As cidades são particularmente vulneráveis aos riscos climáticos devido à sua aglomeração de pessoas, edifícios e infraestrutura, mas a densidade urbana pode criar a possibilidade de uma melhor qualidade de vida e uma menor pegada de carbono, através de planeamento e criação de infraestruturas mais eficientes.
O aquecimento global e o aumento das emissões de gases de efeito de estufa
O aquecimento global é o processo de aumento da temperatura média dos oceanos e da atmosfera da Terra causado pelo acréscimo de emissões de gases que intensificam o efeito de estufa (GEE), originados pelas atividades humanas, especialmente a queima de combustíveis fósseis e mudanças no uso da terra, como o desmatamento.
A natureza e o alcance dos efeitos regionais são difíceis de prever de maneira exata, mas sabe-se que nenhuma região do mundo será poupada. Muitas serão penalizadas pesadamente, especialmente as mais pobres e com menos recursos para adaptação. É evidente que uma redução drástica das emissões não acontecerá de imediato, por isso é necessária a adaptação às consequências inevitáveis do aquecimento, tão mais graves quanto maiores as emissões de gases estufa.
Os governos do mundo em geral trabalham hoje para evitar uma elevação da temperatura média acima de 1,5 °C, considerada o máximo tolerável antes de se produzirem efeitos globais em escala catastrófica. Num cenário de elevação de 3,5 °C a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) prevê a extinção provável de até 70% de todas as espécies hoje existentes. Se a elevação superar os 4 °C, que não está descartada, e a cada dia parece se tornar mais plausível, pode-se prever mudanças ambientais em todo o planeta em escala tal que comprometerão irremediavelmente a maior parte da vida na Terra. Num cenário de altas emissões continuadas, superpopulação humana e exploração desenfreada da natureza, semelhante ao que hoje está em curso, prevê-se para breve o inevitável esgotamento em larga escala dos recursos naturais e uma rápida escalada nos índices de fome, epidemias e conflitos, a ponto de desestruturar os sistemas produtivos e sociais, tornar as nações ingovernáveis e decretar o colapso da civilização como hoje a conhecemos. Se considerarmos o futuro para além do ano 2100, admitindo a queima de todas as reservas conhecidas de combustíveis fósseis, projeta-se aquecimento dos continentes de até 20 °C, eliminando a produção de grãos em quase todas as regiões agrícolas do mundo e criando um planeta praticamente inabitável.
A imprensa ainda alimenta muitas controvérsias, frequentemente mal informadas, tendenciosas ou distorcidas, e há grande pressão política e econômica para se negar ou minimizar as fortes evidências já reunidas, levando ao negacionismo climático. Entretanto, o consenso científico virtualmente unânime dos climatologistas é de que o aquecimento global está acontecendo inequivocamente, e precisa ser contido com medidas vigorosas sem nenhuma demora, pois os riscos da inação são demasiado altos.
Todavia, as negociações intergovernamentais não têm sido muito frutíferas, os avanços nas ações de mitigação e adaptação têm sido insuficientes e a sociedade em geral resiste em mudar o seu estilo de vida, à luz das sólidas conclusões da ciência, comprovadas por uma grande massa de estudos qualificados. O resultado é que as emissões têm crescido sem cessar, não havendo sinais de que se reduzirão substancialmente no futuro próximo.
Porque a maioria da atividade económica está concentrada nas áreas urbanas, as cidades têm um papel fundamental nas mudanças climáticas. São as principais emissoras de gases com efeito de estufa, albergando metade da população mundial, um valor que provavelmente atingirá 70% em 2050. As cidades consomem até 80% da produção mundial de energia e representam uma parcela aproximadamente igual da emissão global de GEE, uma vez que o desenvolvimento das emissões de GEE é conduzido menos por atividades industriais e mais pelo consumo de energia, serviços necessários para iluminação, aquecimento e arrefecimento.
Cidades mal geridas motivam enormes novas exigências de energia e investimento em infra-estrutura, emitindo GEE em linha com a combinação de fontes de energia usadas por cada país individual. Cidades mais ricas, cidades menos densas e cidades que dependem predominantemente de energia produzida por carvão emitem mais gases com efeito de estufa. Apenas as 10 principais cidades emissoras de gases com efeito de estufa, por exemplo, têm emissões aproximadamente igual a todo o Japão.
