A Guerra Colonial Portuguesa iniciou-se em 1961 com a guerra na India, na defesa dos territórios que Portugal lá possuía, e ainda nas colónias portuguesas de África, em Angola, Guiné e Moçambique.
Atualmente, há um grande interesse em estudar esta época da nossa história contemporânea. Ninguém pode ficar indiferente ao contexto de exigência, sacrifício e imolação que a geração de jovens portugueses viveram entre 1961 e 1974. Também não podemos esquecer todo o contexto social e familiar vivido na época, bem como outros aspetos que mais tarde serão abordados e que são conhecidos de todos aqueles que participaram nesta guerra.
Pouco interesse no estudo da guerra colonial
Convém esclarecer que, até há pouco tempo, falar da guerra colonial era “tabu” e era até “vergonhoso” abordar este tema. Por tal razão, as fontes oficiais de estudo continuavam na posse da tutela militar e os trabalhos e abordagens eram escassos mas, ao nível da investigação, quase não havia interesse em realizar estudos sobre esta época da nossa história. Havia várias publicações privadas sobre memórias da guerra com especial destaque sobre testemunhos e diários de guerra.
Inicio, nesta 1ª edição, a apresentação de um tema a que chamo “aspetos não revelados da guerra colonial portuguesa” e apresentarei os casos e a situação dos prisioneiros da Guerra Colonial portuguesa.
Esclareço que não abordarei o caso dos prisioneiros de guerra aquando da invasão das colónias “da India”. Abordarei a temática dos prisioneiros resultantes dos 13 anos de guerra nas colónias portuguesas de África.
‘Prisioneiro? Nunca pensei na possibilidade’
Os jovens militares iam para a guerra sem a consciência de que iam para uma guerra convencional, mas cumprir um dever sublime de defender a pátria da ameaça de “1969-1997”, um grupo de rebeldes que queriam afrontar Portugal e que, afirmavam, seria tudo resolvido em pouco tempo. No entanto, esta guerra durou 13 anos, nela participaram cerca de um milhão e duzentos mil combatentes, faleceram cerca de nove mil, deficientes houve vinte e seis mil, feridos e com depressão pós traumática da guerra; de doenças que são resultantes da participação na guerra não há números. E prisioneiros, houve? Qual a situação atual?
Um combatente nunca imaginava que alguma vez se ia tornar prisioneiro, mas tinha e carregava em si imensos sentimentos associados. Nunca pensava em ficar prisioneiro, pensava que podia ficar ferido, poderia ser morto, ou mesmo ter a sorte de ficar sem mazelas, mas a ideia de ficar prisioneiro jamais lhe ocorria.
Os mais esquecidos da Guerra Colonial
A Revista do Jornal Expresso, na sua edição nº 1.309, de 29 de novembro de 1997, fez uma reportagem intitulada “ 1969-1970: prisioneiros de guerra” alertando para a situação dos prisioneiros da guerra colonial em África, chamando a atenção para a sua condição de vida e qual a intervenção e apoio da tutela, a situação como foram feitos prisioneiros, as vivências no cativeiro, a libertação, locais e sofrimento vivido em cativeiro e a estabilidade profissional depois de voltar para Portugal.
A divulgação destes factos tem sido “abandonada” afastando da opinião pública uma realidade que existiu e existe com os sobreviventes que viveram e sofreram com esta guerra.
Inexistência de números definitivos
O primeiro militar português a ser feito prisioneiro foi o Primeiro-Sargento piloto-aviador António Lourenço de Sousa Lobato, cujo avião caiu na Guiné-Bissau e foi considerado retido desde maio de 1963.
O número total de militares portugueses prisioneiros não é definitivo, mas podem ser adiantados os seguintes números e locais de prisão:
Estima-se que foram cerca de 80, os militares portugueses aprisionados e que foram libertados antes do final da guerra (até 1970) por ação da troca de prisioneiros, da Cruz Vermelha e da operação militar “Mar Verde”.
A maioria regressou a Portugal, mas alguns, por razões pessoais e familiares, optaram por ficar em África ou por se instalarem em países europeus de acolhimento, como era o caso da França.
