Existe uma utopia romântica sobre o mundo rural: campos verdejantes, brisa suave, abelhas a saltitar de flor em flor, pássaros ocupados na construção dos seus ninhos, um sentimento de paz e serenidade que nos aquece o coração e conforta a alma depois de um dia de trabalho ou durante as férias.
E se este cenário idílico deveria de ser um direito adquirido de quem vive no mundo rural, desengane-se quem julga que assim o é.
Antes de mais, há que diferenciar dois tipos de mundos rurais. Primeiro, aquele que diz respeito aos locais onde vamos passar férias ou “fugir da epidemia”, alguns por si só zonas protegidas e, assim, com realidades distintas. Segundo, aquele que alberga uma larga maioria de cidadãos e cidadãs, no qual eu me incluo, e que, apesar da distância relativamente curta dos grandes centros urbanos, consegue, em certas alturas, manter suficientemente longe a azáfama da cidade, o barulho e poluição própria do meio, criando assim “mini bolhas” de paz e sossego.
O que muitos desconhecem é que o mundo rural que tantos apregoam como a última fronteira a ser protegida – nos seus puros interesses económicos – carece de uma análise mais aprofundada sobre os direitos de quem lá vive e sobre a sua real importância, muito mais além da económica.
Vários são os contextos e cenários que se colocam aos residentes do mundo rural, onde o atropelo aos direitos fundamentais merece, no mínimo, uma reflexão séria.
Nos termos do ponto 1 do artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa: “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.”
Exatamente o oposto daquilo que o Estado, representado por Autarquias e Juntas de Freguesia, tem preconizado nos últimos anos. Assistimos ao uso indiscriminado de herbicidas, levando a um impacte ambiental gravíssimo na fauna e flora; à falta de limpeza das ruas, com repercussões a nível da poluição dos recursos hídricos; ao abate de árvores saudáveis, em contraste com a falta de planos de gestão de florestas eficazes e sustentáveis, onde, pelo contrário, proliferam eucaliptos e outras espécies invasoras.
Outro facto curioso é que no que ao ruído diz respeito. O artigo 14.º do Regulamento Geral do Ruído, considera a proibição de atividade ruidosas temporárias na proximidade de “Edifícios de habitação, aos sábados, domingos e feriados e nos dias úteis entre as 20 e as 8 horas”, ora até aqui muito bem, não fosse a exceção criada pela Lei da Caça que dá um direito superior, a quem a pratica, de um completo desrespeito pela liberdade e direito ao sossego, aos domingos e feriados, a todos aqueles que na paz do mundo rural vive.
Dezenas de cães em latidos estridentes, acumulados em caixas exíguas, são largados no meio de silvados a fim de apanhar a “presa”. Disparos, ensurdecedores, de caçadeira, que “limpam” qualquer ouvido, mesmo os mais resistentes, aos quais acresce a invasão de terrenos privados, sob a desculpa “não vi que era terreno privado”.
São dias completos de um total desespero no que ao silêncio diz respeito.
O mundo rural, aquele que tantas vezes é citado na Assembleia da República como razão de grandes aflições, mais não é do que a terra de ninguém, onde a floresta não tem nome, onde as ruas se cobrem de desleixo e desprezo, as abelhas e os pássaros ignorados na sua importância ecológica, a preservação da água, como bem essencial à vida, negligenciada no seu valor intrínseco e o direito ao silêncio mais não é do que uma ilusão na mente daqueles que se mudam de malas e bagagens para o nosso querido mundo rural.
Falar do mundo rural sob uma única visão economicista e limitá-lo à agricultura mais não é do que condicionar a qualidade de vida das milhares de pessoas que o escolheram como a sua casa.
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Imagem: Portugal Profundo
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