Em emissões per capita, as grandes cidades são bastante eficientes
Por exemplo, a cidade de Nova York é a cidade com maiores emissões de GEE do mundo. Mas, numa base per capita, emite menos do que outras grandes cidades, sendo 40% inferiores às emissões per capita de Houston. Embora as cidades sejam responsáveis por altas emissões de GEE, as emissões per capita podem ser comparativamente baixas em cidades que são eficientes e bem planejadas. Tais cidades, como Hong Kong, Paris, São Paulo, Tóquio, Dhaka e Londres têm a menor intensidade de energia do mundo: Cerca de um quarto das emissões das cinco cidades mais emissoras e menos de metade da média das 50 cidades mais emissoras de gases com efeito de estufa.
Que podem as cidades fazer para combater o aquecimento global e os seus efeitos?
Tradicionalmente, as cidades são centros de comércio, cultura e inovação, e deram à luz algumas das maiores ideias da humanidade. Nesta encruzilhada crítica, precisamos das ideias que as cidades podem criar, mais do que nunca.
As cidades são particularmente vulneráveis aos riscos climáticos devido à sua aglomeração de pessoas, edifícios e infraestrutura, mas a densidade urbana pode criar a possibilidade de uma melhor qualidade de vida e uma menor pegada de carbono, através de infraestrutura e planeamento mais eficientes.
Os governantes das cidades são diretamente responsáveis, perante os seus eleitores, pelas suas decisões e são mais ágeis do que os eleitos nacionais para tomar medidas decisivas – muitas vezes com resultados imediatos e impactantes. O que as nossas cidades fazem individualmente e em conjunto para lidar com as mudanças climáticas pode definir a agenda para comunidades e governos, criando efeitos globais. Quando as cidades escolhem adotar estratégias de adaptação e mitigação e compartilhar conhecimento entre si, o impacto coletivo é enorme.
Hoje, dezenas de milhares de ações de combate às mudanças climáticas ocorrem nas cidades de todo o mundo e cada vez mais, prometendo que a solução global para a mudança climática resida lá também, implementando soluções nos campos da eficiência energética, mobilidade, redução e gestão de resíduos, resiliência urbana, agricultura urbana, acção climática e equidade social e energética.
Soluções das cidades no combate às alterações climáticas
Cidades de todo o mundo estão a ponderar e implementar medidas de alto impacto local, contribuindo para a redução de emissões de GEE. Alguns exemplos:
Transportes / Mobilidade urbana: Addis Abeba (Etiópia) – Metro Ligeiro de Superfície (LRT)
O transporte é um dos principais responsáveis por emissões de GEE em Addis Abeba, representando 47% das emissões totais. Melhorias nos transportes públicos podem contribuir significativamente para as reduzir, além de proporcionar co-benefícios socioeconômicos, ambientais e de sustentabilidade.
O Metro Ligeiro de Superfície (LRT) de Addis Abeba atualmente opera em plena capacidade, com até 60 mil passageiros em quatro linhas, por hora, demonstrando ser rentável para o governo. Há também potencial para geração de receita adicional através de acordos de transferência de tecnologia. A construção criou mais de 5.000 empregos e a operação atual emprega mais de 1.100 pessoas. Os utentes podem alcançar o seu destino de forma fiável e rápida – a velocidade média de transporte melhorou de 10 km/h (pelo tráfego rodoviário) para 22 km/h (por LRT). Também melhora consideravelmente as opções de transporte para aqueles mais frágeis, como os idosos e deficientes, e o acesso a serviços vitais, como instalações de cuidados de saúde.
O LRT está na vanguarda da defesa do transporte de baixas emissões de carbono, sendo alimentado por eletricidade com baixo teor de carbono da rede etíope. Ocupa menos solo do que a construção de estradas, tem menores níveis de poluição do ruído e do ar e menor exposição ao risco de danos à infraestrutura por fenómenos meteorológicos extremos.
O potencial acumulado de redução de emissões do sistema LRT está previsto em 1,8 milhões de tCO2e (toneladas de gases equivalentes) até 2030. Há planos para ampliar a rede de 34 km para 185 km nos próximos dez anos, bem como implantar projetos semelhantes noutras cidades, criando impactos positivos além das fronteiras da cidade.
Adaptação em acção: Copenhaga (Dinamarca) – Plano de gestão da precipitação Cloudburst
Localizada junto ao mar, Copenhaga enfrentará ameaças crescentes com a subida do nível das águas e aumento da frequência e intensidade da pluviosidade. O projeto geral foi pensado para superar as chuvas anteriormente compreendidas como eventos extraordinários (“chuva de 100 anos”), bem como um aumento de 30% na chuva diária.
