Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
– ele há tanta maneira de compor uma estante!
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
Mário Cesariny, in Discursos sobre a reabilitação do quotidiano real
Nos dias 23, 24 e 25 de novembro irão decorrer na Fundação Cupertino de Miranda os décimos primeiros encontros em torno da vida e obra do ícone maior do surrealismo português, Mário Cesariny.
A Fundação, detentora do legado do artista Mário Cesariny, um dos nomes grandes da cultura nacional, realiza anualmente estes Encontros com o intuito de homenagear aquele que é por muitos considerado o principal representante do Surrealismo português. Recorde-se que o artista foi poeta, antologista, pintor, historiador. Nasceu e viveu em Lisboa e teve uma vida bastante conturbada. Depois de um período em que permaneceu esquecido da maioria dos portugueses, seria redescoberto a partir dos anos 80 e desenvolveria ainda uma intensa atividade artística. Cesariny utilizou nas suas obras enumerações caóticas e automatismos, formas paródicas, humor negro, trocadilhos e outros jogos verbais e fantasias materiais.
Da programação constam o lançamento de livros do autor – Poesia e Um rio à beira do rio, o Caderno do Surrealismo 16, oficinas de expressão plástica direcionadas para o público escolar e sénior, pelo Serviço Educativo da Fundação, declamações de poesia na rua, pela Oficina Locomovente, e os espetáculos de teatro O Meu País é um Insuflável, pela Fértil – Associação Cultural e o concerto No Precipício Era o Verbo, por André Gago, António de Castro Caeiro, Carlos Barreto e José Anjos.
Como sempre, a entrada é livre.
Para saber mais, consulte o sítio da Fundação Cupertino de Miranda.