Na Assembleia da República, foram esta sexta-feira discutidas as alterações à legislação laboral propostas pelo Governo, na sequência do acordo assinado em sede de concertação social. O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português apresentaram 9 projetos de alteração à proposta, dos quais 6 foram chumbados e 3 aprovados com os votos favoráveis do Partido Socialista, naquilo que aparenta ser um sinal político enviado por este partido aos seus parceiros de esquerda que queriam ir mais longe na reversão das alterações à legislação laboral efetuadas durante o tempo da troika.
O PS conseguiu aprovar todas as suas propostas, ora com apoio à esquerda ora com apoio à direita, assim conseguindo manter o que fora acordado na Concertação Social. A maioria das 21 propostas que estiveram em debate – 11 no total – está ainda em período de apreciação pública, pelo que baixaram sem votação até que acabe este prazo, altura em que já poderão ser levadas a votação. Foi o caso da proposta de lei do Executivo, que será votada num próximo plenário. Já os projetos aprovados descem agora ao trabalho em especialidade, que deverá prolongar-se para a próxima sessão legislativa, com início em setembro. A discussão do detalhe das propostas passará assim para depois das férias, realizando-se em simultâneo com a discussão do Orçamento do Estado para 2019.
PS: Está em discussão o modelo de sociedade que queremos
“De nada vale mudarmos as leis do trabalho se não soubermos para que é que as mudamos e a quem é que estamos a responder quando o fazemos”. A afirmação, foi efetuada pelo deputado do PS, Tiago Barbosa Ribeiro, durante a sua intervenção sobre as alterações ao Código do Trabalho, em debate no Parlamento.
“Para os socialistas só há uma resposta: nós temos de responder à maioria, à maioria dos trabalhadores que são a parte mais fraca da relação laboral”, afirmou o parlamentar. “Aos jovens que aspiram a um contrato de trabalho estável e não o têm, aos portugueses que no fim de uma jornada de trabalho levam para casa um salário demasiado baixo para aspirarem a uma vida decente, aos que querem viver a paternidade e não têm horários para o conciliar, aos que estão na sombra do trabalho informal, aos que estão no desespero do desemprego, aos que estão no inferno da precariedade”, enumerou.
Tiago Barbosa Ribeiro revelou que todos estes são exemplos de pessoas que “vivem vidas a prazo, vidas adiadas” e garantiu que “o Partido Socialista responde à sua exigência de uma sociedade onde a economia seja um instrumento ao serviço do desenvolvimento e da justiça social e jamais um atalho para a lei do mais forte, as assimetrias e as desigualdades”.
O deputado socialista orgulhou-se do legado do Partido Socialista e lembrou que, quando se debate as leis laborais, nunca se debatem “apenas medidas de regulação do mundo do trabalho, mas sim o modelo de sociedade que queremos”.
“Depois de um ataque brutal aos trabalhadores e à estabilidade dos vínculos laborais promovidos pelo PSD e pelo CDS, mas também com a pressão liberal decorrente das instituições internacionais, o PS intervém para estabilizar as relações laborais”, afirmou. Tiago Barbosa Ribeiro lembrou os passos dados por este Governo, como o aumento histórico do salário mínimo, a reposição de feriados, o Programa de Regularização de Vínculos Precários Precários na Administração Pública, o reforço da proteção dos trabalhadores a recibos verdes, combate ao assédio moral e trabalho forçado, entre outros. “Temo-lo feito dando cumprimento às medidas que constam do Programa de Governo e das posições conjuntas com Bloco de Esquerda, PCP e PEV”, frisou, lembrando que a maioria parlamentar “nem sempre coincide nas soluções”, mas “nunca se enganou no caminho que quer seguir”. Em simultâneo, Tiago Barbosa Ribeiro não poupou os partidos da direita a quem acusou de ir em contramão. “Nunca participou em nenhuma destas soluções”, e por isso não pode hoje reclamar aquilo que não lhe pertence e que é património político do Governo do Partido Socialista e de toda a esquerda parlamentar.
Tiago Barbosa Ribeiro lembrou ainda que o acordo em torno das leis laborais resulta de um grande esforço de convergência, mas advertiu que “um bom acordo não é um acordo imutável nem tão pouco um acordo que, no respeito pelos princípios acordados, não possa nem deva ser melhorado” pelo que remeteu as oposições para o trabalho na especialidade. “Mesmo aqueles que consideram estas medidas insuficientes, não podem deixar de reconhecer que (…) correspondem a uma melhoria objetiva para os trabalhadores que não deve merecer uma oposição de princípio, mas sim um acordo de princípio para o nosso trabalho na especialidade”
Tiago Barbosa Ribeiro deixou ainda um repto, que é também um desafio: “O PS sabe que não tem maioria parlamentar e está disponível para dialogar com todas as forças para garantir as condições de aprovação deste acordo. Mas é bom que tenhamos a consciência de que nem todas as forças partidárias estão comprometidas com o combate à precariedade”, concluiu tentando deixar as bancadas à esquerda mais tranquilas
No seu conjunto, resulta que PS, PSD e CDS-PP apenas permitiram que se mexesse nos itens referente sà precariedade, mas as propostas que se referiam a férias, indemnizações, despedimento e negociação coletiva foram excluídas. Refira-se, em particular, que o Bloco de Esquerda conseguiu acabar com o banco de horas individual graças a uma maioria parlamentar de esquerda na hora da votação, embora se deva mencionar também que tal se encontrava, de certo modo, já previsto no acordo alcançado, mas que a reposição do período de gozo de férias para 25 dias, majorados em função da idade, e que este regime fosse aplicado a todos os trabalhadores, propostas pelo, PCP ficaram sem efeito. Para além disso, o PCP e BE pretendiam também ver o cálculo das indemnizações por despedimento reposto para os valores pré-troika, assim como mexer no smotivos que facilitam o despedimento, tais como a inadaptação ao posto de trabalho.
