grande guerra - i guerra mundial - dr - artigo de amadeu gonçalves

Combatentes famalicenses na I Grande Guerra (1914 – 1918)

Em 11 de novembro assinalam-se 99 anos sobre o final da Grande Guerra. Neste artigo, dão-se a conhecer alguns dos resultados de uma investigação sobre os famalicenses que nela participaram.


… somos o Édipo da História, ou, por outra, a História é que é realmente a Esfinge. Não é a solução, a resposta, é a questão em si mesma, e nós estamos sempre a ser questionados sem cessar por aquilo que somos, por aquilo que fazemos. A História não é outra coisa que não seja o que fazem os homens. Não há História fora do nosso próprio fazer. A história é a ficção das ficções.

                                                                                                                                                                                                             Eduardo Lourenço

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Pormenor do Monumento “Aos Mortos da Grande Guerra”. Imagem: Amadeu Gonçalves (fotografia).

Com início num levantamento existente na Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco / Fundo Local (um trabalho ainda inédito de Vasco de Carvalho e existente no seu espólio) referindo cerca de quatro dezenas de combatentes famalicenses que participaram na I Grande Guerra e continuando depois pelo Arquivo Geral do Exército e a imprensa, principalmente a local, cifra-se, para já, numa inventariação de praticamente três centenas os combatentes famalicenses que nela se envolveram, e que poderão vir a aumentar, num projecto editorial que me tem acalentado, nestes últimos anos, o “Dicionário dos Combatentes Famalicenses na I Grande Guerra (1914-1918).

Se no início do conflito as primeiras notícias do “Estrela do Minho”, jornal de V. N. de Famalicão, cifram a participação dos famalicenses à volta de oito centenas, o que me parece à partida bastante exagerado, próximo da inauguração do Monumento aos Mortos da Grande Guerra (1924) o mesmo jornal já evoca quatro centenas como tendo participado num conflito que mudaria a velha Europa. As referências aqui elucidadas são retiradas do “Estrela do Minho”:

Em 9 de Agosto de 1914, o jornal famalicense, no editorial “Portugal e a Guerra”, questiona qual seria então a posição portuguesa face ao conflito, se era neutro ou não. Contudo, segundo alguns historiadores nossos contemporâneos, apontando essa mesma neutralidade portuguesa, o caminho será outro.

Senão veja-se: Portugal neutral? Enquanto em Setembro e Novembro já temos, respectivamente, a primeira e a segunda expedição africanas, em Outubro uma divisão portuguesa “parte para o teatro da guerra”, segundo leram os famalicenses em 18 do mesmo mês. A notícia continua nos seguintes termos: “Soldados nossos vão combater ao lado dos ingleses, nação nossa aliada, cumprindo assim, honradamente, o nosso tratado de aliança…”

Por seu turno, a primeira expedição militar para Angola e Moçambique, segundo notícia de 13 de Setembro, é comandada por Alves Roçadas e Massano de Amorim. Já a segunda expedição, em notícia de 8 de Novembro, desta vez para o teatro de operações angolanas, será constituída essencialmente por marinheiros da Armada.

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Praça 9 de Abril, princípios dos anos trinta. Imagem: autor desconhecido (fotografia); arquivo do autor.

Se em 1914, numa primeira mobilização, os famalicenses já embarcam para França e, mais particularmente, para África, o ano de 1917 será marcado, indiscutivelmente, pelo ano da mobilização geral e da propaganda patriótica à volta do Corpo Expedicionário Português na Frente Ocidental, (organizado no ano anterior), assim como pela actividade da sociedade civil, local, nacional e internacional (vêm do Brasil acções de benemerência, ficando V. N. de Famalicão com a sua marca, caso do nascimento da Comissão Promotora da Venda da Flor, a exemplo de Lisboa e do Porto, assim como pela subscrição do jornal “Estrela do Minho” de cobertores para os soldados portugueses).

Por essa época ocorrem também a constituição da Delegação da Cruz Vermelha em Famalicão, as manifestações cada vez mais acentuadas à volta da crise das subsistências (com revoltas populares em Lisboa e no Porto, o mesmo acontecendo por terras famalicenses, quer na Vila quer no Concelho), a viagem presidencial (Bernardino Machado realizou nessa altura a primeira visita de Estado de um Presidente da República português ao estrangeiro, no caso em apreço a França), a reconstrução da Casa de Camilo, dá-se o aparecimento do sidonismo, com o exílio de Bernardino Machado; serão estes acontecimentos, entre outros, que marcarão as notícias do ano na imprensa famalicense..

