‘Colo’, de Teresa Villaverde, desvenda as crises: a económica e as outras

 

 

Teresa Villaverde é um dos nomes mais conhecidos quando pensamos em realizadoras portuguesas. A sua trajetória emerge nos anos 90 do século XX com uma filmografia muito peculiar, em que os temas ligados à família,  à infância, à adolescência, às dificuldades de comunicação interpessoal aparecem de forma muito marcada. Podemo-nos lembrar de Três Irmãos (1994), Mutantes (1998) e Água e Sal (2001). De vários modos também estas questões são discutidas no filme Colo, o qual realizou, produziu e escreveu.

Este filme, datado de 2017, mas que só estreou nas salas de cinema em 2018, apresenta três personagens principais: pai, mãe e filha adolescente, uma família de classe média que vive numa cidade e que é afetada pela crise económica. Ele fica sem emprego, ela tem dois empregos, a filha vive um cenário entre a presença ausente do pai e a ausência física da mãe.

O filme tem Beatriz Batarda, João Pedro Vaz e Alice Albergaria Borges como protagonistas e conta também com a participação de dois nomes bem conhecidos do público português – Simone de Oliveira e Rita Blanco. São grandes nomes numa narrativa longa e que aborda questões tão complexas quanto muitas vezes reais.

Se podemos dizer que este filme tem como temática a crise económica parece-me que, acima de tudo, é sobre os impactos que ela provoca nas famílias e nas pessoas enquanto sujeitos individuais. E pode ser voltado para a realidade portuguesa ou para tantas outras…

Neste filme está retratada uma crise dos afetos, do indivíduo e da comunicação interpessoal. É uma crise estrutural e não episódica. A narrativa aborda o isolamento, os impactos do neoliberalismo e, de certo modo, a falta de consciência política (se o filme aborda as questões da crise não existe um momento em que se coloque a questão da participação política na tela, o que pode remeter para a forma como esta questão é muitas vezes abordada no seio das famílias).

Outra leitura que também me parece ressaltar do filme prende-se com as questões de classe e com a diluição da noção de classe média. Paralelamente, as relações de género também atravessam toda a narrativa. Uma história de um pai/homem que fica sem trabalho e que se sente desesperado e de uma mãe/mulher que se desdobra em múltiplas tarefas para assegurar a sobrevivência da família. Esta mulher protagonista é uma sobrevivente, uma heroína do quotidiano no sentido em que procura segurar a esfera da família através de uma conciliação irreconciliável  com o marido e com a filha em termos comunicativos.

‘Colo’ não deixa ninguém indiferente

Numa entrevista a realizadora Teresa Villaverde explicava que o nome do filme – Colo remetia para a falta de afetos, bem como para a necessidade de renovação/de voltar ao início. Tudo isso me parece que marca a narrativa ao longo das mais de 2 horas. Há uma tensão constante presente, com alguns picos, mas que nunca chega à explosão. Esta tensão marca o estado depressivo e de sobrevivência. E isto vê-se nos silêncios, nas imagens que não nos deixam indiferentes… Colo é, assim, sobre a queda diária, uma tragédia que é feita de muitas cenas, que oscila entre o desespero, a depressão e a sobrevivência, e que por isso também nos traz também pequenos momentos de esperança.

A própria imagem de apresentação do filme é extremamente forte, remetendo para a noção de asfixia quotidiana e de um certo desespero, num olhar fixo de vazio, também este um vazio social, diria eu, em que se pode, a qualquer momento, decidir apertar o pássaro ou abrir a mão para o deixar voar.

Este filme não nos deixa indiferentes, faz-nos pensar na necessidade de renovação da sociedade, nas situações de precariedade, nas tensões do quotidiano, nos silêncios que dizem tanto, nas crises que não passam assim de um momento para o outro porque deixam sequelas bem graves. E, de certo modo, em muitas pessoas e famílias que conhecemos e que, apesar de nada dizerem sobre isso, continuam muito perto do colapso, mas em situação de completa sobrevivência. Por isso mesmo considero que é um filme com um posicionamento político, como uma perspetiva sociológica, e, diria mesmo, comprometido socialmente, levando-nos à reflexão sobre nós, sobre as outras pessoas e sobre a sociedade.

Colo, de Teresa Villaverde – trailer

Obs:

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Andrei Tarkovski. Um pássaro sujo de neve

Imagens: DR

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