A evolução no campo religioso da sociedade em Portugal e Vila Nova de Famalicão

A evolução no campo religioso da sociedade em Portugal e Vila Nova de Famalicão

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Nas últimas décadas, Portugal tem tido transformações significativas no campo religioso da sociedade portuguesa, o que não deixou de repercutir-se no concelho de Vila Nova de Famalicão.

As transformações no campo religioso, que são indicadores do processo de secularização, estão associadas à industrialização, à urbanização e à influência do sistema educativo, dos meios da comunicação social e das tecnologias digitais na socialização dos indivíduos.

A secularização das sociedades não pode ser compreendida historicamente como um processo linear que elimina as esferas religiosas do tecido social, mas sim como um processo no qual alternam fases periódicas da secularização e da dessecularização. Isto é válido para as sociedades em geral e a sociedade portuguesa em particular.

Após uma forte vaga de secularização nas décadas posteriores ao final da Segunda Guerra Mundial, atualmente constata-se uma revalorização da espiritualidade, embora sob novas formas.

A realidade religiosa das sociedades contemporâneas e da sociedade portuguesa em particular está associada ao reconhecimento da liberdade religiosa como pilar fundamental da cidadania.

A evolução dsa liberdade rekligiosa em Portugal

O cristianismo entrou na Península Ibérica e consequentemente em Portugal no século II da nossa era, no contexto da diversidade religiosa que caraterizava o Império Romano.

A partir do século IV, abriu-se caminho para a promoção do cristianismo como religião oficial do Império Romano, suprimindo gradualmente o paganismo. Após diversas vicissitudes, o catolicismo sobrepôs-se a outras linhagens cristãs, como o arianismo e o priscilianismo.

Com a independência de Portugal, no século XII, o cristianismo, na sua vertente católica romana, consolidou-se como religião dominante e oficial do Estado. Na Idade Média, os judeus e os muçulmanos foram reconhecidos como minorias oficialmente reconhecidas, embora com direitos limitados.

A partir do final do século XV, houve a conversão forçada das minorias judaica e islâmica e a expulsão dos que não aderiram a essa conversão forçada. O catolicismo triunfante e a ausência histórica de experiências pluralistas religiosas no país marcaram, de forma indelével, o campo religioso português.

As três Constituições da monarquia liberal (1822, 1826 e 1838) tinham em comum a afirmação do catolicismo como religião oficial do Estado.

A implantação da Primeira República, em 1910, gerou um Estado laicista, que tentou submeter a sociedade aos princípios de uma descristianização agressiva, e procurou tutelar a igreja Católica e as demais confissões religiosas, embora a partir de 1918 houve uma tendência para certo apaziguamento conciliador.

A Segunda República, implantada em 1926, teve uma situação complexa no que respeita à liberdade religiosa. A Constituição de 1933 reconhecia a liberdade religiosa na sua dimensão individual e comunitária. Em 1940, foi celebrada a concordata entre o Estado português e a Santa Sé, que consagrou um tratamento claramente diferenciado e privilegiado ao catolicismo, colocando-o numa situação de supremacia face às outras confissões religiosas. Inclusivamente, houve situações de perseguição a organizações espirituais não católicas, nomeadamente o espiritismo e os Testemunhas de Jeová.

Na fase marcelista da Segunda República, foi publicada legislação que reconheceu o direito das confissões religiosas a igual tratamento, ressalvadas as diferenças impostas pela sua diversa representatividade e previu um sistema de reconhecimento das confissões não católicas.

A Terceira República, nascida da revolução de 25 de abril de 1974 e constitucionalizada pela Lei Fundamental de 1976, consagrou o direito à liberdade religiosa e o princípio da separação entre os poderes públicos e as confissões religiosas, em moldes substancialmente inovadores. Criaram-se condições para o desenvolvimento de um Estado laico, baseada no respeito pela diversidade religiosa da sociedade e na cooperação com as confissões religiosas.

Em termos estritamente jurídicos, Portugal dispõe atualmente de um quadro de ampla liberdade religiosa, porventura sem precedentes na História nacional. Através da Constituição da República de 1976 (com várias revisões) e da Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º 16/2001, de 16 de junho), a liberdade religiosa está plenamente consagrada no ordenamento jurídico do Estado português.

Contudo, é importante ter em conta as diferenças entre os diplomas legais e a experiência efetiva da liberdade religiosa pelas diversas confissões religiosas e espirituais presentes na sociedade portuguesa, dado que o quadro das relações entre os diversos poderes públicos do Estado português (Estado nacional, Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e Autarquias Locais) e as confissões religiosas, não tem sido uniforme no tempo e no espaço.

A evolução do campo religioso em Vila Nova de Famalicão 

Tendo como base as declarações de pertença ou filiação religiosa recolhidas nos Censos da população, a percentagem dos indivíduos que se afirmavam como católicos rondava, em 1950, os 96% a nível nacional. No caso específico do Ave, no qual se inclui o concelho de Vila Nova de Famalicão, a percentagem era superior a 99%. Nas últimas décadas, a situação de quase monopólio do campo religioso pelo catolicismo já não verifica, embora este seja a religião largamente maioritária. Pode falar-se numa situação de pluralização religiosa. Surgiram outros modelos de religiosidade, traduzidos na implantação de outras confissões religiosas, nomeadamente ligadas ao protestantismo.

Segundo os Censos de 2021, 80,2% dos portugueses afirmavam-se como católicos. Os números anunciados registam mudanças quanto à percentagem dos que se afirmam sem religião, que passaram de 6.84% em 2011 para 14.087% em 2021.

