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Ecos do Passado | Aspirar a um conhecimento local e contemporâneo

 

O 25 de Abril rompeu com uma conjuntura histórica. Deu a Portugal um novo ser, uma nova forma de organizar a sua vida colectiva. Por outras palavras, iniciou uma nova conjuntura de liberdades, direitos e garantias que até aí estavam deturpados. Todavia, não é intuito abordar o 25 de Abril, mas desenvolver uma ideia, embora ténue, daquilo que se pode entender como o pós-25 de Abril.

Situar-nos no «tempo» em que vivemos é desenvolver uma percepção de todos os factores que lhes estão relacionados. E o novo «tempo» a que actualmente se pertence é o que medeia entre 1974 e a actualidade. É a imbricação de factos e acontecimentos de rupturas, continuidades e charneiras que a sociedade portuguesa teve até aqui. Nestes anos todos já várias gerações se encontraram e desencontraram. No entanto, pode-se perguntar que experiências e vivências ficaram. Qual é o reconhecimento por parte das gerações mais novas à herança que receberam do lugar onde vivem? A consciência de nos colocarmos no «nosso tempo» é um processo difícil e muitas vezes imperceptível.

Se atendermos ao espaço envolvente, isto é, ao concelho de Vila Nova de Famalicão, pouco se percebe o que o caracterizou e caracteriza desde o 25 de Abril até ao dia mais actual. Isso também precisa de sair mais para a rua. Um exemplo de que as coisas mudaram é o resultado do Relatório Socioeconómico apresentado à Câmara Municipal em 2011, em que é possível verificar, de entre muitas, que o concelho de Vila Nova de Famalicão perdeu a dicotomia cidade-campo e tornou-se em urbano e suburbano. Isto tem um significado muito grande de como as coisas evoluíram. O concelho, tal como o país, ficou mais pequeno. A população deixou de ter a necessidade de criar os seus próprios meios de subsistência, pois ficou mais fácil deslocar-se para os adquirir – embora ainda existam resistências por parte de muitos indivíduos. Assim como a população abandonou velhas formas de produção económica, tal facto conduziu-a, forçosamente, a adaptar-se a novos hábitos no seu quotidiano.

É neste sentido que devemos situar-nos no tempo e no espaço. Ter a consciência, depois do 25 de Abril, de que receber um país atrasado e essencialmente rural como era Portugal (embora nos anos 60 e 70 tivesse conhecido uma evolução sócio-económica bastante significativa) e inseri-lo num regime democrático, aberto ao mundo, exige por parte das instituições, indivíduos e forças colectivas um grande trabalho. Por isso que os novos percursos da História local devam ser estudados como um todo, nos seus planos: político, económico, social, histórico, antropológico e geográfico. De maneira a alargar horizontes, criar simbioses e, sobretudo, inserir-nos na consciência do «tempo» que tem sido esquecido.

Vila Nova de Famalicão não é um exemplo particular. É um óptimo tubo de ensaio, tal como muitos outros. Receber a Democracia foi certamente um processo interessantíssimo. O que exige a formulação de questões. Já se pensou o que foi para muitos indivíduos exporem-se política e socialmente em várias freguesias? Em termos colectivos, como foi receber e explicar a Democracia a quem estava habituado à ditadura? Que rompimentos se efectuaram? E como se procedeu?

Ora, sabe-se que no mundo rural português havia certas lógicas de convivência social, lógicas essas que permitiam manter as relações de poder por parte de uns sobre os outros. Por isso assiste-se a uma decadência deste modelo quotidiano. Criaram-se sentidos de oportunidades para a população que antes não eram possíveis, como sejam os de adquirir bens materiais, avançar na educação individual, entre muitos outros. Foi, portanto, um início da mudança da condição social para atingir o progresso social.

A história local está sempre em voga. Este conhecimento traz laços fortes com a identidade e, sobretudo, com um certo activismo político, na medida em que há uma abordagem aprofundada do espaço colectivo. Conhecer a história local ou, mais propriamente, a história local «esquecida» como é a do pós-25 de Abril com a actualidade, é abrir o diálogo e debate públicos.

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