Uma conferência em Latim

 

 

No passado dia 27 de abril, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga, apresentou-se, vindo de Itália (Avellino) Roberto Carfagni, fundador do Instituto Schola Latina. O conferencista dedicou-se durante muito tempo aos métodos e modos de ensino da Língua Latina, e deve ser considerado entre aqueles que melhor conhecem a via de ensino da língua de Cícero de acordo com o método natural. Esta conferência, intitulada Cur et quomodo Lingua Latina viva ratione tradenda sit (Como e por que razão se ensinar o Latim de acordo com o método vivo) foi feita, toda ela, em Latim, sendo intercalada com uma tradução para português.

À medida que o orador ia falando, ia-se expondo uma forma de lecionar e perpetivar o Latim que não coincide com a forma como ele, atualmente, é estudado e ensinado. Como tal, Carfagni começou, na primeira parte da sua intervenção – intitulada Scire linguam (Saber a língua) – por afirmar que é necessário exercitar, na aprendizagem do idioma, as quatro faculdades que se exercem no manejo de uma qualquer língua natural: acquirendae et exercendae sunt quattuor illae facultates audiendi, loquendi, legendi et scribendi: é necessário, portanto, aprender e exercer quatro capacidades: a de ouvir e a de falar, por um lado, a de ler e a de escrever, por outro. Para o primeiro par, é necessário começar por ouvir e, somente depois, por falar (do uso passivo para o uso ativo), sendo tal válido, igualmente, para o segundo par: primeiro ler, depois escrever.

Assim o orador, em fluído e claro Latim, abordou a necessidade de se tratar esta antiquíssima língua como um instrumento que ainda pode e deve ser utilizado. É que a aquisição das quatro faculdades está de acordo com a forma como as crianças adquirem as suas competências na língua materna, sendo essa a ordem lógica, natural e cronológica. Além disso, da mesma forma que outrora, após o ocaso do Império Romano do Ocidente, inúmeros autores escreviam obras em Latim na medida em que ouviam, liam e falam em Latim, assim também o podemos fazer, atualmente, na nossa aprendizagem. O método natural, assim, é consentâneo seja com a natureza cronólogica da aprendizagem humana, seja com o uso histórico dado à língua.

Todavia, e como Carfagni alertou na segundo parte da sua conferência – Scire de lingua, saber acerca da língua – esta perspetiva tem também os seus perigos, pois não bastará conhecer os elementos da Língua, mas também é necessário ter a capacidade para abarcar a dimensão estilística e polissémica do Latim. Tal como uma criança aprende naturalmente a falar português, mas precisa de uma formação institucional que lhe ensine como usá-lo devidamente, nas suas diversas particularidades, assim também o desenvolvimento das quatro capacidades linguísticas deve permitir o acesso a um conhecimento que vai para além do meramente instrumental. Como o próprio disse, é necessário subtiliter de ipso sermone cogitare, pensar subtilmente acerca do próprio discurso. Uma porta de entrada, de resto, para se entrar na literatura em Latim.

Será assim, termina o autor, que se poderá questionar a frase do humanista Francisco Sanches de la Brozas: Latine loqui corrumpit ipsam Latinitatem (falar Latim corrompe a própria Latinidade), ou então: Qui Latine garriunt corrumpunt ipsam Latinitatem (Aqueles que tagarelam em Latim corrompem a própria Latinidade) pois Carfagni propõe: Latine prave loqui corrumpit ipsam Latinitatem (falar mal Latim corrompe a própria Latinidade), Qui Latine neglegenter garriunt corrumpunt ipsam Latinitatem (Aqueles que tagarelam de forma negligente em Latim corrompem a própria Latinidade). É que se o uso ilegítimo do Latim pode criar uma distância entre os autores e nós, o seu uso legítimo diminuiu essa distância, permitindo, mais do que uma leitura do texto, um verdadeiro diálogo, em Latim, com o autor.

Pela minha parte, gostaria de deixar o meu profundo agradecimento a Roberto Carfagni por se ter deslocado a Braga, de forma tão amável e proveitosa, e de ter fornecido uma excelente conferência em esbelto Latim, sendo que, segundo creio, deliciou e agradou à plateia que o assistiu. Roberto Carfagni Bracarenses gratias agunt!

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