Cinema | Mandela – Longo Caminho Para a Liberdade e Invictus. Exceder as expectativas
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Nelson Mandela completaria hoje 100 anos se fosse vivo. Para conhecer a sua vida e obra, podemos ler a sobre a mesma, em livros ou, na net, por exemplo, na Wikipedia, em livros, ou ver documentários cinematográficos. Mas podemos também ver filmes dramáticos biográficos.
Existem dois filmes, Mandela – Longo caminho para a liberdade e Invictus, que de forma inequívoca e com algum pragmatismo e clarividência à mistura, narram a vida de Nelson Mandela, ex-líder do African National Congress -ANC e posteriormente Presidente da África do Sul. Sem sombra de dúvidas, é considerado uma das personalidades mais carismáticas e incontornáveis do séc. XX. Desde 1948, lutou abnegadamente contra a política de segregação racial, conhecido por “Apartheid”, instituída pela minoria branca da África do Sul sobre a maioria negra. Após a sua prisão, em 1962, Mandela não deixaria de desenvolver a sua luta. Apesar do sofrimento por que passou, com resiliência e capacidade mental de superação, a sua luta acabou por culminar na sua libertação, em 1990, devido essencialmente à pressão internacional e, sobretudo, ao esvaziamento político do regime. A partir do momento em que é libertado, Mandela foi entronizado como homem providencial. Vencedor invicto, chegou a Presidente do seu país, governando de forma exemplar, rejeitando qualquer traço de tecnocracia e de ressabiamento com a comunidade branca, mostrando ser uma figura hábil e inteligente, promovendo uma política de refundação, com base no apaziguamento e unificação, introduzindo paulatinamente as mudanças necessárias para tornar o país numa sociedade multiétnica e, por consequência, mais atractivo ao investimento estrangeiro.
Mandela – Longo Caminho para a Liberdade (2103), de Justin Chadwick, é um filme de produção Inglesa e Sul Africana, de ficção biográfica, que retrata a vida de Nelson Mandela, desde as suas origens até ao momento em que se torna o primeiro presidente eleito democraticamente na África do Sul. Esta obra reflecte e demonstra ao pormenor a importância da actuação deste homem, numa conjuntura altamente crucial e decisiva em que a sua raça estava a ser destituída dos seus direitos, liberdades e garantias, que teve forçosamente de abdicar da sua vida familiar e felicidade conjugal para defender com carácter e estoicismo o seu povo de um governo tirano, racista e disfuncional.
Nascido numa família de índole tribal, são incutidos a Mandela, em criança e na adolescência, a preparação mental para a sua valorização pessoal, e os valores que lhe permitirão vingar como homem, requisitos determinantes para fazer face aos diversos problemas que lhe irão ser colocados durante a vida. Jovem promissor, conceituado advogado, nomeadamente na defesa de acusações infundadas a pessoas de cor negra, acaba por ser convidado a fazer parte do ANC (Congresso Nacional Africano), num momento em que, em 1948, o Partido Nacional chega ao poder e instaura a segregação racial no país. Mandela e os seus camaradas do ANC assumem uma atitude pro-activa, numa luta permanente contra esta lei profundamente injusta. Promovem e participam em manifestações e actos públicos de insubordinação pacífica, mas sem resultados práticos, a que acaba por se suceder mais violência, designadamente o massacre de Sharpeville, em 1960, perpetrado pela polícia contra manifestantes e que custou a vida de 69 pessoas. Extinto o ANC, pela acrimónia enquistada do poder político, Mandela e os seus correligionários são entretanto condenados a prisão perpétua por supostos actos de terrorismo e traição por um poder judicial maniatado. Acabam enviados para uma prisão de alta segurança da Ilha de Robben, altamente hostil, que tinha como o objectivo enfraquecer os presos gerando uma tibieza redutora que os podia conduzir a uma morte lenta. No entanto, Mandela consegue incentivar os seus colegas, a fazerem pequenas revindicações, de forma a atenuar o sofrimento, as provocações e actos obscenos propositadamente mandatados pelo prepotente director da prisão.
