Afinal estas coisas inventam-se
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João Galamba foi (e eventualmente é) o ministro mais mal-amado deste Governo. Alvo constante da oposição. Espinha cravada na garganta do Presidente da República, desde que lhe deu posse totalmente contrariado e a contragosto. Contra tudo e contra todos, António Costa indica-o como ministro das Infraestruturas e segura-o nas tempestades.
Este processo do lítio – concessão de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas) – dura há quase 4 anos. Foi, aliás, várias vezes trazido a público, seja pela comunicação social, seja pelo próprio debate político.
Uma suspeita surreal sobre António Costa
O momento em que um vazio e enigmático parágrafo de um comunicado do Gabinete de Imprensa da Procuradoria-Geral da República é lançado para o espaço público, simultaneamente com um conjunto de buscas e constituição de arguidos (que não são, por si só, culpados) não é inócuo ou inocente.
A suspeita (??) lançada sobre o Primeiro-ministro é, no preciso momento, muito mais surreal.
No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido.
Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de justiça, por ser esse o foro competente.
(do comunicado da Procuradoria-geral da República)
Ou seja… António Costa escolhe o ministro João Galamba para encerrar o debate da discussão, na generalidade, da proposta de lei do Orçamento do estado para 2024. Cai o Carmo e a Trindade, a direita rasga vestes, qual virgem ofendida. Marcelo Rebelo de Sousa remata:
“Com os problemas que tem o mundo e com os problemas que tem o país, qual é a importância disso? Zero.”
A suspeita concreta do envolvimento de Marcelo Rebelo de Sousa numa cunha no SNS
Surge, no espaço mediático e público, a suspeita de envolvimento do nome do Presidente da República numa alegada interferência para o tratamento de duas crianças gémeas, no SNS, que tem o custo de 4 milhões de euros.
Com “Belém” debaixo do fogo, agravado pelas declarações de Marcelo Rebelo de Sousa em relação à guerra Israel-Hamas, rebenta esta bomba judiciária e judicial.
A demissão de António Costa acontece porque… “estas coisas, afinal, inventam-se”
Estas coisas, afinal, inventam-se. Sem se perceber e sem explicações cabais, recai uma suspeição sobre a principal figura do Governo que leva à sua demissão.
O Governo não cai por causa das suas medidas políticas e da sua governação. O Governo cai porque há, no entendimento do Ministério Público, um diz que disse que envolve o nome de António Costa.
Curiosamente, um semelhante diz que disse envolve o nome do Presidente da República.
Sobre este recai a dúvida e o (inquestionável) valor da presunção de inocência.
Sobre o primeiro, recai a ira política da oposição, nomeadamente da direita que, entretanto, vai lançando os foguetes e apanhando as canas, como se este fosse um momento para celebrar o que quer que seja. Não é.
Como é que fica o país, como é que ficam os portugueses, como é que fica a própria justiça (e já sabemos qual é a opinião dos portugueses sobre a justiça em Portugal) se tudo não passou de uma mera suspeição sobre António Costa? É isto um Estado de Direito?
Manifesta impreparação e qualidade da oposição
O país estabilizou as suas contas, a recuperação económica é uma das mais expressivas na Europa, preparava-se a aprovação de um orçamento que aumentava salários, aumentava prestações sociais, aumentava investimento público e investimento em setores, aumentava as condições para que os jovens se fixassem no país, aumentava as condições para enfrentar a crise na habitação, baixava taxas de IRS… num momento em que se prepara o Quadro 2023, em que se arranca com o PRR, num momento em que alguns setores negoceiam condições profissionais (como os médicos, por exemplo), que discute a localização do novo aeroporto ou a privatização da TAP, o que os portugueses menos precisavam, neste momento, era que o país regredisse, desse um colossal passo atrás, voltasse aos tempos (ainda bem frescos na memória de todos nós) dos cortes salariais, das pensões, das condições de vida.
E, principalmente, o país não precisava, neste preciso momento, de ficar suspenso numa oposição que não oferece qualquer garantia política e, muito menos, qualquer consistência de alternativa governativa, por manifesta impreparação e qualidade.
A festa pelo afastamento de António Costa e a queda do Governo chegam ao ridículo profissional
Mas, infelizmente, a festa está feita e para gáudio de muitos. O PSD já esfrega as mãos, já retomou a sua demagogia populista vazia (não é inocente, nem mera coincidência, o facto de todos os partidos se terem manifestado logo após a comunicação de António Costa e só o PSD ter agendado o seu comentário para as 20:00 – horário nobre na televisão). Mesmo que seja um cenário político mais que improvável, era bom que o PSD, se tivesse ética partidária, se lembrasse do que aconteceu com o partido após a “fuga” de Durão Barroso e a indicação de Santana Lopes para Primeiro-ministro.
Obs: texto previamente publicado no blogue Debaixo dos Arcos, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.
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