Cresceram num mundo estranho – por um lado é um mundo que vos tenta roubar o futuro – não dando perspectivas de emprego, paz, cooperação e vos dizendo que não podem mudar o mundo (o que é falso). Querem tirar-vos a esperança. É a sociedade capitalista, na sua fase de decomposição. Por outro lado, o mesmo mundo educou-vos (na escola, nos amigos, na TV, nos país) como príncipes cheios de direitos e nenhuns deveres. Na escola ensinaram-vos uma mentira – que podem progredir sem esforço. Os pais vivem uma trip narcisista. Escola e casa e media/ governo todos vos tratam como vítimas e não como sujeitos.
Não lutam por mudar o mundo, pelos vossos direitos, na rua; pressionam em casa os pais, para não se tornarem independentes – para que eles vos sustentem, total ou parcialmente, e sem nada em troca – estudo sério, cooperação nas tarefas, respeito. O conflito passa do emprego para a família. A luta de classes vira conflito histérico familiar.
São uma geração sem sentido de justiça – na escola façam o que fizerem passam, foi isso que os professores, até aqui, vos disseram. Com isso foram/fomos cúmplices. Se fizerem quase nada passam com negativas, se fizerem muito pouco passam com 14, se fizerem pouco passam com 17. É assim em todo o percurso escolar até ao “mercado de trabalho”. Neste sistema, onde estão 8 horas/dia ensinaram-vos a mentir, a vocês próprios. Junta-se a nova fase de acumulação capitalista, baseada na automação, em que se espera no “mercado” que não saibam nada a não ser carregar em botões.
Todas as notas estão inflaccionadas porque a escola serve para vos educar a cumprir os mínimos para serem largados no mercado de trabalho sabendo executar tarefas, mas sem dominar o conhecimento – e a escola serve para assim, sem exigência, vos ensinar a ser submissos. Mais, oferece-vos a ilusão de que sabem muito. Os governos criaram a ideia, para as classes trabalhadoras e ex-médias, de que na escola “democrática e inclusiva” todos são iguais – ignorantes ou sábios, somos todos iguais. Não! Na escola democrática ensina-se bem, para que todos sejam sábios. Nivelou-se por baixo, tão baixo que vivemos num poço. A única luz é a do ecrã onde se mostra vídeos que criam a ilusão de que não estamos num poço.
Sem ler, com atenção, sublinhando, escrevendo, ler às vezes o mesmo texto 4 vezes, estudar, tentar compreender os problemas, mesmo assim vocês opinam sobre tudo. Não lêem, aprendem, conhecem, porque o capitalismo (quem é dono das empresas /Estado/governos) quer reservar para uma pequena elite, seus filhos, saber muito – estudam em colégios onde consta do programa anual estudo de 6 obras de filosofia, elaboração de uma dissertação de “fundamentos do conhecimento” como trabalho final – as propinas custa 1600 euros mês. Uma massa, vocês, que vai aplicar saberes, mas não os dominar, sai em fornada desta fábrica que é a escola pública e a maioria das privadas – um lugar onde estão, sem aprender.
Na escola podem ter telemóveis onde engolem e vomitam o mesmo video pela milésima vez, na escolas de elite é proibido, mesmo no intervalo, o telemóvel, ensina-se a ler e entender filosofia e história, ou seja, como se produz conhecimento. Num caso criam-se “animais”, com instinto de repetição; no outro, seres humanos com “funções psíquicas superiores” nas quais se incluem abstração, imaginação, atenção dirigida, memória, etc. A imaginação é um perigo -imaginem que vocês, jovens, queriam imaginar o Mundo diferente?
Portanto, não vos foi ensinado na escola esta questão central – disciplina do trabalho intelectual. A mesma que me permite a mim estar 6 horas parada a escrever ou a ler, ou a um artesão fazer uma peça, 10 horas, um músico, um professor a preparar uma aula a sério, até nos esquecermos das horas. Não nasci assim, eduquei-me e fui educada assim, ou seja, auto controlo sobre os nossos instintos que nos levam à passividade e ao “cansaço” de pensar. No meu caso quando me custava ler muito tempo assuntos mais difíceis -e me levantava 4 vezes para fazer chá, lavar vidros, ou regar plantas… – pensava que humilhação seria não saber um assunto, e fazia mais um esforço de continuar. E continuava, até que cheguei a este ponto que sonho com que me deixem ler durante horas, sem me chatear e fico maravilhada quando compreendo um assunto. Às vezes ponho-me a ler e passadas 4 horas descubro que já passaram 4 horas.