A Guerra e a Propaganda

«A Pátria honrai, que a Pátria vos contempla!»

Se, no início do ano de 1917, os famalicenses terão conhecimento de que a costa portuguesa foi invadida por navios alemães, apesar da constante vigilância da marinha de guerra portuguesa, a propaganda sobre o exército português terá o seu impacto logo em 6 de Janeiro, nesta nota encomiástica e de júbilo:

“… estão sendo apreciados com muita simpatia e admiração, pelo seu aspecto marcial, os oficiais e sargentos que já estão em França, preparando a chegada das divisões que breve para ali vão partir para combater o inimigo comum.

Portugal, com a sua participação na guerra, criou uma aura de admiração e carinho entre as nações aliadas, que na vitória final hão-de ser tomados na devida consideração.”

Para além da referência às conferências patrióticas do jornalista português Xavier de Carvalho, em Lisboa e no Porto, a propósito do que Portugal pode ganhar com a sua participação na contenda, o “Estrela do Minho” publica, conforme então lhe chamou, “o nosso en-tête”, transcrito do jornal “O Mundo”, e que aqui se reproduz, a propósito da partida da primeira grande mobilização:

“… é evidentemente uma saudação de despedida. Reproduzindo aquelas palavras de comovente patriotismo, temos em vista associarmo-nos pelo povo de Famalicão a esta fremente homenagem que a bandeira da Pátria nos merece no momento de partir com as legiões de bravos que vão honrá-la a desfraldar-se no campo de batalha ao lado dos que combatem pelo Direito, pela Justiça e pela Liberdade.”

A crónica de 4 de Fevereiro, com o título “Pela Vitória dos Aliados”, é exemplar no gesto e no apelo para a constituição de uma solidariedade cívica e de propaganda patriótica num apelo de união. Leia-se:

“Agora, que o primeiro contingente de soldados lusitanos partiu para os campos de batalha, é ocasião de todos os corações portugueses pulsarem unissonamente, arredadas quaisquer divergências de opinião, para só fazermos votos pela vitória das nossas armas.

São irmãos nossos que vão arriscar a vida, verter o seu sangue, em defesa da Pátria, que todos devemos amar.

Quem sabe se alguns nossos conterrâneos breve seguirão no mesmo glorioso destino?

Para eles nós temos o dever sagrado de unir os nossos esforços, de congregar a boa vontade de todos para que possamos, tanto quanto possível, atenuar os sofrimentos dos nossos soldados dando-lhes o máximo conforto de agasalhos, tabaco aos mais pobres e ainda mandando-lhes notícias da sua terra, por intermédio da imprensa, para o que, pelo que nos diz respeito, o nosso jornal fica à disposição de quem o quiser fazer mensageiro de notícias para os soldados portugueses em França.

Amealhar o que se gasta superfluamente, para que concorramos para o que fica exposto é um dever patriótico e de humanidade, que todos os corações de portugueses devem executar, no momento soleníssimo que atravessa a nacionalidade portuguesa.”

Para relativo sossego dos espíritos, e mais uma vez o crasso optimismo para a paz, os famalicenses, em 11 de Fevereiro, liam o seguinte:

“O relativo sossego que durante o Inverno tem havido nesta guerra colossal, na qual tantos milhões de homens se digladiam, parece ser o prenúncio de grande actividade desde a Primavera em diante, para o que se preparam de lado a lado os contendores.

São nossos desejos de que os aliados, de que faz parte o nosso país, possam impor, ao choque que se prepara, o número de munições e de homens, que possam levar de vencida o inimigo para além das suas fronteiras e aí imporem-lhe a duradoura paz que acabe com o militarismo brutal alemão e à Europa traga o necessário sossego.”

Ainda neste primeiro trimestre do ano, os famalicenses sabem do avanço francês e inglês na frente ocidental, da chegada do segundo contingente das tropas portuguesas a França, sendo que a “viagem  (foi) livre de perigo e os soldados encontram-se bem dispostos, tanto mais que por todas as terras por onde passam são recebidos com as maiores manifestações de carinho, não só pelo povo francês, como ainda pelos seus camaradas ingleses.”

