuro Governo socialista, com Augusto Santos Silva como ministro dos Negócios Estrangeiros e Mário Centeno na pasta das Finanças ou se prefere um dos dois para futuro comissário europeu, o primeiro-ministro recusa-se a esclarecer, argumentando que especular sobre o futuro executivo seria “um desrespeito”, já que estaria a antecipar soluções governativas que dependem do voto dos portugueses.
“A campanha eleitoral será no seu momento próprio. Temos ainda muito trabalho para fazer antes de estarmos em campanha eleitoral e antes de termos de aguardar pelo resultado eleitoral para tratar da composição do novo Governo”, acrescenta.
Sobre uma eventual recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro afirma que acredita sempre no Presidente da República. “Quando ele diz que não tem uma posição tomada, eu só posso acreditar que ele não tem uma decisão tomada”, declara.
Sobre a questão dos professores, entendimento de partidos, à esquerda e direita do PS, contra o Governo “não é sério”
Em referência à contestação dos professores à política seguida pelo executivo minoritário socialista. o primeiro-ministro António Costa considera que “não é sério” um entendimento PSD/CDS-PP com Bloco e PCP para contabilizar todo o tempo de serviço congelado aos professores e, em simultâneo, afirma compreender a ansiedade dos enfermeiros após “anos de sede”.
Sobre um eventual acordo parlamentar que paira como possibilidade envolvendo PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda, PCP e PEV para se contabilizar todo o tempo de serviço antes congelado aos professores, o primeiro-ministro declara que “esse entendimento não é sério”.
“PSD e CDS votaram, ano após ano, o congelamento da carreira dos professores, dizendo expressamente que esses anos de congelamento não contariam como anos de serviço, enquanto este Governo se comprometeu a descongelar, e descongelou. Já foram neste momento descongeladas as carreiras de 32 mil professores, até ao final deste mês mais 12 mil professores verão a sua carreira descongelada e no próximo ano serão mais 19 mil. Até 2020, não haverá nenhum professor que não tenha tido uma progressão na sua carreira”, defende.
Em suma, de acordo com o primeiro-ministro, no caso da carreira dos professores, “onde PSD e CDS congelaram”, o seu Governo “descongelou”. “Descongelar significa que, onde o cronómetro tinha parado, foi reposto a funcionar. Foi isto que nos tínhamos comprometido a fazer, e fizemos”, acentua.
No que respeita ao processo negocial entre Governo e sindicatos, o primeiro-ministro queixa-se que o seu Governo encontrou sempre “uma barreira inamovível” em torno da exigência dos nove anos, quatro meses e dois dias.
“Perante a absoluta intransigência sindical, nós passámos a lei aquilo que era a nossa proposta de contabilizar dois anos, nove meses e 18 dias. Não é um número que tenha caído do ar, tem um critério. Tal como aconteceu com os outros funcionários que não tinham sido sujeitos a avaliação, em que foram tidos em conta 70% dos respetivos módulos de progressão, o que fizemos no caso dos professores foi aplicar a mesma regra. E como os módulos de progressão dos professores são, em regra, quatro anos, aplicámos os 70%. É isso que dá os dois anos, nove meses e 18 dias”, justifica.
Se fosse contabilizado todo o tempo de carreira antes congelado aos professores, António Costa estima que o impacto global financeiro seria na ordem dos 600 milhões de euros.
“Esses 600 milhões de euros não existem no Orçamento. Nem vi ninguém até agora dizer onde é que cortamos para compensar esses 600 milhões de euros, ou onde é que vão buscar receita para pagar esses 600 milhões de euros. Portanto, propor é fácil. Agora, o que é preciso é resolver”, alega. Em todo o caso, o líder do executivo adverte que aquilo que seria pior para os professores era o seu Governo “não ter transformado em lei aquilo que foi a proposta negocial apresentada e recusada pelos sindicatos”.
“Pode dizer-se muita coisa deste Governo, mas o que não se pode dizer, seguramente, é que tratou mal a administração pública. Relativamente aos professores, repusemos a recontagem, fizemos o descongelamento, o cronómetro voltou a contar. Agora não nos peçam para refazer todos os males da história, porque nós não podemos reconstruir a história”, argumenta.
Questionado se poderá haver recurso do Governo à lei travão caso o parlamento, por conjugação de votos à direita e à esquerda do PS, aprove um diploma com forte impacto orçamental, o primeiro-ministro responde: “Não tenho de [a] usar, a ‘lei travão’ está na Constituição”.
“O Governo aprovou um decreto-lei em Conselho de Ministros, esse decreto está em audição estatutária às regiões autónomas, depois terá de ser apreciado pelo senhor Presidente da República, que decidirá se promulga o diploma, se veta o diploma, ou se suscita a inconstitucionalidade do diploma. E não vou estar aqui a antecipar as decisões do senhor Presidente da República, cujo exercício de competências nós respeitamos escrupulosamente”, salienta o primeiro-ministro.
Interrogado sobre a contestação generalizada no setor da saúde e o facto de estar prevista para breve – hoje mesmo – nova greve dos enfermeiros, António Costa começou por apontar que o seu Governo assegurou aos enfermeiros “a redução do horário para as 35 horas”.
“Para os enfermeiros com contrato individual de trabalho que já tinham sido contratados com 40 horas, alargámos também o horário das 35 horas. Repusemos por inteiro o pagamento das horas de qualidade e do trabalho extraordinário. Estamos a pagar um subsídio aos enfermeiros especialistas. Portanto, temos vindo a procurar responder às necessidades”, sustenta.
No entanto, segundo o primeiro-ministro, os diferentes profissionais “têm de compreender que o sentido da ação deste Governo foi, por um lado, repor aquilo que tinha sido cortado, assegurar as melhorias possíveis, mas sem comprometer um objetivo fundamental que é manter contas certas”.
