120 Batimentos por Minuto, de Robin Campillo, foi exibido no Cineclube de Joane em 11 de janeiro. João Paulo Guimarães deixa-nos aqui a sua reflexão sobre o mesmo.
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120 Batimentos Por Minuto é claramente um filme sobre os dias de hoje, sobre 2017, ano em que muito se discutiu a atomização dos movimentos contra-poder e a sua falta de sintonia em relação aos indivíduos que dizem representar.
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120 Batimentos Por Minuto, filme de Robin Campillo sobre a epidemia de SIDA nos anos 90 em França, quase que pode ser dividido em duas partes. Na primeira, acompanhamos os debates da associação activista Act-Up sobre o melhor modo de protestar a indiferença do governo e da indústria farmacêutica para com a situação dos seropositivos. Predominam aqui a cor, a música, o movimento e o barulho. Dessa forma se demonstra a “atitude positiva e combativa” do grupo, a sua vitalidade, criatividade e diversidade. Apesar de o problema ser grave, sério e triste, a causa comum destes jovens consegue uni-los e mobilizá-los. Os seus protestos facilmente se confundem, no tom, com as festas que frequentam. Como o líder nos lembra logo ao início, a Act-Up é uma associação de activistas, não de doentes. Apesar de um dos seus objectivos ser precisamente contrariar a atitude cegamente optimista (chamam-lhes “zombies”) das associações LGBT de então (com as suas acções e slogans, a Act-Up tenta assustá-los e acordá-los para a dura, mas muitas vezes invisível, realidade dos companheiros mais debilitados), a dinâmica do grupo, assim como a necessidade de o manter mobilizado e de chamar à atenção do grande público acabam por contradizer as suas intenções. As discussões sobre slogans, cânticos e estratégias de intervenção são, por isso, muitas vezes caricatas na forma em como partilham, ainda que involuntariamente, da mais alargada cultura visual do choque e da provocação tão característica da sociedade que rejeitam e que os rejeita. Numa destas cenas, por exemplo, o grupo posiciona-se contra a ideia de fazerem teatro de rua por a iniciativa ser demasiado deprimente – “poderiam pensar que somos vadios, ou mimos”.
Ora, como os cartazes do grupo nos dizem, “Agir = Viver” e “Silêncio = Morrer”. É, no entanto, para esse plano do silêncio (ou, pelo menos, dos murmúrios, dos gemidos, da intimidade, da individualidade e da vida interior) que o filme se volta na segunda metade, acompanhando o declínio vertiginoso da saúde de Sean, que abandona o grupo, acusando o líder, Thibalt, de ser um impostor. Bem-intencionado, Thibalt visita Sean no hospital e tenta animá-lo com notícias sobre as conquistas e as novas iniciativas da Act-Up, passando-lhe claramente ao lado o facto de que Sean já não se revê no grupo e que este, como uma imparável máquina de propaganda e celebração, mantém o seu ímpeto apesar do que vai acontecendo aos seus membros. Nesta parte do filme, predominam o medo e o desespero de Sean (ainda que contrariados pela ternura e a devoção do namorado), emoções que não têm lugar no discurso da Act-Up. Quando, já depois da morte de Sean, os membros do grupo debatem o obituário do companheiro, é a mãe do falecido que introduz alguma subtileza na conversa, lembrando que o filho, para além de ter sido um agente político combativo, era também “corajoso”, evocando dessa forma a sua agonia e fragilidade.
Campillo fecha o filme com um protesto que organicamente se transforma numa dança doentia, apta representação do transe (e do escapismo?) em que a acção política auto-justificada às vezes acaba por cair. O alvo aqui é a política que transcende o indivíduo e adquire vida própria, o combate que se autonomiza e acaba por encobrir a sua própria causa. Apesar da sua vivacidade, os activistas aparecem, no final, retratados como mortos-vivos, tão enfeitiçados pelos seus princípios como aqueles que tentam combater. Apesar de ter lugar nos anos noventa, 120 Batimentos Por Minuto é claramente um filme sobre os dias de hoje, sobre 2017, ano em que muito se discutiu a atomização dos movimentos contra-poder e a sua falta de sintonia em relação aos indivíduos que dizem representar.
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120 Battements par Minuit, de Robin Campillo – Trailer
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