A igualdade de género é cada vez mais uma questão debatida e presente nas sociedades atuais: salário igual para homem e mulher com as mesmas funções e responsabilidades, nomeadamente em empresas de calçado ou têxtil; maior participação das mulheres na vida política; forçar as empresas, por via legislativa, a contratar mulheres para profissões tradicionalmente masculinas; constituição de equipas femininas no futebol, com respetiva participação em campeonatos nacionais e internacionais; maior nível de qualificação superior por parte das mulheres (60,9%, valores de 2015); licença de parentalidade a aparecer como dado estatístico; e permissão das mulheres em conduzir, assistir a espetáculos desportivos e a votar em eleições políticas na Arábia Saudita. Em Portugal não é assim.
Colocada deste modo a igualdade de género, parece não haver problemas nem obstáculos ao reconhecimento generalizado dos direitos das mulheres como direitos humanos. Contudo, um olhar mais atento e escrutinador, esbate estatisticamente tal ideia da evolução da paridade: em cada 100 pessoas sem nenhuma escolaridade, 71 são mulheres e 29 são homens; a taxa de emprego é superior nos homens 6,8 pontos percentuais; as remunerações médias de base são superiores nos homens; no trabalho pago e não pago (tarefas domésticas), as mulheres continuam a trabalhar mais 1 hora e 13 minutos de que os homens; o gozo da licença de maternidade é claramente superior ao da paternidade; a presença de mulheres nos conselhos de administração das empresas do PSI 20, em Portugal, é ainda de 14% e a dos homens é de 86%; e as principais vítimas da violência doméstica são claramente as mulheres (80%). Estes são os factos, suportados por argumentos e rebatidos por objeções, se a tanto alguém se der ao trabalho e se posicionar em pontos de vistas diferentes e inconciliáveis. É que a estatística, sendo necessária, não é suficiente para se compreender, avaliar e mudar práticas e atitudes que são, se calhar, exclusiva e profundamente culturais. Por exemplo, numa atividade diagnóstico relativa às questões de género, igualdade e cidadania, aplicada experimentalmente a um grupo de jovens, a concordância e unanimidade prevaleceu quando os itens a interrogar e/ou a provocar se confinaram ao par de oposto concordo/discordo.
Mas quando se procedeu à análise e debate das diferentes perspetivas dos jovens, acerca das questões apresentadas, a unanimidade foi sofrendo algumas fissuras, ou quando muito, algumas exceções, no implícito reconhecimento de que as mudanças culturais são sempre mais lentas do que o desejável. Primeiro item: o salário dos homens, com as mesmas qualificações e funções, deve ser superior aos das mulheres; na generalidade não, mas no desporto, nomeadamente no futebol, sendo os homens mais talentosos e ágeis, a diferença salarial compreende-se, até porque, desportos exclusivamente masculinos, atraem mais público, mais investimento e mais valias. Segundo item: há profissões apenas de homens? a compleição física determina que os homens sejam naturalmente selecionados para a construção civil (trolhas) e a empatia e sensibilidade maternal da mulher seja naturalmente a indicada para a função de babysitter; e o melhor é nem falar dos cabeleireiros, disse alguém em surdina. Terceiro Item: cuidar do carro é tarefa do homem e cozinhar e arrumar a casa é tarefa das mulheres; sou eu que lavo, conduzo e levo ao mecânico o carro do meu pai e não me cai nada por o fazer, dispara a jovem segura e altiva no seu dizer; e já agora acrescento, disse a mesma, homem que comigo case tem que saber cozinhar e agarrar no aspirador, senão que vá procurar outra criada; objeção masculina: os homens gostam mais de carros, falam da técnica, da performance, das características, da fiabilidade, dos motores, de tudo com que o carro se relaciona e são capazes de o fazer durante horas; as mulheres, do carro, gostam da cor, das linhas e do estatuto social e pouco mais; quanto à casa, sendo as tarefas repartidas, as mulheres têm sempre outra sensibilidade para a estética e disposição das coisas da casa. Generalizou-se discussão, não fosse este o item selecionado para a atividade de intervenção, a aplicar posteriormente. E isto com o enquadramento teórico de que os estereótipos são ideias fixas que tendem a distorcer a realidade e, por consequência, o preconceito é um juízo de valor depreciativo que magoa e, por vezes, mata. Não foi, para o caso, necessário referir a mutilação genital feminina, o trafico humano e a violência doméstica. Aberrações e atrocidades denunciam-se e atacam-se, não se discutem. Agora, nas questões de género, igualdade e cidadania, as mudanças só se operam com muita discussão, educação, legislação e formação. Não há volta a dar-lhe. É indispensável a introdução destas questão nos programas escolares.
Se o sexo pertence ao domínio da biologia, o género inscreve-se no domínio da cultura e remete para a construção de significados sociais. Não se trata de transformar o homem numa mulher e a mulher num homem. Nem de anular a ideia que, na generalidade e, eventualmente, também por razões bio- neurológicas, as mulheres são sentimentais, frágeis, dóceis, sensíveis, faladoras e falsamente dependentes; e os homens são fortes, valentes, rudes, audazes, independentes e aparentemente dominantes. Se calhar, também nada disto é certo e seguro. Trata-se, contudo, de reconhecer igualdade de acesso a direitos e funções socias desejáveis, a todas as pessoas, independentemente do género, da etnia, da religião ou da cor política. Aguardo com expectativa, a resposta da jovem que garbosamente diz que não sabe cozinhar, nem fazer uma cama, quanto mais cozer um botão. Deve estar para muito breve.
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Imagem de destaque: Género e (des)igualdade (Maria Pimentel, ilustração).
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