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Os loucos - mente sã em corpo são

O estigma da loucura como entrave à saúde mental

 

 

Mens sana in corpore sano.

Juvenal

 

Este aforismo alerta-nos, quando contextualizado, para a necessidade do equilíbrio entre corpo e mente. No entanto, nos dias que correm, ainda se observa uma certa displicência no que à “mente sã” diz respeito, pelo menos quando comparando com a outra porção deste aforismo, o “corpo são”.

Muitas são as pessoas, em todo o mundo, que se deparam com problemas de saúde mental que podem desencadear múltiplas consequências, tais como o sofrimento, isolamento social, diminuição da qualidade de vida e, por vezes, o suicídio. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), no relatório Mundial de Saúde, datado de 2001, é estimado que cerca de 450 milhões sofram de perturbações mentais, prevalência que aponta para que uma em cada quatro pessoas sejam afetadas por problemas desta natureza. Ainda de acordo com os dados apresentados no mesmo relatório, prevê-se que em 2020 cerca de 15% da população mundial tenha uma perturbação incapacitante. Contudo esta é uma temática que ainda carece de debate e, quando se debate, normalmente surge associada a factos ou ocorrências de caráter negativo. Gonzalez (2016) aponta como exemplo os meios de comunicação, onde, e de acordo com vários estudos, as imagens e referências à doença mental parecem ser comuns e que tais conteúdos são frequentemente mais negativos do que positivos. A ilustrar este exemplo, as personagens com doença mental são, na maioria das vezes, apresentadas como agressivas e violentas e, por norma, são os vilões das histórias.

As questões que se relacionam com saúde mental encerram em si grande complexidade, uma vez que afetam a pessoa no seu todo, na sua individualidade e na sua relação com os outros, assim como o contexto onde esta se insere. Contudo a importância da saúde mental nas nossas vidas está, ainda, longe de se fazer notar na forma como cada um age, tanto a nível coletivo como pessoal, aquando na presença de um problema de saúde mental.

Quando pensamos esta temática, de forma consciente, são múltiplas as questões que nos podem assolar: Quantas pessoas assumem um problema de saúde mental, mesmo quando os sinais não deixam dúvidas? E não sentem culpa ou vergonha? E pedem ajuda sem se martirizarem por achar que os outros vão considerá-las fracas? E a sociedade como é que se comporta?

A vida das pessoas com problemas desta natureza é, frequentemente, atormentada pelo estigma. Segundo a OMS, este é a maior causa de discriminação e exclusão, o que afeta a autoestima das pessoas, os seus relacionamentos pessoais e familiares, assim como constitui um entrave à prevenção e procura de ajuda.

De acordo com Goffman (2004), o estigma é um atributo depreciativo e que, aos olhos da sociedade serve para desacreditar a pessoa que o possui. Quando associado à saúde mental causa medo, por se tratar de uma situação desconhecida, exclusão, como já havia sido referido anteriormente, e um conjunto de falsas crenças que se baseiam na falta de conhecimento e de compreensão sobre saúde mental.

Desta feita, quando se fala de estigma em saúde mental, fala-se, invariavelmente, em ignorância, estereótipos, discriminação, mas também de preconceitos, pois sistematicamente nos esquecemos, ou desconhecemos, do quanto estas doenças são incapacitantes. Continua a persistir a ideia de que as pessoas que padecem de psicopatologia são violentas, perigosas e imprevisíveis. É indubitável que as doenças mentais são, ainda, percebidas como sinal de fraqueza havendo por isso um receio fundado, por parte destas pessoas, em ser rejeitado e/ou desvalorizado devido a uma questão de saúde, no caso mental, o que faz com que haja, muitas vezes, uma necessidade de omissão, como resposta adaptativa, de que se teve ou tem um problema de saúde mental.

Podendo estar relacionado com as reações da população, de modo geral, face à saúde mental e/ou com as crenças, internalizadas, do próprio relativamente à sua doença, o estigma constitui um prejuízo na vida da pessoa, retardando e, muitas vezes, impedindo a procura de ajuda e tratamento.

Por conseguinte existe motivo para que haja uma preocupação crescente e que seja repensada, criticamente, a forma como deixamos que o estigma que rotula negativamente quem padece de uma doença mental, se mantenha e continue a tomar a dianteira da ciência e humanismo. Não podemos descurar que este é um problema de todos, enquanto indivíduos e sociedade, e que a probabilidade de contactar ou vir a contactar com alguém com problemas de saúde mental deve estar bem presente.

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Apesar do muito que se tem feito pela Saúde Mental em Portugal, há ainda uma grande injustiça social para com as pessoas que sofrem com problemas desta natureza. A evolução das atitudes relativamente a esta matéria tem sido lenta. Uma porção significativa da população geral ainda não sabe reconhecer os sinais/sintomas de doenças mentais específicas (Oliveira & Azevedo, 2014).

Vários autores corroboram a ideia que só com informação de qualidade se pode combater o estigma associado à saúde da mente. De acordo com Corrigan (2004; 2016), importa reforçar a ideia de discussão sobre os assuntos relacionados com saúde mental. Afinal, o desconhecimento serve de combustível para as atitudes estigmatizantes de preconceito e discriminação que ainda se verificam nos dias de hoje. Se olharmos para as questões de saúde física e mental, facilmente verificamos o abismo que existe no tratamento de ambas. Todos os dias somos alertados para problemas de saúde física, tais como problemas cardiovasculares, diabetes, colesterol, entre outros, e da importância da prevenção e cuidados face aos mesmos, mas é escassa a informação que recebemos sobre questões de saúde mental e da sua importância.

É, portanto, da responsabilidade de cada um de nós tomar atitudes para diminuir o estigma associado à saúde mental. Interessa fazer-se passar a mensagem da importância que a saúde mental tem em todos e em cada um de nós. E que passemos a distinguir, de forma clara, o “ter uma doença mental” e o “ser doente mental”, uma diferença aparentemente subtil, mas que tem em si amplas implicações, pois facilmente se compreende que a doença faz parte da pessoa, mas que estas são muito mais do que esse detalhe das suas vidas. Cabe-nos o cuidado com a linguagem que, na maioria das vezes, amplifica a estigmatização.

Urge sensibilizar e investir na promoção da literacia em saúde mental das novas gerações numa tentativa de evitar que o estigma se instale. A literatura tem demonstrado que tanto a educação, quanto o contacto com a doença mental, têm um impacto significativo na redução do estigma e que o estigma e a discriminação, que prevalecem também a nível de políticas de saúde, sejam erradicadas e que as promessas apregoadas se cumpram. Por conseguinte, urge que se criem as condições para que as pessoas tenham acesso a e aos melhores cuidados nesta área.

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Bibliografia consultada

Corrigan, P.W. (2004). How Stigma Interferes With Mental Health Care. American Psychologist Association, 59 (7), 614 – 625.

Corrigan, P.W. (2016). Beating Stigma? Augment Good Intentions With the Critical Eye. American Psychologist Association, 1(1), 1-2.

Goffman, E. (2004). Estigma – Notas sobre a manipulação de Identidade. LTC.

Gonzalez, A. F.(2016). O stigma das Perturbações Mentais: Um Estudo Qualitativo pela voz das crianças. ISPA –Instituto Universitário, Lisboa, Portugal.

Organização Mundial de Saúde (2001). Relatório Mundial da Saúde Mental: nova concepção, nova esperança. Direcção Geral da Saúde.

Oliveira, A., & Azevedo, S. (2014). Estigma na doença mental: Estudo Observacional. Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, 30, 227 -234.

Imagens: HiveMiner 0) Nicole Favero 1) Buff Allognome

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