Os que estiveram presos na Guiné-Conacri, foram libertados da prisão de Kindia, em novembro de 1970, através da operação militar “Mar Verde”.
De 1970 a 1974, o PAIGC entregou em 7 de setembro de 1970, 7 militares portugueses, num processo de troca de prisioneiros em que Portugal entregou 30 guerrilheiros ou simpatizantes do PAIGC que se encontravam na prisão da Ilha das Galinhas.
Refere-se que os militares portugueses feitos prisioneiros em Angola estiveram em prisões existentes na República Democrática do Congo (Kinshasa), nas Bases da ELA/FNLA de Kinkuzo, no Campo militar de Kukulo, bem como na República Popular do Congo (Brazaville), e os de Moçambique em prisões em Bases na Tanzânia e na Zâmbia.
O testemunho do 1º Cabo José Morais
O 1º Cabo José Morais, natural de Vila Nova de Famalicão, viveu em cativeiro durante três anos e meio, na prisão de Kindia, na Guiné-Conacri, tendo sido feito prisioneiro na Guiné portuguesa. Ele expressa o que viveu com o seguinte testemunho:
“Recordo tudo e muitas vezes. Não sou o mesmo que era por tudo o que vivi no cativeiro. Há muitas noites que penso nos colegas de prisão e no que passamos. Chego de manhã cansado. Isto é um tormento. Também me lembro de ter sido ferido por um estilhaço numa perna (antes de ser preso). Tenho alterações nervosas como resultado da violência e do que vivi na prisão durante três anos e meio da minha vida. Sim, eu sinto-me e estou diferente.
Nos dias que vivo hoje, sinto-me revoltado. Merecíamos outro acompanhamento e tratamento e devíamos ser compensados pelo que passamos. Ser reconhecidos com dignidade pelo que fizemos pela Pátria, pois estamos doentes e sem meios próprios para nos curarmos do corpo e da alma.
Não temos qualquer apoio do Estado, nem somos reconhecidos com alterações profundas ao nível da saúde física e mental e, por tal, sem condições para sermos apoiados pelas Instituições que prestam todos os serviços de apoio aos combatentes integrando-os no estatuto dos deficientes de guerra portugueses.
Eu não fiz nada para que existisse esta guerra; mandaram-me para lá. Sofri consequências que me levaram a perder a minha liberdade num contexto da maior violência que se possa imaginar. Ignoraram-nos desde sempre e não querem que se fale de nós. Chega, pois já sofremos muito e com dignidade em nome do nosso País e não poderemos ser, eternamente, “os desertores” fabricados pelos políticos e militares afetos ao regime do “Estado Novo” de Portugal.”
Divulgar é apoiar um final de vida com dignidade
Estes antigos combatentes não podem continuar a ter uma vida como seres que não existiram ou que não cumpriram os seus deveres patrióticos com dignidade.
Devemos divulgar os aspetos “não ocultos” da história da guerra colonial e lutar pelo apoio a estes portugueses, que estão marcados pelo sofrimento e para que tenham o direito ao apoio devido e que terminem a sua vida com dignidade.
Imagem de destaque: Prisioneiros portugueses na prisão de Kindia na Guiné-Conakri (fotografia: autor desconhecido)
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Para quando uma publicação, relatando factualmente o que durante a uma decada e meia de jovens passaram na Guerra Colonial?
Quem tem medo e receio do desvendar de tais factos?
Não sou anónimo, chamo-me MANUEL VIEIRA
mantunesvieira@gmail.com
Finalmente (?) que ” terminou a censura” face à 7guerra colonial. Mais notícias ” cá para fora “. 7
Quantos mais testemunhos poderiam fazer parte deste artigo? Inúmeros, certamente…
Sobre a Guerra, guardo para sempre as histórias verdadeiras, contadas pelo meu Pai, vividas em Angola, durante os longos anos de 1961 a 1963.
É a nossa história, a história de um passado ainda muito recente, que é também a história do presente dos principais protagonistas que sobrevivem.