Mandela esteve preso 27 anos. As suas condições de detenção foram melhorando ao longo do tempo gradualmente. Já na fase final do seu encarceramento, Mandela é transferido para outras duas prisões, claramente melhores. Esta transferência acontece em parte devido à campanha internacional contra o Apartheid. Por outro lado, o problema do apartheid agudizou-se com mais saliência a partir dos anos 80, mas também porque não é viável e duradouro manter uma repressão e usurpação dos direitos a 80% da população de modo infinito. Sobretudo nos finais da década de 80, começa a ser evidente que o Governo do Apartheid entra num período de declínio e desmoronamento ideológico e político. Tenta um acordo impensável e irrealista com Mandela, que redundou num absoluto fracasso. Posteriormente, e por força das circunstâncias, o resultado dessas negociações viria a culminar na sua libertação, numa altura em que grassava a violência étnica no país, caminhando a passos largos para uma guerra civil.
Mandela – Longo Caminho Para a Liberdade, de Justin Chadwick – trailer
Invictus (2009), de Clint Eastwood – Filme de produção conjunta Norte-Americana e Sul-Africana, relata a chegada ao poder de Nelson Mandela destacando a sua natureza altruísta e o seu esforço inabalável de impor a paz social a um país dividido por facções étnicas e uma minoria branca. Esta última sofre ainda, com desdenho e profunda angústia, por ter sido despojada de um poder político que lhe convinha e, comutativamente, por ter ficado desprovida da sobranceria e supremacia política sobre a raça negra que vigorava no tempo do Apartheid. Perante este dilema, Mandela e os afiliados do ANC chegaram à conclusão que aplicar uma receita revolucionária seria impraticável e ilacerável, porque a comunidade branca detinha grande parte do poder económico e também podia significar a perda do apoio internacional que granjeara com efectivo sucesso.
O filme inicia-se recordando uma frase de Mandela, na sua tomada de posse, em 1994, que foi absolutamente decisiva para o rumo do país: “Nunca, nunca e nunca mais, este belo país experimentará novamente a opressão de um pelo outro, nem sofrerá a indignidade de ser a escumalha do mundo.” Esta frase, com sentido contundente e clarificador, renega liminarmente o regresso ao passado e a uma semântica de profanação dos direitos humanos. Contudo, o enredo desta obra está claramente relacionada com o apoio pessoal de Nelson Mandela à selecção Sul-Africana de Rugby, os denominados “Springboks”, designadamente na organização do campeonato do mundo, em 1995, apesar de os apoiantes e camaradas de Mandela, tentarem destituir o emblema dos “Springboks” por esta organização, na sua génese e nos seus estatutos, estar eternamente ligada à comunidade branca, como um desporto de elites. Porém, Mandela interveio indicando a acepção favorável à manutenção da estrutura da equipe de rugby por estar perfeitamente convicto que este desporto e o evento do mundial de rugby poderiam ter um efeito catalisador e unificador do país. Sendo coerente com esta opção, Nelson Mandela promove uma audiência com o capitão da equipe dos “Springboks”, François Pienaar, momento que é dos mais altos do filme. Nesse encontro, Mandela incentiva Pienaar a motivar a sua equipe, indicando-lhe a trajectória para a glória final, uma vez que com perseverança, unidade, persistência, coragem e resiliência, seria perfeitamente atingível a meta de vencer o mundial que, na concepção do presidente, é absolutamente crucial para a concórdia definitiva de um povo desavindo. Depois do proeminente diálogo com o Chefe de Estado, François Pienaar, perfeitamente sintonizado com as palavras do Chefe de Estado, ganha um novo alento e consegue incutir nos colegas da equipe um espírito vencedor que irá conduzir a selecção Sul-Africana à vitória final, para gáudio de toda a África do Sul. Excelente filme, que contou com a realização sublime de Clint Eastwood, e grandes interpretações de Morgan Freeman e Matt Damon.
Invictus, de Clint Eastwood – trailer
Em jeito de síntese final, destes dois filmes biográficos de Nelson Mandela podemos retirar a conclusão de que, sobretudo, é nos momentos mais difíceis, em que tudo parece estar irremediavelmente perdido, que devemos tentar exceder as nossas expectativas, porque, desse modo, podemos a voltar a ter a oportunidade de sermos felizes.
Imagem de destaque: Nélson Mandela (South Africa The Good News; fotografia).
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