Nascido em 1975, em Vila Nova de Famalicão, António Gonçalves é diretor artístico da Fundação Cupertino de Miranda e curador da Galeria Municipal Ala da Frente. As suas primeiras experiências artísticas aconteceram na Escola Secundária Camilo Castelo Branco, tendo entretanto seguido estudos superiores de Pintura.
Desconhecido de muitos famalicenses, o artista plástico apresentou, em meados de 2017, uma exposição no Centro Cultural de Belém intitulada “Contemplação Particular.”, inspirada nas “Tentações de Santo Antão”, de Flaubert, que acabaria por resultar num projeto multidisciplinar e se transformar em livro.
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Pedro Costa: Quem é o António Gonçalves, artista plástico? Como se iniciou nestas artes e qual tem sido o seu percurso?
António Gonçalves: António Gonçalves, o artista plástico, vê-se como Pintor, no que isso representa enquanto exercício prático e pensamento da pintura, um curioso e interessado na investigação e na prática do processo criativo por intermédio da linguagem plástica.
A minha relação com esta área começa bem cedo, com o uso de materiais simples como o lápis e a caneta que me permitiram tirar um enorme prazer do fazer do desenho. A escola foi uma forma de ir explorando mais estas curiosidades e necessidades de domínio dos materiais. Fui aluno da Área das Artes na Secundária Camilo Castelo Branco em Famalicão, frequentando ali o 10º ano. No 11º ano segui para a Escola Soares dos Reis, no Porto, para completar o ensino secundário nesta Área. Seguiu-se o Ensino Superior na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, com a licenciatura em Pintura.
Em paralelo a esta formação fui avançando com uma constante pesquisa e trabalho de criação artística. Participei em exposições colectivas e exposições individuais. Fui prémio revelação Júlio Resende, em 1997, 1º Prémio Pintura Arte Jovem Famalicense, em 1999, e Prémio Benjamim Salgado, V.N. Famalicão, em 2000, e Prémio aquisição da Caja Extremadura no XXVI Salón de Otoño de Pintura de Plascencia em Espanha, em 2004.
Também fiz parte da Associação Traço, uma associação de artistas de V. N. Famalicão que promovia actividades diretamente relacionadas com as artes plásticas e que representou uma boa experiência de aprendizagem na organização de exposições e de relação com o público.
Tenho vindo a realizar exposições individuais e coletivas que têm sido uma forma organizar o meu pensamento e a minha prática da Pintura, um desafio constante que me faz avançar com propostas para ir resolvendo.
Pedro Costa: O que está por detrás do projeto Contemplação Particular? Quais foram as ideias que o conduziram a esta série de trabalhos? Como se concretizaram elas?
António Gonçalves: Contemplação Particular foi o título atribuído ao políptico apresentado em 2017 no Centro Cultural de Belém. Contemplação Particular acabou por ser também o título deste projeto, uma pintura de grande formato que resulta do meu estudo e prática da pintura. Trabalho desenvolvido com base nas leituras das “Tentações de Santo Antão” de Gustave Flaubert, as “Lágrimas de Eros” e “O Erotismo” de George Bataille, a “Teoria do corpo amoroso” de Michel Onfray e “A Vida Sexual de Chaterine Millet”, da própria, entre outros, que formaram a base de estudo do erótico, do religioso, do pensamento estético e filosófico onde o corpo e a sua sexualidade têm uma forte presença.
Ao longo de quatro anos, pensei e trabalhei a ideia de uma exposição com o objetivo de mostrar pinturas de grande formato, apresentando-se o políptico como solução de maior relevância. O decorrer do trabalho revelou novas relações da pintura. A sua escala, a sua estrutura, a sua concepção, impunham uma condição de apresentação e até mesmo de autonomia que não se deveria remeter apenas ao espaço da sala de exposições. O políptico reclamava a necessidade de um espaço próprio que lhe fosse dedicado e, especificamente, para ele construído. Nesse sentido, ocorreu-me a possibilidade de desafiar um arquiteto para projetar o edifício que albergasse a pintura, um espaço consagrado à contemplação, permitindo uma experiência de observação e fruição, onde o público entrasse sem qualquer inibição para vivenciar uma experiência contemplativa e de introspeção. Este espaço apresenta-se como possibilidade para vivenciar a relação com a obra de arte. O convite, dirigido à arquiteta Maria Eduarda Souto de Moura, para que, em paralelo com o avanço da pintura, projetasse o edifício, foi uma experiência muito singular, em que o trabalho se fez numa articulação da arquitetura com a pintura. No decurso das minhas pesquisas, venho a atribuir ao edifício o nome de Delubro (templo pagão), no intuito de revisitar a história dos espaços de culto e contemplação.
