O Rio Ave fez nascer em seu torno o “Vale do Ave”, região industrial que se destacou pelo seu enorme dinamismo económico, na verdade uma das zonas mais industrializadas do país.
As fracas condições de vida da classe operária, com os operários a viverem miseravelmente em habitações sem condições e fraca alimentação, contribuiram de forma decisiva para o desenvolvimento da epidemia.
No município famalicense, nas freguesias de maior desenvolvimento industrial, tais como Delães, Bairro e outras, na fase mais elevada da propagação o número de infetados ultrapassou os oitocentos. Um número nefasto, próximo do cataclismo em muito superior à população de tantas das freguesias.
No meio rural, deverá ser destacada a mentalidade. Nos meios rurais havia uma tendência de pertença a uma família mais chegada, pelo que muitos dos enfermos preferiam ficar em casa em vez de rumarem ao hospital. Estando a viver no mesmo espaço da sua família, facilmente a doença encontrava um terreno favorável para a sua propagação.
Na perspetiva de compreender as lacunas no Vale do Ave, na área do município de Vila Nova de Famalicão, com perto de quarenta mil habitantes, na altura havia apenas seis médicos para prestar assistência a toda a população.
A vida da maioria dos operários era miserável e ocorria com elevada facilidade o surgimento de cadáveres em casas de operários. Uma das situações referenciadas viveu-se na cidade de Guimarães com uma das vítimas mortais da doença a ser encontrada com vários filhos em seu torno, inclusivamente com dois filhos de pouco tempo de vida no seu regaço.
O impacto da epidemia nos meios industriais era enorme, provocando por vezes situações surrealistas, como a que o jornal ‘A Semana Tirsense’ anunciou nas suas páginas a 6 de outubro de 1918. O jornal, ao invés de ter as habituais quatro páginas, tinha apenas duas, porque a maioria dos funcionários da sua gráfica estavam doentes e não foi possível manter o nível de trabalho das edições anteriores.
O número de mortos era elevado e na tentativa de diminuir as ondas de pânico entre a população, optou-se por não tocar os sinos no momento das cerimónias fúnebres para que a própria população não se apercebesse do real número de mortos e a real dimensão da tragédia que a rodeava.
Havia situações inusitadas, enormes fogueiras nas cidades com ramos de eucalipto para tentar erradicar a doença. Na realidade, acabariam os casos de doença nas zonas onde se realizava essa prática por diminuir o número de novos casos. Em Famalicão, foi comum ver essa prática a decorrer ao longo de várias semanas.
Na tentativa de bloquear o avanço da doença eram por vezes tomadas medidas drásticas. No concelho de Guimarães foram proibidas, em 1918, as celebrações religiosas para evitar a propagação de doenças.
Na ausência de respostas por parte da ciência no momento crítico de propagação da epidemia, viveram-se momentos de enorme desespero das populações que procuravam uma solução no divina. Muitos habitantes de várias localidades optaram então por realizar procissões em honra do Mártir D. Sebastião pelas ruas da sua localidade para ser possível extinguir a doença.
Imagem de destaque: Pharmácia Valongo (Município de Famalicão, em As Portas da História).
Em 1918, a Pharmácia Valongo, em Vila Nova de Famalicão, foi certamente uma daquelas a que os doentes de gripe da região recorriam. No início da pandemia da gripe pneumónica ou espanhola, como ficou conhecida, recomendava-se aos doentes ficar em casa, em repouso, ter uma dieta saudável e tomar tisanas. Recomendava-se também a ingestão de caldos de galinha, água com açúcar, sumo de limão, de laranja, gargarejos mentolados. Para a terapêutica, as farmácias de então desempenhavam um papel relevante, vendendo soluções de quinino e os salicilatos para reduzir a febre. Na segunda onda pandémica, em outubro, eram recomendadas para os casos mais graves injeções com soluções arsénicais e usadas injeções de cafeína e de adrenalina.
Obs: Este artigo foi previamente publicado em José Pedro Reis – Historiador | A gripe espanhola no Vale do Ave.
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