Em vez de escolher a infra-estrutura de “betão” como a principal estratégia de adaptação (paredes, barreiras e túneis subterrâneos), Copenhaga optou por soluções verdes de adaptação ao clima em toda a cidade. O sistema integrado de ruas verdes e pequenos parques funcionará como áreas de retenção e bacias hidrográficas, coletando água localmente e drenando-a.
O plano trará importantes benefícios económicos e ambientais. Os objetivos a longo prazo do projeto são melhorar a qualidade da água no porto da cidade, mitigar o efeito de ilha de calor urbano, aumentar as oportunidades recreativas para os cidadãos e diminuir a poluição do ar. O plano também é uma forma de criar crescimento, emprego e atividades económicas.
Agricultura urbana: Curitiba (Brasil) – Agricultura Urbana
O projeto visa reduzir as emissões de GEE através da agricultura urbana: diretamente através do seqüestro de carbono no solo, fixação biológica de azoto por leguminosas e uso de fertilizantes orgânicos, e, indiretamente, reduzindo distâncias de transporte de alimentos e resíduos, compostagem de resíduos orgânicos, redução de “ilhas de calor”, criando consciência ambiental e reforço das comunidades.
Além do cultivo de lotes públicos, a distribuição de sementes e plantas representa uma área de 67 hectares, gerando mais de 750 toneladas de alimentos locais. O programa atinge mais de 20.000 cidadãos por ano e reduz a vulnerabilidade climática. A melhor permeabilidade do solo reduz os riscos associados ao aumento das inundações. A melhoria das distâncias de transporte dos alimentos e das práticas de eliminação de resíduos diminuiu o seu depósito em aterro. O programa aumentou a consciencialização ambiental, envolvendo crianças e adolescentes com o tema da agricultura. Além disso, áreas degradadas foram recuperadas e lixeiras foram transformados em áreas de cultivo de alimentos. Reduz despesa com alimentos, além de gerar rendimentos da venda de produtos excedentários. A poupança média atinge US $50 por mês (1/5 do salário mínimo), por família participante.
O projeto fornece benefícios de saúde pública através do aumento da atividade física (especialmente para os idosos), proporcionando uma atividade terapêutica e promovendo o aumento do consumo de vegetais. A capacidade de gerar renda extra promove a inclusão social e a formação de grupos fortalece as comunidades locais, preparando para as mudanças climáticas e reduzindo riscos. Curitiba executa mais de 200 atividades de promoção por ano, tais como: oficinas de consciencialização ambiental e alimentar para crianças, práticas agrícolas, oficinas culturais e oficinas de compostagem, alcançando mais de 20 mil cidadãos, ou seja, 1% da população.
Análise e planos de adaptação: Paris (França) – Em direção a uma cidade mais resiliente
A Estratégia de Adaptação de Paris pretende enfrentar os desafios das alterações climáticas na cidade, incluindo: ondas de calor, efeitos de ilha de calor urbano, inundações e secas. O programa também abrange problemas de sustentabilidade, desde a poluição do ar e riscos relacionados à saúde, ao desafio dos refugiados climáticos e à escassez de água.
Foi desenvolvido ao longo de 2 anos, envolvendo departamentos municipais, cidades parceiras e outras partes interessadas afetadas.
Algumas das ações implementadas até 2020 incluem:
- Um programa verde de combate ao calor, até 2020: +20.000 árvores plantadas, +30 hectares de espaços verdes, 1 milhão de m² de telhados e paredes verdes, 20 ruas verdes e pelo menos 1 zona de resfriamento experimental.
- Planeamento para os parisienses encontrarem um local fresco a menos de 7 minutos a pé, até 2020: +2 novas piscinas ao ar livre, +2 áreas de natação natural abertas ao público, parques abertos 24 horas durante ondas de calor.
- Abastecimento alimentar menos vulnerável: 33 ha de agricultura urbana em Paris até 2020; 50% da restauração municipal proveniente de alimentos sustentáveis até 2020; 25% dos alimentos consumidos em Paris produzidos localmente até 2050.
Pretende-se antecipar os riscos das mudanças climáticas e seus impactos sobre o esgotamento de recursos – para a cidade e para as pessoas.
O projeto possui importantes benefícios económicos, ambientais e de saúde, proporcionando melhor qualidade de vida durante os períodos de calor, adaptando os horários de trabalho e oferecendo novos espaços ao ar livre para usar e socializar durante o verão. Também se pretende uma cidade mais verde e mais fresca, com menos poluição do ar e melhor preparação e antecipação de novas doenças.
