‘Berlim Me Mata’

‘Berlim Me Mata’

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E depois de ter dado umas palestras sobre a melancolia na arte, eis que em Berlim tive a imensa sorte e prazer em me deparar com uma exposição do grande Albrecht Dürer, autor da célebre “Melancolia I”. Uma exposição única de 130 desenhos e gravuras maiores do grande mestre alemão do Renascimento. De arrepiar, pela qualidade de tantas obras-primas tão belamente apresentadas. “Dürer fur Berlin”, por si só, se não houvesse muito mais (como houve) valeria a viagem.

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Berlim, uma loucura em museus

Berlim tem 160 museus, uma loucura! E em nenhum se paga mais do que em Serralves. Numa semana, quase sempre de manhã, armado de passe geral, visitei alguns com bom desconto quer na “Ilha dos Museus” quer no Kulturforum, além do belo Museu do Cinema, presenciando excelentes exposições desde a arte da antiguidade pré-clássica até à mais actual.

Em dois dos museus da capital da Alemanha deparei-me com estes dois “monstros” da arte contemporânea: Gerhard Richter, cujo trabalho extremamente variado, constitui uma reflexão sobre as possibilidades da pintura hoje; e Anselm Kiefer, mais preocupado em reflectir e, a seu modo, fazer a catarse do lado mais obscuro do imperialismo e do militarismo alemão, e em especial do nazismo. De Kiefer já havia visitado há anos uma grandiosa retrospectiva no museu (agora extinto) da Fundação Fenosa, na Corunha. E foi uma experiência sublime! Agora, aqui, em Berlim, a mesma sensação, mas mais com a centena de obras maiores de Richter no Neue Museum. Entre elas, destaco os grandes quadros que pintou a partir das raras fotografias tiradas clandestinamente por um sonderkommando registando a incineração ao ar livre de corpos de prisioneiros no campo de concentração de Birkenau. Fiquei encostado à parede! Onde, mesmo diante de temas tão terríveis, e sem retirar a dignidade que eles merecem (como na Guernica de Picasso), podemos ter uma inolvidável experiência estética.

Tudo convive em Berlim

MMM (Madrid Me Mata) era um dos slogans e nome de uma revista da movida madrilena, que tive o prazer de frequentar ainda na primeira metade dos idos anos oitenta, época feliz e de todas as expectativas e ilusões que marcariam ainda o nosso imaginário até aos primeiros anos da de noventa, já que a leste da Europa caía o muro de Berlim e, sem a “guerra-fria”, imaginámos um futuro de paz e prosperidade na Europa. Infelizmente, enganámo-nos. Mas voltemos à movida, desta vez, colando a palavra ao que acontece em vários bairros de Berlim oriental, especialmente nos de Kreuzeberg e Neukolin, onde passei quase todos os fins de tarde e me infiltrei na vida nocturna. São longas avenidas arborizadas, praças encantadoras, parques amenos de verde e água, vastas zonas de passeio a pé e bicicleta, onde tudo acontece e se dá a provar aos cinco sentidos.

Multicultural e cosmopolita, tradicional e moderna, tudo convive nesta Berlim cheia de esplanadas, lojas de second hand, mercearias, e por onde circulam e convivem as “tribos” mais diversas. Enfim, lazer e festa, entre a intensidade de uma cultura underground mais noctívaga e uma atmosfera geral muito cool, como a que vivi no bairro de Bergmannkies. O jazz aqui tem também a sua casa. E, claro, a boa cerveja, bons vinhos e a colorida e saborosa culinária dos mais variados lugares do mundo, sem nos assaltarem a carteira.

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Berlim mais barata do que Lisboa

E confirmo: é mais barato movimentarmo-nos, bebermos e comermos em Berlim do que em Lisboa. Gastei menos dinheiro numa semana em Berlim do que gastaria em menos dias em Lisboa (Hotel incluído).

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Confronto com a história a barbárie humana

Uma visita destas não seria para mim um mero passeio turístico. Depois de tudo o que esta cidade representou historicamente – falando “apenas” do terror nazi e, depois dele, da guerra-fria e do Muro, o seu símbolo maior – ir a Berlim implicaria, em termos de consciência pessoal, um confronto com a história e a barbárie humana.

