Sessenta anos depois, A Promessa, de Bernardo Santareno, está em exibição no Teatro Nacional de S. João até ao próximo dia 3 de dezembro. Peça proibida pela censura, a pedido da Igreja Católica, que não gostou do viu, conseguiu ao tempo ser um enorme sucesso de público enquanto esteve em exibição.
A estreia aconteceu já no passado dia 16, mas tem ainda tempo até ao próximo dia 3 para a ver, numa releitura do encenador João Cardoso.
Em 1957, o Teatro Experimental do Porto dava os seus primeiros passos enquanto companhia profissional pelas mãos de António Pedro. Nessa altura, escolheu um texto de um dramaturgo igualmente a estrear-se no panorama artístico, Bernardo Santareno, pseudónimo do psiquiatra António Martinho Rosário, entretanto falecido, em 1980, com apenas 60 anos de idade. A Promessa revelou Bernardo Santareno, provavelmente o nome maior entre os dramaturgos portugueses do Século XX mas hoje em dia raramente lido e representado. Sessenta anos depois, “A Promessa” regressa aos palcos do Porto.
“Maldita promessa, maldito casamento, maldita família!” A sinopse apresenta uma mão cheia de personagens carregados de simbolismo: Maria do Mar, António Labareda, Salvador e Jesus, este último cego e vidente. Todos eles são personagens assombradas com a pureza e deslumbradas pelo mal “que se enredam em presságios funestos, dando espessura a um clima de peste emocional que alastra e aflige”.
Rita Bertrand, na revista Sábado, referiu aquando da recente estreia, que esta peça, “em pleno salazarismo, provocou celeuma, com muitos a condenarem o seu ambiente de “religiosidade erótica” na peça.
Por seu lado, Abel Coentrão, num excelente texto escrito para o jornal Público, afirma que A Promessa é um texto “sobre o desejo e subversão. Ou não fosse subversivo desejar mais do que a vidinha pacata e a paz, naquele final de (19)57. (…) Podíamos, assim, ler ali um país, abdicando das liberdades em troca da paz – garantida, lá está, por um pai salvador – e repartido entre aqueles que aceitam e acentuam essa condição de subserviência (José) e os outros que não escondem, como não esconde Maria, a frustração de uma incompletude, a revolta perante a claustrofobia política e social. Elemento bem presente no original de Santareno, que situa a acção numa aldeia de pescadores, onde uma mulher, qualquer mulher de pescador, vivia constrita entre a pressão da comunidade e o mar, força motriz, e ao mesmo tempo destruidora.”
O mesmo autor, descrevendo o enredo, acrescenta ainda: “Perante o absurdo da sua promessa – que a impede de consumar o casamento, de se exprimir sexualmente e, também, como mãe, Maria do Mar deixa-se seduzir pelo jovem de olhos profundos. Nunca perceberemos bem se chega a cometer adultério, mas toda a tensão avivada pelo seu conflito interior coloca-nos perante a condição feminina numa sociedade tradicional. Ontem decerto, hoje talvez. Na rebeldia – contra Deus, contra o marido, contra o sogro que se salvou, é certo, mas foi devolvido de pernas partidas, e inútil, tornando-se mais um fardo para a mulher da casa -, Maria do Mar assume todas as dores das mulheres do seu tempo. Vogando entre a necessidade de reprimir a pulsão sexual castrada pela promessa e o desejo que lhe entrou porta dentro, e que ela tem dificuldade em varrer dali para fora.”
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Imagem: TNSJ (Cena de A Promessa, encenada por João Cardoso)
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