“Isso é essencial para manter a credibilidade externa do país e para que o país continue a poupar 1400 milhões de euros por ano no serviço da dívida. Temos de ir prosseguindo essa trajetória, mas sem nunca darmos um passo maior do que a perna. Porque há algo que nem os portugueses nem nenhum desses profissionais nos perdoaria é se o país voltasse a ter de cortar aquilo que agora se repôs”, salienta.
Ainda sobre a contestação dos profissionais de saúde, António Costa cita a letra de uma canção de Sérgio Godinho: ‘a sede de uma espera só se estanca na torrente’.
“Acho que o país vive um bocado essa situação. Foram muitos anos de sede e, portanto, de repente, toda a gente quer tudo e já. Compreendo a ansiedade dos diferentes profissionais, mas aquilo que me compete fazer é assegurar aquilo que é necessário para o país e para o conjunto dos portugueses, que é continuar a investir na qualidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), continuar a investir na qualidade do sistema educativo, continuar uma trajetória de crescimento económico, de criação de emprego e manutenção de contas certas”, insistiu.
Bem-estar animal consta do Programa do Governo
O primeiro-ministro assume divergência no PS sobre o IVA da tauromaquia, elogia a solução de liberdade de voto na bancada socialista, mas salienta também que a proteção do bem-estar animal está presente no Programa do Governo.
“O PS é um partido de liberdade, onde cada um pensa pela sua cabeça. E, portanto, ninguém deve ficar surpreendido pelo facto de numa questão concreta, e pela primeira vez, aliás, em três anos, ter havido uma divergência entre a bancada socialista e o Governo. Considero que a questão foi inteligentemente resolvida pelo líder parlamentar, [Carlos César], porque em vez de se socorrer da disciplina de voto, obrigando todos os deputados a votarem a proposta da direção da bancada, entendeu dar liberdade para poderem votar na proposta do Governo. Espero que a proposta do Governo [de manter o IVA da tauromaquia nos 13%], que me parece boa, seja aprovada na Assembleia da República”, declara.
Nesta entrevista à agência Lusa, a propósito da polémica decisão do Grupo Parlamentar do PS de contrariar o seu executivo ao apresentar uma proposta para reduzir o IVA das touradas de 13 para 6%, António Costa frisa ainda que o ponto sobre o bem-estar animal foi incluído no programa do atual Governo no final de 2015.
Nesse discurso em que apresentou o programa do seu Governo no parlamento, em 2 de dezembro de 2015, o primeiro-ministro afirmou que “ao derrubar este muro velho de 40 anos, não abrimos uma trincheira de confrontação que exclua do diálogo democrático as restantes bancadas parlamentares, como bem prova a inclusão no Programa do Governo de contributos do PAN, com quem contamos para aprofundar o debate civilizacional sobre o bem-estar animal”, salientou nesse discurso.
“Eu não acredito em guerras de civilizações. Acredito em diálogo de civilizações. As civilizações distinguem-se por diferentes elementos, mas também se distinguem pela forma como encaram o bem-estar animal. Por mero acaso, noutro dia reli o discurso que fiz na apresentação do Programa do Governo, há três anos, e dou, aliás, como exemplo de uma evolução civilizacional a nova forma como a sociedade valoriza o bem-estar animal”, assinala.
Confrontado com o facto de vários deputados socialistas considerarem que um certo tipo de causas identitárias ou de homogeneização cultural serem mais próprias de partidos como o Bloco de Esquerda ou o PAN e menos de um partido de Governo como o PS, António Costa diz que respeita a opinião de todos, mas recusa que na questão das touradas esteja em causa uma qualquer tentativa de homogeneização cultural.
“Ninguém propôs sequer aqui a proibição das touradas, ou sequer um referendo sobre o tema da proibição das touradas. Estamos aqui simplesmente a discutir se às touradas deve ser aplicado um benefício fiscal que é introduzido neste Orçamento para a dança, para a música, para o teatro, para o circo, para um conjunto de manifestações culturais. O que estamos a discutir é isso”, clarifica.
Na perspetiva do primeiro-ministro, a melhor solução é dar liberdade a cada um dos municípios para, como fez, por exemplo, o município de Viana do Castelo, num sentido, ou que fazem os municípios do Alentejo ou do Ribatejo, noutro sentido, cada um decidir se deve ou não deve permitir a realização de touradas no seu território”.
“Portanto, não defendo a homogeneização cultural. Defendo, sim, a pluralidade cultural, que é aquilo que é próprio de quem acredita num diálogo entre civilizações”, reforça António Costa.
“É importante que a franqueza e a transparência se mantenham com Angola”
António Costa considera a visita do Presidente angolano o fim de “um ciclo de normalização das relações” que “restabelece a normalidade” e “deve prosseguir sendo aprofundada”, afirmou o primeiro-ministro, citando o próprio presidente angolano.
Quanto ao problema da regularização das dívidas, o primeiro-ministro mostrou-se satisfeito com o facto de “muitas empresas terem visto a sua situação regularizada, outras parcialmente regularizada, outras aguardam a regularização e outras aguardam ainda a certificação e o reconhecimento dos créditos que reclama”, diz António Costa, acrescentando que é um processo que está em curso e “felizmente, com bons sinais até agora”. O importante para o Estado português é ter sido assegurado que, “em primeiro lugar, Angola reconheceria a existência de situações de dívida para com as empresas portuguesas e que haveria um processo transparente com participação das empresas portuguesas para o apuramento do montante dessas dívidas e a sua certificação”. Este facto “foi essencial para restabelecer a confiança das empresas portuguesas para poderem investir em Angola”.
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Fonte: PS