No que se refere às gerações mais jovens, um estudo feito pelas mais importantes universidades católicas da Europa e divulgado em 2019 mostrava que 42% dos jovens portugueses entre os 16 e os 29 anos não se identificavam com nenhuma religião. No que toca aos restantes 58%, a esmagadora maioria (53%) identificava-se com o catolicismo. No que se refere à prática religiosa, 27% dos jovens portugueses declaravam que frequentavam regularmente a eucaristia dominical.

Não se conhecem dados de âmbito concelhio, mas existem evidências de que as identidades religiosas dos famalicenses não serão muito diferentes dos seus pares a nível nacional.

No interior do catolicismo, a principal confissão religiosa, tem havido mudanças, muitas delas decorrentes das reformas adotadas na sequência do Concílio Vaticano II. Por outro lado, tem havido um declínio significativo da prática religiosa.

Em 2001, de acordo com o último recenseamento da prática dominical efetuado, 37,3% dos católicos tinham uma prática dominical regular. Um dado relevante é o facto das taxas de participação femininas nas assembleias litúrgicas serem superiores às masculinas, em todos os grupos etários.

O catolicismo tem tentado afirmar e configurar a sua influência, através do desenvolvimento de uma vasta rede de organizações sociais, como os centros sociais paroquiais, e de movimentos juvenis, como o escutismo e os grupos de jovens.

É importante ter em conta que no concelho persiste uma influência significativa de determinadas formas de religiosidade católica, nomeadamente os ritos de passagem (casamentos, batizados, funerais, etc.) e a participação em romarias ou festas locais (religiosidade popular).

Uma das principais transformações verificadas no campo religioso tem sido a sua progressiva individualização ou privatização.

A reformulação da religiosidade em espaços individuais iniciou-se, sobretudo, com a queda da autoridade religiosa tradicional e tem sido designada através de vários conceitos, como os de “religiosidade bricolage” ou “religiosidade à la carte”.

A denominada religiosidade bricolage é uma abordagem à espiritualidade que consiste numa prática espiritual personalizada que permite que as pessoas construam as suas próprias práticas espirituais com base em elementos diversos, muitas vezes oriundos de diferentes tradições religiosas, filosofias e práticas espirituais

A religiosidade bricolage assume diversas caraterísticas.

Em primeiro lugar, o ecletismo, Os praticantes de religiosidade bricolage muitas vezes incorporam práticas e crenças de várias tradições religiosas. Eles podem adotar elementos do cristianismo, budismo, espiritualidade da Nova Era, entre outras linhagens. Por exemplo, existem casos de indivíduos que complementam, por exemplo, uma peregrinação a Fátima ou a Santiago de Compostela com aulas de yoga. Outra evidência é a disseminação crescente da crença na reencarnação.

Em segundo lugar, a individualização. Cada pessoa constrói a sua trajetória espiritual, explorando diferentes tradições e práticas para construir uma compreensão mais ampla e pessoal da espiritualidade.

Em terceiro lugar, a superação do dogmatismo. Os praticantes de religiosidade bricolage evitam dogmas religiosos rígidos e estruturas hierarquizadas, preconizando uma visão da espiritualidade baseada na diversidade, na tolerância e em estruturas mais flexíveis.

O declínio da religiosidade tradicional tem sido acompanhado por um aumento das ofertas religiosas, muitas delas ligadas com a espiritualidade da Nova Era.

A Nova Era é um conjunto diversificado de movimentos e grupos que preconizavam uma visão holística, mística e plural e intercultural da espiritualidade. Inspira-se em várias tradições religiosas e filosóficas, na sabedoria esotérica antiga e em ensinamentos contemporâneos, enfatizando o desenvolvimento pessoal, o bem-estar holístico e a interconexão de toda a existência.

Um aspeto relevante da espiritualidade da Nova Era é a valorização dos aspetos femininos e masculinos do sagrado.

Com efeito, a espiritualidade ligada com o sagrado feminino está novamente em evidência, inclusivamente a nível local, o que tem uma génese histórica. Com efeito, a valorização do sagrado feminino está historicamente ligada à devoção a Maria, a mãe de Jesus, muito presente numa multiplicidade de templos e festividades, e a Maria Madalena, que é sido orago da Igreja Matriz Velha de Vila Nova de Famalicão.

Há que ter em consideração o impacto do fluxo dos migrantes oriundos da América do Sul (sobretudo do Brasil), do subcontinente indiano e da Europa de Leste no campo religioso da sociedade famalicense. Com efeito, tem havido um aumento especialmente significativo dos estrangeiros residentes e da sua representatividade na população residente. Em termos de nacionalidades presentes no concelho, os países mais bem representados são as seguintes: Brasil, Ucrânia, Índia e China.

Tal como aconteceu no conjunto das sociedades ocidentais, a espiritualidade no concelho de Vila Nova de Famalicão tem mudado de rosto, mostrando que a espiritualidade, na sua diversidade, é considerada como um caminho privilegiado de crescimento e de transformação da pessoa humana.


Imagem: Daniel Faria + José Alves /  Inbox Fotografia


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Acerca do Autor

Daniel Faria

Nasceu em 1975, em Vila Nova de Famalicão. Licenciado em Sociologia das Organizações pela Universidade do Minho e pós-graduado em Sociologia da Cultura e dos Estilos de Vida pela mesma Instituição. É diplomado pelo Curso Teológico-Pastoral da Universidade Católica Portuguesa. Em 1998 e 1999, trabalhou no Centro Regional da Segurança Social do Norte. Desde 2000, é Técnico Superior no Município de Vila Nova de Famalicão. Valoriza as ciências sociais e humanas e a espiritualidade como meios de aprofundar o (auto)conhecimento, em sintonia com a Natureza e o Universo. Dedica-se a causas de voluntariado. É autor do blogue pracadasideias.blogspot.com e da página Espiritualidade e Liberdade.

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