Carta Aberta em resposta a declarações de Miguel Bandeira, a propósito das suas afirmações em artigo publicado no jornal ‘Público’, a 26/11/2020

 

 

Desde o fim de 2018, por três vezes, a Inspeção Geral das Finanças comunicou-me a intenção de arquivar a denúncia do incumprimento da Lei das Acessibilidades por parte da Câmara Municipal de Braga (CMB), dada a inexistência de alternativa acessível a 19 travessias desniveladas de peões, existentes nas Avenidas Conde D. Henrique, Imaculada Conceição, Liberdade, João XXI, João Paulo II, General Carrilho da Silva Pinto, São Bento, Frei Bartolomeu dos Mártires, Padre Júlio Fragata e António Macedo.

O processo continua, estando presentemente também em apreciação pela Estrutura de Missão para a Promoção das Acessibilidades, devido às evidentes incoerências das respostas da CMB à IGF, por si assinadas, Sr. Vereador; incoerências que a IGF nunca soube detectar, denunciando a sua inaptidão para a fiscalização que a lei lhe incumbe.

Cumprir a Lei das Acessibilidades

Lamentavelmente, as incoerências que o Sr. Vereador insiste em usar como argumentos para justificar o incumprimento da lei, continuam bem presentes no artigo do jornal Público, de 26 de Novembro. Assim, venho esclarecer o Sr. Vereador e a população bracarense, sobre o enorme problema que está em causa, bem como as soluções que estão ao alcance da CMB, que fomentarão evidente benefício para a cidade. Não tenho qualquer dúvida que, mais cedo ou mais tarde, Braga cederá ao progresso que está a varrer as cidades de todo o mundo, faltando apenas saber qual o executivo bracarense que terá a iniciativa de cumprir a lei, ou que a isso seja obrigado.

Fundamental, o que está em causa é o incumprimento da Lei das Acessibilidades, que exprime um desígnio constitucional da República Portuguesa, tal como referido no seu preâmbulo: “A promoção da acessibilidade constitui um elemento fundamental na qualidade de vida das pessoas, sendo um meio imprescindível para o exercício dos direitos que são conferidos a qualquer membro de uma sociedade democrática, contribuindo decisivamente para um maior reforço dos laços sociais, para uma maior participação cívica de todos aqueles que a integram e, consequentemente, para um crescente aprofundamento da solidariedade no Estado social de direito.”

Pergunto:

– Como pode um desígnio tão elevado, quanto basilar, de uma sociedade democrática ser relegado para segundo plano nas prioridades dos nossos governantes eleitos, ao ponto de não haver sequer uma calendarização para o seu cumprimento?

– Como pode atirar para as calendas gregas a resolução das ilegalidades presentes na Av. António Macedo, remetendo a responsabilidade para a Infraestruturas de Portugal (IP), uma vez que as passagens são propriedade da CMB?

Responsabilidade: IP ou CMB?

Gostaria de corrigir a afirmação do Sr. Vereador que se tratam de zonas com “quatro ou mais faixas de rodagem e separador central”, já que as zonas em questão têm duas faixas de rodagem, com quatro ou mais vias de trânsito.

Parece-me impertinente a deferência que o Sr. Vereador demonstra pelo trânsito extra-municipal, que não é da responsabilidade da CMB, mas sim da IP. Será que os bracarenses deverão esperar que a IP venha resolver os problemas da mobilidade e urbanismo da cidade de Braga? Será que a IP acha que tem um problema para resolver, enquanto a CMB o resolver, por si, em detrimento da boa governação da cidade?

Bracarenses vivem anacronismo

Constata o Sr. Vereador que as ruas têm muito trânsito: “30 mil veículos por dia… valor na ordem do que existe nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto”, mas não diz que essas cidades não têm um sistema de passagens desniveladas de peões nas suas avenidas, como Braga insiste em ter e manter. O urbanista dinamarquês Mikael Colville-Andersen disse, num vídeo sobre o urbanismo de Braga, disponível no YouTube, que estas passagens desniveladas são uma inovação soviética dos anos 30, relegada para o caixote do lixo da história da engenharia de tráfego. O vídeo termina com o apelo do urbanista dinamarquês a que os governantes bracarenses vão de porta a porta, a pedir desculpa aos cidadãos por os obrigarem a viver no presente anacronismo.

Talvez o Sr. Vereador esteja a confundir as avenidas de Braga, «vias distribuidoras principais», com «vias colectoras», como a Via de Cintura Interna do Porto, por exemplo.

Principais artérias dividem a cidade

Braga, como refere a Eng. Paula Teles (presidente do Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade, CEO da empresa MPT e coordenadora do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável, PMUS, de Braga), “para privilegiar os automobilistas, a cidade minhota foi “rebentada com auto-estradas no seu seio”, com as fracturas daí resultantes a serem “agrafadas” pelas passagens aéreas pedonais”, acrescentando que “Estas artérias são feridas na cidade. Fizeram com que as pessoas ficassem de um lado e do outro, completamente segregadas”.