PSD: Não é altura para fazer mudanças relevantes em matéria laboral
Na discussão dos projetos, Clara Marques Mendes, deputada, referiu que “esta não é altura para fazer mudanças relevantes em matéria laboral”. A esse propósito, Rui Rio reafirmava, na quinta-feira, que alterações nas leis do trabalho só em sede de concertação social. De acordo com o líder do PSD, “a evolução do emprego tem provado” que a lei atualmente em vigor “não dificultou a criação de emprego”, pelo que não encontra razões para proceder a uma mudança significativa da mesma. Desta forma, o Partido Social Democrata está disponível para viabilizar a proposta, desde que os princípios acordados entre os parceiros não sejam “desvirtuados”.
CDS: Deve-se manter a refoma laboral do anteriorGoverno
A propósito das alterações à legislação do trabalho, Assunção Cristas lembrara, no dia anterior, que sempre defendeu que era possível, em simultâneo, haver crescimento económico e equilíbrio das contas públicas, crescer sem renegociar a dívida e diminuir o desemprego, mantendo a reforma laboral do anterior Governo, ao contrário de um modelo de consumo privado e investimento público, que considera ainda ainda não provado nada. Ontem, Filipe Anacoreta Correia também abordou o assunto, reforçando que este Governo se encontra “em risco de isolamento, orgulhosamente só, que provoca aqueles de quem precisa e provoca até o [Tribunal] Constitucional”
Bloco de Esquerda: Combater a precariedade
Por seu turno José Soeiro referiu, introdutoriamente, que “durante quase dois anos, o Bloco de Esquerda debateu com o PS e o Governo um conjunto de medidas para combater a precariedade e o abuso dos contratos a prazo”.
“Mas depois de, em conjunto com o Governo, fecharmos portas à precariedade com estas medidas, o Governo veio abrir um conjunto de janelas com outras medidas, acordadas com as confederações patronais na 25ª hora e nas costas dos parceiros parlamentares, que, e em alguns casos é diferente do que tinha sido negociado à Esquerda”, acusou o deputado.
José Soeiro passou então à denúncia das “janelas” de precariedade “bárbara” acordada pelo governo, como é o caso da “duplicação do período experimental” de 3 para 6 meses, o que permitirá despedir durante este período sem qualquer compensação e poderá vir a ser considerado inconstitucional, o alargamento dos “contratos especiais de muito curta duração” e a colocação do “banco de horas fora da contratação coletiva”.
O deputado salientou que o governo não escreveu no seu programa que “se pretendia duplicar o período experimental”, nem a generalização dos contratos de curta duração.
Sobre o banco de horas, o deputado explica que “a proposta de lei do Governo tem a mesma medida que hoje aprovaremos para acabar com o banco de horas individual. Mas soma-lhe outra, como contrapartida oferecida aos patrões: uma nova figura de banco de horas fora da contratação coletiva”.
Assim, José Soeiro considera este uma forma grave de imposição e violência”, feito para “contornar a contratação coletiva” e “para se impor ao trabalhador”, acusa José Soeiro.
E conclui com o apelo: “O compromisso com o percurso feito até aqui confere-nos a responsabilidade, o dever e a obrigação de de garantir a aprovação de medidas que combatem a precariedade e garantir o chumbo das medidas que a estimulam”.
PCP: Mantém-se o caminho da aceitação e legalização da precariedade
O PCP, pela voz de Rita Rato, considera que seria altura de fazer “o caminho da valorização do trabalho e da defesa do emprego com direitos”.
Assim, considera que “o Acordo assinado pelo Governo PS com as Confederações patronais e a UGT mantém intocáveis as normas gravosas da legislação laboral e introduz novos elementos negativos” porque “o Governo insiste em manter a caducidade da contratação coletiva e recusa a reintrodução do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador.”
O PCP é bastante crítico e julga que deste modo se mantém “o caminho da aceitação e legalização da precariedade” com as opções tomadas no sentido de manter “intocáveis normas profundamente gravosas introduzidas em 2012 pelo PSD e CDS.”
Por esse facto, Rita Rato revê a ação do Partido Comunista Português ao longo da legistatura e recorda que o PCP tem levado à Assembleia da República “propostas centrais para a vida dos trabalhadores e do país, tais como o fim da caducidade da contratação coletiva, a reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, garantindo que quilo que o Código do Trabalho estipula é o mínimo e não o máximo em matéria de direitos, o fim dos mecanismos de aumento e desregulação dos horários de trabalho, como os bancos de horas e as adaptabilidades, a reposição do descanso compensatório e dos valores do pagamento do trabalho extraordinário e um horário de 35 horas para todos os trabalhadores do público e do privado.”
Rita Rato salientou que “todas essas propostas, de elementar justiça, foram rejeitadas por PS, PSD e CDS pelo que o PCP propôs por isso a reposição dos 25 dias de férias para todos os trabalhadores, o fim do despedimento por inadaptação, a alteração dos critérios do despedimento, alteração das regras e montantes das indemnizações por despedimento, o fim do contrato a termo para os jovens e desempregados de longa duração, o fim do recurso ao trabalho temporário e ao out-sourcing para necessidades permanentes das empresas e serviços, a garantia de que a um posto de trabalho permanente corresponde sempre um contrato efetivo.