Prélude à l’après-midi d’un faude, de Debussy, poderia perfeitamente ter sido a banda sonora de antecipação de um almoço assim preparado por Renato Cunha, do Ferrugem, em Dia Mundial do Turismo, em Vila Nova de Famalicão. Mas ao tempo que o célebre compositor escreveu a peça, Camilo já não a poderia ouvir pois acabara de desaparecer poucos anos antes. Seja como for, este almoço não é para todos; mas pode-se sempre aproveitar, deitar o olho, imaginar e deliciar-se projetando idênticas iguarias para confecionar na comodidade da sua casa.
Pataniscas e presunto de porco bísaro com broa de milho é o prelúdio. Segue-se a sardinha de escabeche com cebola e pimento e serve-se uma vinha da Bouça. O caldo de legumes com feijoca branca e tora preparado no pote surpreende e vem aquecer a alma. Acompanha-se com um verde tinto Pardusco e as conversas soltam-se. Fala-se de Camilo Castelo Branco, das tradições e das vindimas. O elixir de limão e Genebra vem quebrar o ritmo pitoresco dos sabores e dá-se as boas-vindas ao galo de raça amarela e arroz carolino. Arregaçam-se as mangas e relaxa-se enquanto se aguarda o arroz de leite e um Porto “bem choco”, como assim chamava Camilo Castelo Branco ao vinho do Porto velho. Finaliza-se com um café e toucinho do céu.
Foi esta a ementa camiliana, preparada pelo Chef Renato Cunha, no restaurante Ferrugem, em Vila Nova de Famalicão, apresentada esta quinta-feira, no Dia Mundial do Turismo, constituindo-se como um novo produto turístico que surge no âmbito da Rota Literária Camiliana.
O cardápio, orgulhosamente preparado com produtos autóctones, bem representativos da região minhota, é inspirado na obra literária de Camilo Castelo Branco, especialmente no romance “A Brasileira de Prazins”, de 1882.
O romancista, que tantas vezes se inspirou nos sabores da gastronomia da região e nas suas personagens para criar as suas novelas e os seus contos intemporais, serve agora ele próprio de inspiração para a conceção de uma ementa genuína em que a criatividade e a tradição se combinam com a sofisticação da cozinha de autor de Renato Cunha.
Para o Chef, a ementa, que ficará disponível a partir da próxima semana, pretende retratar o mais fielmente possível aquilo que seria uma refeição da época, com produtos bem típicos e identitários da região minhota e famalicense, em particular.
A verdade é que as ligações a Camilo Castelo Branco são bem visíveis e até inevitáveis ao longo de toda a refeição de tal modo que, no final, surge no espírito de todos a resposta à questão camiliana que serviu de titulo a mais uma novela “Onde está a felicidade?”.
Rota Literária Camiliana
A Rota Literária Camiliana é um projeto turístico-cultural iniciado há cerca de dois anos com o objetivo de criar parcerias e sinergias, tendo como epicentro a Casa-Museu de Camilo Castelo Branco, em S. Miguel de Seide, onde o escritor viveu cerca de 30 anos e redigiu algumas das mais belas páginas da literatura portuguesa.
Neste âmbito, no Porto, foi já apresentada a Rota Literária Camiliana, a que obviamente Famalicão se associa, tendo como pano de fundo e referências primordiais a Biblioteca Municipal do Porto, a Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Lapa (onde, para além do corpo de Camilo, se encontram recolhidos inúmeros objetos pessoais, manuscritos e correspondência do escritor), o Centro Português de Fotografia (antiga Cadeia da Relação onde Camilo este preso por duas vezes) e a Livraria Lello (Camilo foi o autor que mais obras forneceu para os prelos da Lello & Irmão).
Conjugar o turismo cultural com o património edificado, a arquitetura e a gastronomia é, por isso, um dos principais objetivos desta Rota. “Um roteiro não pode ser estático, queremos um roteiro com diversidade e com múltiplos caminhos”, afirmou Paulo Cunha, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, que marcou também presença no lançamento da ementa camiliana. Para Paulo Cunha “são inúmeras as referências gastronómicas na obra de Camilo e seria uma pena não tirarmos partido disso a nível do turismo, ainda mais pela riqueza das propostas existentes no nosso território”.
Ferrugem, um parceiro à altura de Camilo
“Queremos que as pessoas venham a Famalicão visitar a Casa de Camilo, leiam as suas obras, frequentem o Centro de Estudos Camilianos, mas também que se deliciem com a nossa gastronomia”, sublinhou o autarca afirmando que “a proposta do Chef Renato Cunha, do Ferrugem, valoriza o projeto camiliano com uma ementa pensada em torno das referências da época de Camilo”, romântica por definição. “É uma abordagem, no século XXI, daquilo que se fazia há dois séculos aqui no Minho”.
Também o diretor da Casa de Camilo, José Manuel Oliveira, salientou que “hoje em dia, não se faz turismo unicamente em torno da literatura, em torno do texto, o turismo faz-se a nível cultural, aproveitando contributos que são absolutamente extraordinários”. E adiantou: “Hoje não se viaja se as pessoas não experimentarem, não experienciarem e não provarem. É a experiência da gastronomia que torna o contacto com o património mais valioso e interessante. E se conseguimos que estas duas experiências se combinem e se casem é excelente”.
Não restam dúvidas, portanto que “a rota camiliana só tem a ganhar com esta associação a este novo parceiro que é o Ferrugem”.
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Imagens: MVNF