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O Porto/Post/Doc: Film & Media Festival vogou entre “as margens da ficção” e desafiou “as convenções do cinema documental”. Para além de uma “mostra do cinema contemporâneo produzido no último ano e um estado do mundo”, o festival reuniu “autores consagrados e emergentes, portugueses e internacionais”. “Becoming Animal” e “Graves without a Name” são os dois filmes que me marcaram, de entre os que tive a oportunidade de assistir no festival de cinema Porto/Post/Doc.
‘Becoming Animal’
Em “Becoming Animal”, com uma sensibilidade soberba, é filmada toda a natureza pertencente a uma floresta. Numa espécie de visita de estudo, os realizadores Emma Davie e Peter Mettler, na companhia do filósofo David Abram, partem para o Parque Nacional de Grand Teton, no estado americano de Wyoming. O que procuram é a ligação primordial e delicada entre o homem e a terra, hoje em dia tão ameaçada com o avanço tecnológico.
Os realizadores conseguem captar de um modo extremamente sensitivo uma natureza que não é de todo perfeita, e embalar-nos com a narração reflexiva de David Abram que chega a afirmar “quando toco uma árvore, também sinto a árvore tocar-me”. Esta não é uma narrativa antropocêntrica: o homem assume um papel de recetor, recolhe com os sentidos o que a natureza tem para lhe mostrar. É retratado o humano como um vaso recetor que se deixa atravessar, e ao mesmo tempo dá à natureza um modo de se entender a si mesma, como afirma o filósofo: “Podemos dizer que a natureza se percebe a si mesma
através de nós”. Somos lembrados da humildade que devemos a todos os seres e, por isso, a nós mesmos também – “Tantas coisas acordadas à noite quando nós bípedes vamos dormir”.
Com uma enorme delicadeza, este filme também exibido no Porto/Post/Doc ensina-nos a colocarmo-nos no meio da natureza, em vez de acima dela; devolve-nos o papel primordial de bichos que também merecemos poder ser. Só precisamos às vezes de ser lembrados.
Becoming Animal, de Emma Davie e Peter Mettler – trailer
‘Graves without a Name’
Também, nesta edição de 2018 do Porto/Post/Doc, acerca de uma busca, mas esta muito mais sombria, “Graves without a Name” lembra-nos o poder de destruição que tem o humano, mas também o de nunca parar de procurar, apesar do que foi destruído. Rithy Panh, realizador cambodjano, documenta o mostruoso genocídio levado a cabo pelos Khmer Vermelhos no Cambodja. Fá-lo essencialmente através de relatos íntimos de pessoas que descrevem o que perderam, assim como através de filmagens das vidas espirituais dos cambodjanos. Tendo o budismo como a religião predominante, acreditam na existência da alma e na reencarnação. Num esforço incansável, procuram os corpos das vítimas que nunca foram devidamente enterradas durante o genocídio, para de algum modo conseguir contactar com elas e dar paz às suas almas, através de vários rituais.
Este filme é fundamentalmente um retrato intimista e comovente da dor humana, e das muitas formas de a enganar e contornar. Somos desafiados a pensar sobre a importância do mundo dos rituais e do espiritual (expresse-se ele através de que crença ou religião) do qual tantos de nós já nos desligámos faz tanto tempo.
Graves without a Name, de Rithy Panh – trailer
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