As zonas húmidas – como a Veiga de Creixomil, em Guimarães -, ecossistemas que dependem de uma inundação ou saturação, constante ou recorrente, têm sido, desde sempre, utilizadas para a agricultura, proporcionando água de boa qualidade e solos férteis. No entanto, encontram-se atualmente ameaçadas devido à crescente procura para este fim. Em algumas regiões do mundo, perderam-se já mais de metade das turfeiras, pântanos, áreas ribeirinhas, zonas litorais e lacustres, e planícies de inundação.
As cidades e as zonas húmidas têm uma longa história comum. As primeiras cidades surgiram nas férteis planícies fluviais dos rios Tigre e Eufrates, onde os povos ancestrais podiam praticar a agricultura, ter acesso à água e efectuar o transporte de bens. Actualmente, metade da humanidade – cerca de 4 mil milhões de pessoas – vive em áreas urbanas e esta proporção pode atingir 66% em 2050.
Mais de duas mil zonas húmidas por todo o mundo nos 168 países contratantes da Convenção Ramsar, estão atualmente catalogadas como Sítios Ramsar, segundo critérios ecológicos, socioculturais e paisagísticos. Portugal declarou, até ao momento, 31 Sítios Ramsar em território continental e no Arquipélago dos Açores, desde que assinou a Convenção em 1980.
À medida que as cidades se expandem e necessitam de área urbanizável, aumentam também as pressões para conquista das zonas húmidas, que se degradam, sendo muitas vezes drenadas e aterradas para se construir sobre elas.
Se deixadas intactas ou quando recuperadas, as zonas húmidas urbanas tornam as cidades mais habitáveis e com mais qualidade de vida emancipado o contacto, valorização e a proteção da natureza. Em Guimarães, às portas do seu centro, a veiga de Creixomil é uma planície fértil que tem fornecido uma multiplicidade de benefícios sociais e ambientais onde coexistem também duas importantes e identitárias linhas de água: o rio Selho e a ribeira da Costa/Couros. É responsável por melhorar a qualidade da água e do ar urbano, promover a biodiversidade, controlar as inundações resultantes de períodos de forte precipitação, e constituir um meio de subsistência por via da prática agrícola ao mesmo tempo que promove o bem-estar e a qualidade de vida.
Historicamente, e para uma melhor compreensão desta planície e zona húmida, tem conquistado o tempo. Um dos primeiros registos escritos da sua paisagem coloca-a em posição bastante anterior à nacionalidade portuguesa. A villa “creiximir” – de onde se incluiria a atual Veiga de Creixomil – é documentada na carta de doação de 926 do Rei Ramiro a Ermenegildo e Mumadona Dias (condessa do Condado Portucalense e a mulher mais poderosa do seu tempo no noroeste da Península Ibérica) onde se enaltecia não só a extensão do seu terreno, a fertilidade do seu solo e o seu apurado cultivo bem como a sua posição topográfica e sobretudo a vizinhança e proximidade à vila de vimaranes, a antiga Guimarães. A Veiga de Creixomil é provavelmente uma das planícies e sem dúvida um dos valores de paisagem mais emblemáticos de Guimarães. Um palco de biodiversidade mas também de centenárias práticas agrícolas a tão só 30 minutos a pé do centro que merece a pena a visita.
Em 1842, um retrato histórico da Veiga dá conta igualmente que “as mais árvores são as comuns, e de que há maior abundância são choupos, por toda a extensão da Ribeira em razão das águas de que é coberta no Inverno (…) Produz o terreno cultivado grande abundância de milho grosso, algum centeio, milho-alvo, pouco, painço e muito feijão, vinho regular digo não está em proporção com o milho, e este um pouco agro principalmente, no fundo da ribeira”. O vinho “agro” (acre, acerbo, azedo) diz respeito ao produto resultante de um dos mais icónicos métodos de condução da vinha, a vinha do enforcado, no qual a vinha se entrelaça num tutor-vivo, ainda hoje existente, embora em pequeno número e que importa pensar formas de salvaguarda.
Este método de condução tradicional contribui para um sistema agroflorestal riquíssimo promovendo a biodiversidade, por ser ele próprio, nas bordaduras das propriedades agrícolas albergue de avifauna e de conexão ecológica, e por contribuir também para a qualidade estética da paisagem.
Este valor de paisagem representativo de um sistema de condução ancestral medieval expõe alguns desafios, entre eles, a necessidade de mão de obra especializada e assídua (na apanha e na poda), uma produção tendencialmente mais reduzida da vinha, e uma maior prevalência de doenças fúngicas e infecciosas se não vistoriada (na relação entre o tutor-vivo e a vide) necessitando de um maior acompanhamento; mas também a oportunidade de obter, como resultado final, um vinho mais ácido e de menor teor alcoólico que pode dotar o mercado com um produto diferenciador e de valor agregado por proteger (e manter) a estética e a matriz de um dos traços mais típicos das paisagens rurais do noroeste de Portugal: as videiras entrelaçadas nas árvores ao longo das bordaduras dos campos.
Sustentabilidade da paisagem é também promover um sistema de conectividades em áreas sensíveis do ponto de vista ambiental e com fortes traços identitários, especialmente naquelas que permitam uma gestão ativa e próxima do primeiro setor. É por essa razão que a preservação dos sistemas agroflorestais pode garantir a diversidade faunística, florística e a manutenção de múltiplas identidades territoriais e ciclos económicos fulcrais para um modelo de paisagem que privilegie o desenvolvimento territorial sustentável.
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