Veja-se ainda este suposto paraíso inicial do exército português na frente ocidental, na crónica de Xavier de Carvalho, transcrita do “Diário de Notícias”, e publicada com o título “Honrando a Pátria”, em 11 de Março:

“As nossas tropas estão no campo de concentração inglês do Departamento Pas de Calais. E ainda ontem desembarcaram em Brest mais outros transportes de guerra, vindos de Portugal, com material e homens. Antes de dois meses, isto é, antes da grande ofensiva, devemos ter 40 mil homens na linha ocidental – bem preparados, bem equipados e excelentemente dispostos para o ataque.

Sabemos que os oficiais de artilharia portuguesa têm causado a admiração dos seus colegas ingleses e também sabemos que os nossos soldados estão muito satisfeitos, vivendo na melhor camaradagem com as forças aliadas.

Em Brest, as nossas forças militares, ao atravessarem as ruas da grande cidade marítima, foram muito aclamadas pelo povo, com vibrantes gritos de «Viva Portugal».

Não podemos dar outros detalhes porque a censura francesa os proíbe. E não queremos fantasiar…

Não obstante o frio, graças às condições higiénicas do sector inglês, os nossos soldados estão muito bem, não há doenças. A maior parte deles têm engordado e têm belas cores. São admiravelmente alimentados. Centenares e centenares de campónios que raras vezes haviam comido um beef, devoram todos os dias grandes postas de carne, presuntos de York, fiambre magnífico e bebem vinhos de Bordéus do melhor.

A temperatura abrandou. Acabaram os grandes e intensos frios do princípio de Fevereiro. Aproxima-se a época primaveril, no entanto mais tardia nestas regiões do norte.

Muitos dos nossos soldados nas horas vagas do quotidiano exercício, tocam guitarra e dizem-nos do sector 25 que o «Fado da Ganga», da célebre revista «O Novo Mundo», já é assobiado pelos soldados ingleses que estão em contacto com os nossos.

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Praça 9 de Abril. Anos 60. Imagem: Foto Humberto (fotografia); Arquivo Municipal).

Perante a segunda mobilização, os famalicenses tomam conhecimento que muitos rapazes conterrâneos se incorporaram em vários regimentos, partindo em 17 de Abril para a frente ocidental. Famalicão despediu-se. No texto “Os Nossos Soldados”, num apelo para a união e a despedida (tendo sido provavelmente um acontecimento invulgar), dizem-nos o seguinte (o texto foi publicado em 15 de Abril):

“Partem depois de amanhã bastantes rapazes da nossa terra, para incorporar-se nos seus regimentos, a fim de seguirem para França, no cumprimento do seu dever de soldados. Vão unir-se aos seus camaradas que já se estão batendo nos campos de batalha, e, como eles, hão-de saber honrar as tradições heróicas do exército português. Famalicão deve ir à despedida dos seus conterrâneos, encorajá-los na hora em que se despedem dos seus lares, das suas mães, quantos deixando as suas noivas, todos os afectos mais queridos da sua alma. Estua no coração desses rapazes o generoso sangue dos seus avós, a sua lendária bravura, que não conhece o temor em frente do inimigo. Sempre assim fomos.

Mas o leão das batalhas possui ao mesmo tempo, no remanso da paz, um coração cheio de sensibilidade e para que ele não fraqueje na hora da partida, é necessário que, junto ao abraço de despedida, lhes lembremos que desde esta hora eles estão já defendendo a pátria, que neles confia os seus destinos e que, embora longe, eles vão servi-la honrando-a, para amanhã a ela regressarem vitoriosos, aureolados pela satisfação de um grande dever cumprido, pela gratidão imorredoura dos seus concidadãos, que hão-de recebê-los em jubiloso triunfo.”

Por seu turno, em 22 de Abril, o “Estrela do Minho”, e falando mais uma vez nos mobilizados famalicenses, publica a seguinte local:

“A fim de se incorporarem no seu Batalhão de Infantaria n.º 8, que ontem seguiu para Lisboa, foram do nosso concelho muitos soldados para França, sendo alguns da Vila. Todos eles se apresentam satisfeitos e embora o momento de separação de suas famílias lhe seja doloroso, os nossos rapazes hão-de distinguir-se nos campos de batalha, na defesa da Pátria que a todos nos viu nascer e à qual – temos essa fé – a maior parte breve há-de voltar, pois o inimigo já se retira e não tardará a pedir a paz.”