O projeto aportou um novo desafio, a música, um complemento à pintura que permitiu a ampliação da sua fruição. O convite foi endereçado ao compositor António Celso Ribeiro. Pretendia-se que compusesse três momentos musicais que fossem interpretadas no espaço da exposição, possibilitando uma experiência singular na visualização das diferentes posições em que se toma o políptico.
Procuro ir ao encontro de alguns pressupostos que a pintura adquire, a sua escala, o que me fez revisitar a história e nela encontrar as relações da pintura com a arquitectura, pensar os espaços de contemplação, espaços de culto, no sentido da relação do público com as divindades e também a relação com o seu íntimo.
Este espaço retira-nos da sala de exposições convencional e remete-nos para um lugar particular onde a contemplação se impõe, permitindo a reflexão e a experienciação sensorial.
A edificação na Praça do Centro Cultural de Belém foi a concretização do projeto e a possibilidade de ter a sua experiência física. Ali se realizaram os concertos. A obra podia ainda ser vista em três posições distintas ao longo do dia.
Pedro Costa: As cores vermelhas estão presentes em toda a obra. O sanguíneo tem a ver com o corpo? A sua obra tem-se vindo a desenvolver também assim, por temas, cores, fases?
António Gonçalves: O uso da paleta de cores vermelhas é a base que me ajuda a responder aos propósitos do meu trabalho, em que corpo, erotismo, sexualidade, religiosidade, sagrado se apresentam na minha pintura. Não num sentido representativo, mas numa expressão plástica que possa provocar a atenção e fruição por parte do observador. Os vermelhos são cores que detêm esta capacidade de estímulo e força que aludem à massa corpórea, ao pulsar sanguíneo. A cor tem uma forte presença em todo o meu trabalho e ao longo do meu percurso muita tem sido a atenção que tenho dado ao estudo da cor. A nossa relação com a pintura é também uma relação com a cor e com a luz. A leitura é uma base de acompanhamento do meu trabalho que muito contribui para a ampliação da minha criação e da minha possibilidade de ampliar o meu espaço mental e emocional.
Pedro Costa: O que surgiu primeiro na sua mente: a exposição ou o livro? Como aconteceram ambas as coisas?
António Gonçalves: A exposição foi a base inicial de todo o trabalho. Aos poucos as coisas foram-se alinhando e alterando. O tempo é sempre uma forte base de reflexão na realização do meu trabalho e acaba por ser uma excelente ajuda de amadurecimento. Este projeto foi extenso e complexo, levando-me a complexa organização e a ir alinhando detalhes e burilando pensamentos, tendo por ponto de fecho a edição do livro. A edição foi algo que pensei desde o primeiro momento como parte do projeto e que se veio a concretizar, estando agora disponível ao público.
Pedro Costa: A exposição de Lisboa poderá vir a repetir-se noutros locais, nomeadamente em Famalicão, ou começou e terminou ali em Belém?
António Gonçalves: A exposição teve a sua primeira e única apresentação em Lisboa, no Centro Cultural de Belém, pois foi o local que a acolheu e tornou possível.
Tenho toda a vontade que ela possa voltar a ser apresentada. Isto implica, contudo, voltar a erguer o edifício e ali expor a pintura e realizar os concertos. Preciso de voltar a encontrar as condições para que o projeto se volte a apresentar. Estou a trabalhar nesse sentido e espero que se venha a concretizar. A experiência vale o esforço.
Pedro Costa: Como foi e está a ser a recetividade da exposição e do livro?
António Gonçalves: O livro está a ser muito bem recebido e foi um livro que me deu muito gozo a preparar. É uma forma de mergulhar em todo este projeto. O livro é acompanhado por um DVD onde é possível assistir ao concerto de piano que se realizou no interior do espaço. Espero que tirem muito gozo deste livro e deste projeto.
Pedro Costa: Por último, António Gonçalves, onde podemos encontrar o livro à venda?
António Gonçalves: O livro encontra-se disponível em livrarias, como a Bertrand, Sistema Solar, Flâneur e também o posso fazer chegar a interessados.

Imagens: arquivo de António Gonçalves.
Excelente entrevista. Felicito o entrevistador, e director da Vila Nova, Pedro Costa, pois António Gon çalves é um enorme artista emerge cuja obra pictórica merece e, diria até, «exige» a maior divulgação.