Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente da República, veio falar com carinho das ações da CGTP, ontem.
E, quando se fala com carinho, merece-se resposta, mesmo que se tenha decidido ser indiferente a quem fala (e, para mim, pelo seu militantismo pró-PS e indiferença aos professores, Marcelo deixou de interessar, tirando o respeito pelo cargo).
Marcelo saúda as ações da CGTP, na prática por serem um protesto bem enquadrado no sistema, por contraponto aos “movimentos” e sindicatos independentes.
Isto é, na mente de Marcelo, democrata, mas que não esquece certos tiques que vêm da educação infanto-juvenil, há um sindicalismo “bom e enquadrado” que “serve o sistema” e participa ordeiro da vida dele e tem direito à vida, porque se encaixa no sistema político-partidário.
E há um “perigoso”, porque independente e ligado só à vontade sem tutelas dos sindicalizados.
A CGTP devia vir protestar contra esta tese e modelo.
É como se um crítico de vodkas viesse dizer que “boa, boa, é a vodka sem álcool” (que, obviamente, seria um absurdo, se existisse, o que reuniria o consenso de polacos, ucranianos e russos, desavindos em quase tudo).
No fundo, o Presidente elogiou o sindicalismo que chateia “só a modinhos” e quase pede licença para chatear.
Marcelo continua a pensar pela grelha de há 48 anos.
O modelo, lançado na noite de 25 de Novembro por Melo Antunes, em que o “arco do poder” fica com Governo e Parlamento e o PC com os sindicatos.
Assim, está tudo no seu lugar e, citando um autor famoso, “com cabeça”.
Com todo o respeito pelo Senhor Presidente, está a ver mal o filme e a sociedade a que preside.
Quase ninguém, que tenha nascido depois dos anos 60, acha bem esse modelo de sindicalismo manietado e tutelado.
E, por isso, os sindicalizados diminuem. Pela falta de fé que se conte para alguma coisa.
Eu, que nasci em 1972 e cantei a Gaivota a plenos pulmões na escola primária, tenho umas ideias firmes sobre sindicalismo.
Sindicalizei-me pela primeira vez aos 19 anos, num sindicato da CGTP, quando o meu patrão era o Patriarcado de Lisboa (trabalhava, então, na Rádio Renascença e isso chocou alguns colegas).
Depois disso, já fui sindicalizado e deixei de ser 2 vezes, num sindicato de professores da Fenprof e agora estou num independente.
E tenho para mim 5 ideias sobre sindicatos e como deve ser o meu (aquele a quem pago mensalmente uma percentagem do fruto do meu trabalho, porque esse é o vinculo: o sindicato é pago por mim).
O sindicato deve ser independente de todas as tutelas externas aos membros.
Os dirigentes não precisam de ser todos independentes, mas não deve haver domínio de uma força política nos órgãos e a filiação dos dirigentes deve ser transparente.
Os órgãos devem ser pluralistas. Isso é o apartidarismo, na minha noção.
E tenho partido, que assumo em público, mas não tolerarei que ele ou outro tentem controlar ou condicionar o meu sindicato.
Os partidos não têm de estar em tudo. E, na minha profissão e relação com alunos e colegas, não tenho partido.
O sindicato deve ser um local de debate e não um edifício de uma burocracia.
Deve ter uma estrutura ligeira, sem custos excessivos que criem encargos que limitem a vontade de mudar a ação futura pelos sócios.
Sedes, muitos funcionários, etc são custos, mas limitam a ação, se não forem recursos focados nela.
O sindicato deve ser moderno, no sentido de apostar nas tecnologias para alargar a participação e não continuar agarrado a hábitos antiquados de condicionamento dela.
O sindicato deve focar-se na representação dos interesses dos sócios.
Não deve tornar-se uma agência de viagens ou de seguros e acabar a dar mais espaço à recreação que à representação.
Deve ter um bom serviço jurídico e até serviços de aconselhamento noutras áreas (psicologia, servico social, arrendamento, alojamento, etc) mas focar na ação principal: representar os interesses e apoiar a solução dos problemas profissionais individuais e coletivos dos sócios.
Sei que isto vai chocar: os ex-sindicalizados reformados devem ter um estatuto honorário respeitoso mas não devem poder votar ou ser eleitos. O sindicato deve ser para trabalhadores (empregados ou desempregados) e nunca admitir dirigentes já reformados.
Os dirigentes devem manter ligação ao trabalho nunca podendo estar mais de um mandato sem exercer ainda que parcialmente a profissão (isto não existe em parte nenhuma mas é o que eu penso).
As decisões internas principais cabem aos sócios (e saliento sócios, pagantes) com votações formais. Nenhuma greve ou acordo (ou manifestação de dimensão) deve ser aceite sem ser votada pelos interessados.
O sindicato responde perante os “companheiros” (sócios) e mais ninguém.
Os dirigentes têm de estar sempre preparados para prestar contas e devem ter limitação de mandatos (nunca mais tempo de mandato que o que pode ter o Presidente: se é bom para a República, é bom para o sindicato).
Um sindicato assim em Portugal é uma utopia?
Existem nos países nórdicos, na Alemanha e até nesse paraíso do radicalismo proletário que são os Estados Unidos.
Senhor Deputado Constituinte Marcelo, não seria isto que os Constituintes queriam? E é isso que o sistema nos tem dado?