Vocês não tiveram essa ameaça, esse medo da vergonha. Vivem num mundo onde quem é ignorante não tem vergonha de o mostrar, quem não tem piada alguma tem programas de humor, quem comenta a sociedade não conhece a sociedade, e nenhum deles teme o ridículo. Quem ensina não é exigente. O melhor cartaz das manifs dos professores foi este “Não vamos continuar a mentir”. Que raio de esperança !
Estão horas no entretenimento, a ser amestrados como um urso de circo, olhar ecrãs, não estão horas a aprender e reflectir. As artes, a leitura, a cultura faz-nos pensar sobre os problemas, os vídeos e tvs que vêem faz esquecer os problemas. Não sou contra, claro, todos precisamos de “não pensar” por vezes. Mas isto, este mundo de ecrãs, e currículos vazios, cheio de aprendizagens essenciais, vazias, é um sistema doentio de alienação.
Não se sentem envergonhados de não conhecer autores, pensamento, não fazem perguntas, não têm curiosidade nem vontade (entusiasmo) por saber, não têm vergonha por não ter cultura geral. Ficam desinteressantes, o que contagio tudo – os amigos são desinteressantes, os namoros também, pode-se dizer qualquer coisa na TV que o nível cultural é tão baixo que as pessoas nem sabem que estão a ouvir barbaridades. É um circo, e o ser humano omnilateral (que é integral e digno, a quem foi dado o melhor da humanidade) torna-se um animal.
A sociedade capitalista é a da alienação. Só com autodisciplina contra os milhares de chamamentos vazios, agora que os homens foram transformados num ecrã com pernas, um computador bipede (é isso que os telemóveis fizeram da humanidade) – sempre com um telefone, computador ou tv (24 horas dia do mesmo, pode-se fazer zapping que o guião da série, a notícia é tudo igual) pronto a ser ligado.
Diz um estudo que passam em média 4 a 6 horas dia de ecrã – telemóvel, TV e computador. Por vezes, passam mais. Se passarem só 4 horas – mas passam mais – são 2 meses (24 horas dia, 30 dias), num ecrã. Sim, 4 horas dia são 2 meses por ano, 60 dias completos.
É impossível – a manter-se este desprezo pela disciplina de trabalho e leitura – terem um trabalho feliz e serem livres, não há como vos dizer que vão ser felizes assim. E eu acho que sabem isso no fundo. Toda a vossa atitude, de jovens, não é a de mudarem isso – é a de atrasar com “esquemas” a vossa entrada no mercado de trabalho e deixarem-se ficar em casa, esperando que os pais vão pagando as contas, enquanto vocês com desculpas que “não sabem bem o que querem estudar”, gap years, “ estão indecisos”, acabam por ficar em casa, atrasando a entrada na vida adulta, protegidos dos maus salários que vos esperam lá fora. Esperam – só se nada mudarem.
Há duas coisas fundamentais para sermos felizes: ter um trabalho/estudo que nos apaixona e que fazemos com brio (portanto não mentindo a nós próprios, e sentindo-nos realizados – só nos sentimos realizados com auto estima se criamos algo, se nos colocamos desafios, se nos colocamos objectivos, porque esse trabalho difícil ultrapassámos com a nossa força de vontade – como subir uma montanha); e as relações (com a família, amigos, quem amamos, colegas). Essas duas coisas são essenciais. E não existe uma sem a outra – ninguém é feliz em casa com um trabalho infeliz.
A prévia ideação é a nossa grande distinção dos animais. Pré idealizamos o mundo, a vida que queremos, e em cooperação com outros construímos. Esse é o significado da paixão que os socialistas românticos como eu têm – desenhar o mundo em que queremos viver e construir-lo em cooperação (partidos, greves, sindicatos, juntos). Não existe liberdade sem desenhar um novo mundo. Não existe mundo novo sem compreendermos que estamos no fundo do poço.
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Obs: texto previamente publicado no blogue Raquel varela | Historiadora, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.
Imagem: Hannah Busing / Unsplash