Planos de Acção Climática (PAC) – Portland (EUA) – Plano de Acção Climática 2015
Portland percebeu a necessidade de diversificar e ampliar a redução dos GEE, tendo em conta as disparidades económicas e sociais da localidade. O público contestou o papel da região na exportação de combustíveis fósseis e Portland está a responder a essa preocupação, bem como a canalizar a influência que os residentes e as empresas têm sobre as emissões em outros lugares através da aquisição de bens .
Desde 2014, as emissões de Portland diminuíram 21% em relação aos níveis de 1990. A cidade está a converter parte da sua frota automóvel em elétrica. Negociou o encerramento da central a carvão estadual. Associou-se com a universidade para implementar programas locais. Apostou na geração de energia eléctrica fotovoltaica, ultrapassando os 40 MW de capacidade instalada, em 2016. O setor público utiliza apenas energia com origem renovável. O setor das renováveis de Portland cresceu muito mais rápido do que a economia local, criando mais de 12 mil empregos.
O objectivo global do PAC de Portland é entregar um conjunto integrado de estratégias até 2020 para reduzir as emissões de GEE em 40% até 2030 e 80% em 2050. A proporção de cidadãos que viajam principalmente por transportes públicos, ciclismo ou a pé é esperada aumentar para 50% e o número de veículos elétricos está previsto multiplicar-se. A PAC visa reduzir o consumo de energia em edifícios existentes em 1,7% ao ano, resultando em uma redução anual de emissões de GEE de 280 mil toneladas métricas em 2020.
O projeto também aborda a adaptação às alterações climáticas e pretende reduzir os riscos previstos. Além disso, o PAC abordará a acessibilidade da habitação, procurando reduzir as disparidades, fortalecendo a coesão da comunidade e criando sinergias entre os defensores do meio ambiente, ambientalistas e outras partes.
Equidade Social nas Alterações Climáticas – Seoul (Coreia do Sul) – Parceria Público-Privada de Previdência Energética
A PPP de bem-estar energético visa reduzir emissões de GEE e reduzir as despesas de famílias de baixa renda.
Seoul financiou a reabilitação energética de milhares de famílias. Em colaboração com empresas e voluntários, lâmpadas convencionais em habitação carenciada, mercados e infantários foram substituídas por lâmpadas LED. A cidade instalou milhares de painéis micro-fotovoltaicos em habitação social e casas de famílias de baixa renda.
Os lucros gerados da economia de energia, cerca de US $178.000 anuais, são enviados ao Seul Energy Welfare Civic Fund para a expansão de seus programas de eficiência energética. Este fundo, destinado a combater a pobreza energética, arrecada milhares de dólares de contribuições monetárias e em espécie de empresas e cidadãos. Edifícios públicos e universidades comprometeram-se a doar as economias de eletricidade, para melhorar o bem-estar energético da população mais desfavorecida.
Seoul recrutou dezenas de desempregados como consultores de energia e assistentes sociais, para a realização de avaliações energéticas em residências, apoio e melhoria da eficiência energética em casas da cidade.
O objetivo programa é reduzir os riscos climáticos para as famílias desfavorecidas através da implementação das políticas de bem-estar energético mais eficazes e eficientes, levando a uma sociedade mais justa e sustentável.
E as cidades portuguesas, que papel no combate às alterações climáticas?
Em geral, as cidades portuguesas podem esperar aumento dos períodos de calor extremo e de seca. No entanto, quatro cidades portuguesas (Braga, Aveiro, Vila Nova de Famalicão e Barcelos), têm previsto um comportamento anómalo: ambas as altas probabilidades de seca sem precedentes e de aumentos na inundação dos respetivos rios, a par de fortes aumentos de magnitude das secas.
Perante os alertas constantes da comunidade científica e as previsões preocupantes, será que as nossas cidades estão a levantar-se à altura dos desafios que se nos colocam?
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Imagens: (0) “Banksy is a climate change denier”, by Matt Brown, (1) Atlanta, EUA, by NASA, (2) Marcha da Greve Climática, Wellington, Nova Zelândia, by Judi Lapsley Miller, (3) Estação subterrânea LRT, Addis Abbeba, by Lemazelalem3, (4) Verdes juntam-se para salvar a Pequena Sereia da subida das águas, by greens_climate, (5) Vista aérea de Curitiba, by Roberta Keiko Kitahara Santana, (6)Dia de calor em Paris, França, by Embaixada EUA, Paris, (7) O governador do Oregon, Ted Kulongoski, e o CEO da Portland General Electric, Peggy Fowler, instalam o primeiro painel solar na Rodovia Solar do Oregon na I-5 e I-205, by Oregon Department of Transportation, (8) World Saving Machine III é uma máquina que usa energia solar para produzir gelo, exposta no Museum of Art, Seoul, by Obristv