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‘Terra em Transe’ – êxtase, lucidez e censura

 

 

Terra em Transe é um flashback na hora da morte de Paulo Martins, escritor e idealista de uma ferocidade tal que a desilusão trágica é o único destino possível para ele. É assim que o filme começa, na iminência de um golpe de estado, o falhanço espetacular do seu projeto, a queda da única esperança política de Eldorado – cidade fictícia que Rocha criou como símbolo da esperança, do sonho inalcançável. E Paulo atira-se a uma morte que podia evitar, ignorando as palavras Brechtianas da companheira Sara, que lhe diz “não precisamos de heróis”. Ele grita “eu preciso cantar” e atravessa uma barreira policial, sendo inevitavelmente atingido. Na areia, moribundo, mas gracioso, aponta a metralhadora para o céu; o seu último poema são as memórias que vemos em filme.

Desiludido primeiro pela tirania da direita e depois pela fraqueza da esquerda, Paulo atravessa o espetro político sem encontrar nele um lugar, mas a sua alma poética é incapaz de se resignar ou de viver cinicamente: é um homem que tem de ir até ao fim. Ao acompanharmo-lo nessa viagem exaltada, por vezes febril, passamos por danças, tumultos e rituais, uma mistura única de religião, política, pobreza e tropicalismo, o caldeirão tumultuoso que era o Brasil na década de 60.

O privilégio da memória na montagem é a liberdade absoluta. E o filme flui como uma associação livre que nos lembra dos sonhos de Fellini cortados com a brusquidão de Godard, num violento frenesim sociopolítico em que singram apenas como idealistas os temperamentos ferozes como o de Paulo Martins, talvez semelhante ao de Glauber Rocha. Apesar desta fluidez, nunca ficamos muito tempo sem ouvir o som de disparos e explosões, normalmente em off, que são um despertar constante para o artifício do filme e ao mesmo tempo para a realidade angustiante que Eldorado, ou seja, o Brasil, atravessa.

Um filme marcante no seu tempo, e ainda hoje, Terra em Transe foi, como não é surpreendente, censurado na altura do seu lançamento por “denegrir a imagem do Brasil” e por ser considerado subversivo e irreverente com a igreja, acabando por ser exibido em Cannes depois de protestos por parte de cineastas franceses e brasileiros, e no Brasil apenas na condição de ser dado um nome ao personagem do padre representado por Jofre Soares. Em Portugal manteve-se censurado até ao 25 de Abril. E hoje é apresentado no cineclube.

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Terra em Transe – entre o êxtase e a lucidez de uma civilização

As estreias de Barravento, de Glauber Rocha, Ganga Zumba, de Cacá Diegues, Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, Deus e o Diabo na Terra do Sol, também de Rocha e O Desafio, de Paulo Saraceni, transformaram o chamado Cinema Novo brasileiro num fenómeno global, acompanhado por revistas na altura importantes como a Positif e os Cahiers du Cinéma.

Terra em Transe é lançado no seguimento dessa atenção universal e generalizada, que permitiu a criação de condições de produção, distribuição e continuidade para todo o cinema brasileiro, e que culminou com as fundações da distribuidora DIFILM – Distribuidora de Filmes Ltda. e a produtora Mapa Filmes do Brasil, no ano de 1965.

Escrito por Glauber e com Jardel Filho, Glauce Rocha e Paulo Autran nos principais papéis, o filme ambienta-se na república fictícia de Eldorado, onde sobe ao poder um tecnocrata chamado Porfírio Diaz, interpretado por Autran, que é combatido publicamente pelo jornalista Paulo Martins, interpretado por Filho, seu antigo apoiante e protegido.

Em entrevista ao cineasta Rogério Sganzerla, em 1966, e quando este lhe pergunta se Terra em Transe é uma continuação de Deus e o Diabo na Terra do Sol, Glauber Rocha responde-lhe que é “antes um desdobramento das minhas ideias. Não sei bem se será mais falho ou mais concreto. Desta vez, será uma tentativa de exprimir no plano mais urbano certos conflitos que me parecem fundamentais no Brasil de hoje.”

Enumerando esses conflitos, na mesma entrevista publicada no jornal O Estado de S. Paulo, Glauber elenca “a negação dos valores tradicionais e a incerteza quantos aos novos valores. Este ponto crítico é o transe. O transe entre o inconsciente e o consciente de uma civilização, entre o sono e o despertar – o ponto crítico entre o êxtase e a lucidez.”

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Premiada no Festival de Cannes e no Festival de Locarno em 1967, Terra em Transe, a terceira longa-metragem do cineasta Glauber Rocha, foi exibida pelo Lucky Star – Cineclube de Braga dia 18 às 21h30 no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, inserida no ciclo dedicado ao realizador que terminará no dia 25 de Abril com o seu último filme, A Idade da Terra. O Ciclo contemplou também a exibição de Deus e o Diabo na Terra do Sol, no dia 4, e António das Mortes, no dia 11.

Horário e preços do Lucky Star – Cineclube de Braga

As sessões do Lucky Star – Cineclube de Braga ocorrem às terças-feiras, pelas 21h30. A entrada custa 1,00 euro para estudantes e utentes da biblioteca e 3,00 euros para o público em geral. Os associados do cineclube têm entrada livre, mediante uma mensalidade de 2,50 euros.

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