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Por isso, fui logo ao Memorial às vítimas do Holocausto e à Bebelplatz, onde em 1933 se realizou a “queima dos livros”, e percorri vagarosamente os quase quilómetro e meio que sobram do muro, com pinturas de 180 artistas. Olhei tudo com silencioso respeito, sentei-me depois para escrever umas notas sobre as minhas impressões, mas isso fica só comigo. Anexo imagens. Adiante…

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Berlin é uma cidade-espectáculo e isso significa também exibição de poder político, económico e financeiro. Mas tem um belo traçado urbanístico, com o verde e a água do ramificado dos seus vários rios sempre a pontuarem. É imprescindível percorrer as longas avenidas como a Unter den Lindem (já não tive pernas para a enorme Karl-Marx Allee nem para ir fazer a minha homenagem a Walter Benjamin na praça com o seu nome). Predomina uma arquitectura de excelência, aliás, são berlinenses alguns dos melhores estúdios de arquitectura do mundo. E não esquecer que os modernistas Walter Gropius e Mies van der Rohe, respectivamente primeiro e último director da Bauhaus, aqui deixaram marcas. Ainda bem que Hitler não teve tempo para concretizar o megalómano plano da arquitectura do poder nazi concebido por Albert Speer. A cidade preserva aqui ou ali alguns testemunhos dos bombardeamentos da II Guerra, como a torre da igreja de extenso e complicado nome, que deixo em imagem.

Claro que fiz os rodopios do turista: fiz-me fotografar diante da porta de Brandeburgo, hoje símbolo da reunificação; fotografei o Reichstag de alguns ângulos (havia obras) e lembrei-me do Christo Javacheff que o “embrulhou” em 1995, com a colaboração da mulher, Jeanne Claude.

Uma cidade-mundo com tanto para ver

Tive pena de não poder visitar o museu-arquivo da Bauhaus, por estar temporariamente encerrado. Berlim foi o último sítio desta grande escola de arte iniciada em Weimar, antes de Hitler a encerrar em 1933. Tive pena de não subir à cúpula envidraçada do Reichstag, obra-espectáculo de Norman Foster. Aqui as bichas assustavam. Tive também pena de não ter explorado devidamente o grande e belo parque de Tiergarten ou não ter entrado na catedral do Dom, que só vi por fora. Mas visitei belíssimas igrejas protestantes e fugi como o diabo da cruz dos megacentros comerciais.

Berlim, também uma das capitais maiores da Sétima Arte

O cinema não podia escapar numa das 3 cidades dos maiores festivais europeus da sétima arte. Berlim e cinema, em pavloviano reflexo, levam-me logo a filmes como “As Asas do Desejo” (Wim Wenders) ou “Adeus, Lenine!” (Wolfgang Becker). Então deliciei-me no belo Museu do Cinema em que tudo se vê na magia e semi-obscuridade a evocar a das salas de cinema. E lá estavam as maquetes dos prédios de “Metrópolis” (Fritz Lang) ou do barco de “Fitzcarraldo” (Werner Herzog). E agarrando esta pontinha cinematográfica, despeço-me com Marlene Dietrich, hiper-representada neste museu, a cantar “Ich Hab Noch Einem Koffer En Berlin”.

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Imagens: 0, 4 ) AS; 1) Albrecht Dürer; 2) Jonas Tebbe / Unsplash, 3) Levin / Unsplash, 5) Michael Fousert / Unsplash, 6) Justina Burzynski / Unsplash, 7) Hervé Pratt s/ Christo Javacheff / Unsplash, 8) Giovanni Cardinali s/ Metropolis

Obs: texto previamente publicado na página facebook de Amadeu santos, com ligeiras adequações editoriais.


Uma ida ao museu da música – Festival de Paredes de Coura ’23

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Acerca do Autor

Amadeu Santos

Amadeu Santos nasceu em Guimarães, em 1953. Licenciou-se em Artes Plásticas/Pintura pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto. É professor aposentado do ensino secundário. Leccionou Cultura Contemporânea na Escola Superior Artística do Porto (extensão de Guimarães). Como artista, trabalhou para diferentes galerias e expôs individual e colectivamente no país e no estrangeiro. Fez diversas palestras e orientou diversos cursos livres nas áreas da cultura artística. Trabalhou em jornalismo em Lisboa. Foi director da revista Defacto.

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