Ilusões! Ilusões que seriam desfeitas no início de Maio, funcionando a propaganda e a censura, no texto “A Primeira Refrega”, concluindo que a desinformação e a contra-informação seria uma realidade a nível nacional, comunicando que

“…no primeiro combate entre os nossos soldados e os alemães, no qual entrou um pequeno número de portugueses, houve um soldado morto e quatro feridos, segundo a lista ultimamente publicada pelo ministério da guerra.

Achamos indispensável que essas listas sejam publicadas sempre, logo após os combates em que entrem soldados nossos, pois desse modo se evitam fantasias de boateiros, que chegaram a dizer terem morrido 900 dos nossos, quando poucos mais foram do que entraram na linha de fogo!”

Tudo muito soft! Mesmo com a hecatombe heróica de La Lys (9 de abril de 1918)! O seu centenário encontra-se à porta.

Com mais pormenor, remeto o leitor interessado para o meu trabalho publicado no “Boletim Cultural” da Câmara Municipal com o título “A I Grande Guerra e as suas repercussões em Vila Nova de Famalicão. O Monumento aos Mortos da Grande Guerra”, (4.ª série, n.º 1, 2014/2015, pp. 138-227), em que se pretende evocar, através da imprensa de V. N. de Famalicão, entre 1914 a 1918, particularmente com os títulos o “Estrela do Minho” e o “Gazeta de Famalicão” como seria a sociedade famalicense e de como a mesma se movimentou perante a I Grande Guerra. Para além das questões sociais e políticas e da sua movimentação em V. N. de Famalicão (por exemplo a crise das subsistências ou o sidonismo), ler-se-á nesta investigação como é que a sociedade famalicense se  organizou em torno das associações cívicas e sociais, passando pela visão da guerra, pelas actividades culturais e lúdicas, etc. Fica aqui um esquema desse mesmo trabalho:

1914

Cultura. Bernardino Machado, Presidente do Ministério, A Questão de Riba d`Ave. O Inquérito do Governo de Bernardino Machado sobre a Lei da Separação da Igreja e do Estado. A Guerra.

1915

Pimentismo. Reorganização Mnárquica. Eleições. A Crise das Subsistências. Incêndio na Casa de Camilo. A Eleição Presidencial. A Guerra. África. Cultura. Exercícios Militares.

1916

Junta Patriótica do Norte. Cruzada das Mulheres Portuguesas. Cruz Vermelha Portuguesa. A Guerra. Bernardino Machado em Vila Nova de Famalicão. A Crise das Subsistências. Futebol. Cultura.

1917

Cultura e Sociedade. A Guerra. A Guerra e a Propaganda. África. Cruz Vermelha Portuguesa. Comissão Promotora Venda da Flor. Crise das Subsistências. Política. A Vitória Monárquica nas Eleições Municipais. Viagem Presidencial e Exílio.

1918

Bernardino Machado e I Exílio. O Sidonismo em Vila Nova de Famalicão. A Crise das Subsistências. “A Sopa dos Pobres”. Doenças: Tifo Exantemático, Hidrofobia, Pneumónica, Varíola. A Guerra. Cultura e Sociedade.

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“O Monumento aos Mortos da Grande Guerra”. António Joaquim Pinto da Silva, Imagens de Famalicão Antigo, 1990; Imagem: autor desconhecido (fotografia). Monumento aos Mortos da Grande Guerra, aspecto da sua inauguração em 9 de Abril de 1924. Conhecido por Largo do Terreiro, Terreiro ou Terreiro Público, Praça da Mota (Séc. XVI) [Carvalho da Mota] e 1855, Praça Conde S. Cosme do Vale (1903, será na ditadura militar, mais concretamente em 1927, se passaria a chamar tal como hoje conhecemos: Praça 9 de Abril (Roteiro Toponímico da Cidade de V. N. de Famalicão, 1994).
Imagem de destaque: Cristo das trincheiras. Este Cristo, resto de uma igreja local de Armentières, situada no Sector Portuguez, zona onde o Corpo Expedicionário Português em que se integravam algumas centenas de famalicenses lutou, está hoje exposto em Fátima. (Imagem encontrada em War Days).

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