Que diria o Sr. Vereador, confrontado com a Avenida dos Campos Elísios, em Paris? É que aí passam 64 mil veículos por dia (mais do dobro do caso bracarense), tendo 24 passadeiras de nível em 2120 metros de extensão de 8 vias, resultando num afastamento médio de cerca de 85 metros entre passadeiras. De notar que a Rodovia, nos seus 3300 metros, tem apenas 17 passagens de peões, que chegam a estar afastadas 500 metros entre si. Será que os bracarenses continuarão condenados a viver numa cidade fracturada, dividida, sem acessibilidades?

Recusar acessibilidades

Afirma o Sr. Vereador que a retirada das passagens desniveladas está fora de questão, devido à sinistralidade nas vias onde se encontram, admitindo que o problema de sinistralidade, resultante do excesso de velocidade, a que não serão alheias as enormes distâncias sem obstáculos. É lamentável que, em vez de resolver o problema, com recurso a medidas moderadoras de velocidade, como seriam as passadeiras semaforizadas, usa-o como argumento cínico para recusar as acessibilidades devidas a todos os bracarenses.

Decisões contrárias ao interesse dos cidadãos

Questiono, pois, com que base científica o Sr. Professor Doutor Miguel Bandeira exerce a sua função de vereador? Não parecem ser o PMUS ou os projectos técnicos que elaborou, os manuais da CCDR-N, o Plano Nacional de Segurança Rodoviária – a que deveria corresponder um Plano Municipal de Segurança Rodoviária, que se desconhece, em Braga. Então, com que bases está a tomar decisões que são contrárias à lei e aos interesses dos cidadãos?

Velocidade e sinistralidade

Sabendo que a sinistralidade é função da velocidade automóvel, não deveríamos substituir as passagens desniveladas por passadeiras semaforizadas, como indica o manual da CCDR-N, reduzindo as velocidades desenvolvidas? Não deveríamos ter mais passadeiras nas nossas avenidas, de forma a devolver ao peão as acessibilidades a que a lei obriga? Que lições aprendemos com a substituição da passagem desnivelada por uma passadeira, na Rua do Caires? O número de atropelamentos nesse local caiu a pique, sem que o trânsito tenha sido prejudicado.

A redução da velocidade nas vias depende tanto das medidas de acalmia de trânsito, como está prescrito no PMUS do Sr. Vereador, como da “transformação de mentalidades”, para a qual é necessária pedagogia, como seria de esperar de um governante eleito, Professor, ao contrário da antipedagogia que vem exercendo perante os bracarenses.

Responsabilidade civil e moral

O Sr. Vereador afirma recusar “prescindir da segurança em detrimento dos objectivos de acessibilidade”. Lembro o Sr. Vereador que essa opção não lhe está disponível, uma vez que é seu dever criar simultaneamente acessibilidades e segurança na via pública, em linha com os manuais, regulamentos e legislação vigente. Será que pode, legitimamente, condenar as pessoas a quem as passagens desniveladas não servem, a não atravessar a rua ou a atravessar sem condições de segurança? Sentirá, porventura, a sua responsabilidade civil e moral perante as vítimas da sinistralidade induzida pela situação actual?

Ciclovias, uma promessa eleitoral

Como pode o Sr. Vereador classificar de “simplista” a solução de passadeiras semaforizadas, se a solução é a que está prevista nos projectos que o Sr. Vereador, restante executivo e assembleia municipal, aprovaram? Que o impede de fazer as passadeiras semaforizadas, de imediato? Será que a segurança das passadeiras depende da existência de ciclovias? Então faça favor de fazer ciclovias em toda a cidade, Sr. Vereador, a bem da segurança nas passadeiras e da mobilidade ciclista, conforme eleitoralmente prometido!

É urgente corrigir situações estruturais

Para quando uma resposta às solicitações dos mais vulneráveis, de acessibilidades adequadas, seguras, na generalidade da cidade, como refere a presidente da Associação Portuguesa de Deficientes, Ana Tesudo? Recordo que estes problemas afectam toda a população, pois todos nascemos com mobilidade condicionada e a ela estarmos condenados a retornar, em algum momento da nossa vida, nem que seja no seu fim.

O facto insofismável é que, apesar dos projectos aprovados desde o fim do ano 2017, a CMB não avançou com qualquer correcção das situações estruturais denunciadas; e o Sr. Vereador ainda afirma que não o irá fazer tão cedo, na grande maioria das 19 situações em causa, apesar de a isso estar obrigado pelo espírito e letra da lei das acessibilidades.

Para bem da cidade e da população, mudar

Entretanto, as acessibilidades faltam, os atropelamentos sucedem-se, com consequências agravadas pela velocidade excessiva dos automóveis, e a responsabilidade camarária perante as vítimas do seu desprezo é cada vez mais evidente, aumentando a possibilidade da própria CMB e seus decisores serem chamados a prestar contas.

É chegada a altura do Sr. Vereador abandonar a defesa de uma posição insustentável e abraçar a governação à luz da lei, da ciência e do progresso, para bem da cidade e da sua população.

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Imagem: Clube de Orientação do Minho

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