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Para o início de um curso de literatura que ministro na Universidade intitulado “Histórias de Amor”, foi escolhido como tema o amor à primeira vista.
Para os seus detratores, o amor à primeira vista deve ser uma ilusão, pois entendem esta como a expressão errada para o que é simplesmente a paixão, ou então uma forma de adoçar a luxúria.
“Se acreditas nessa ideia,” dizem, “és um tolo.”
Na minha aula, cito um episódio de “Vidas de Escritório / The Office” – uma série onde o dia de trabalho de um conjunto de trabalhadores de escritório consiste em conflitos de ego e comportamento inadequado – em que Michael Scott, gerente regional da Dunder Mifflin, é um idiota. Impressionado com uma modelo num catálogo de móveis de escritório, Michael promete encontrá-la em carne e osso, apenas para descobrir que o amor da sua vida entretanto faleceu.
Desesperado, mas ainda determinado, visita o seu túmulo e canta para ela um comovente requiem, ao som de “American Pie”.
Se você se apaixonar por alguém que acabou de conhecer, você questionar-se-á se deveria dar tanto peso a esse sentimento – e correrá o risco de acabar como Michael.
Psicólogos e neurocientistas tentaram encontrar algumas respostas. Mas eu diria que para obter a melhor orientação, não olhe para nem ouça o que estes dizem, mas antes para Shakespeare.
Peneirando a ciência
Mesmo numa aula adaptada para românticos, quando questiono os meus alunos sobre se acreditam no amor à primeira vista, cerca de 90% dos 250 alunos indicam que não.
Pelo menos um estudo sugere que todos nós concordamos com os meus alunos. Assim como eles, os participantes deste estudo acreditam que o amor leva tempo. Duas pessoas se conhecem e podem ou não se apaixonar no primeiro encontro. Eles gradualmente desenvolvem uma compreensão íntima um do outro. E então, e só então, eles se apaixonam. É assim que o amor funciona.
Então, novamente, talvez sejamos mais parecidos com Michael Scott do que pensamos. Outras pesquisas sugerem que a maioria de nós realmente acredita no amor à primeira vista. Muitos de nós dizemos que já o experimentamos.
O que diz a ciência do cérebro? Alguns estudos afirmam que podemos distinguir claramente o que acontece no nosso cérebro no momento da atração inicial – quando predominam as substâncias químicas relacionadas com o prazer, a excitação e a ansiedade – do que acontece no verdadeiro apego romântico, quando as hormonas de apego como a oxitocina assumem o controlo .
Mas outros estudos não aceitam uma rutura tão evidente entre a química do amor à primeira vista e a do amor “verdadeiro”, sugerindo, em vez disso, que o que acontece no cérebro à primeira vista pode assemelhar-se ao que acontece mais tarde.
Independentemente de as reações químicas no amor à primeira vista e no amor romântico de longo prazo serem semelhantes, a questão mais profunda persiste.
Assim sendo, será que o amor à primeira vista merece o nome de amor?
O peso de Shakespeare
Embora a ciência e as investigações pareçam não conseguir chegar a uma resposta definitiva, William Shakespeare consegue-o. Citado como uma autoridade em quase todos os estudos recentes sobre o amor, Shakespeare mostra como o amor à primeira vista pode ser um amor tão verdadeiro quanto qualquer outro.
Vejamos como os seus amantes se conhecem em “Romeu e Julieta”.
Romeu, apaixonado por Julieta no baile dos Capuleto, reúne a necessária coragem para falar com ela, mesmo sem saber o seu nome. Quando ele o faz, ela não apenas responde. Juntos, eles proferem um soneto:
Romeu:
Se eu profanar com a minha mão indigna
este santuário sagrado, o pecado gentil é este:
Os meus lábios, dois peregrinos corados, estão prontos
para suavizar aquele indelicado toque com um terno beijo.
Julieta:
Bom peregrino, você faz muito mal à sua mão,
o que mostra uma delicada devoção com esse gesto;
Pois os santos têm mãos que as mãos dos peregrinos tocam,
E entre palma com palma é sagrado o beijo.
Romeu:
Não têm os santos lábios sagrados, e palmas também?
Julieta:
Sim, peregrino, lábios que devem usar na oração.
Romeu:
Ó, então, santinha, que os lábios façam o que as mãos fazem!
Eles rezam. Que a fé se não transforme em desespero!
Julieta:
Os santos não se movem, embora concedam em nome das orações.
Romeu:
Nesse caso não te movas até que a oração faça o seu efeito.
Mesmo sendo o primeiro encontro, os dois conversam de forma dinâmica e inventiva – um vaivém intenso que iguala o amor à religião. Os poemas de amor normalmente são falados por um amante a uma pessoa amada, como em muitos dos próprios sonetos de Shakespeare ou no requiem de Michael. Geralmente, há uma voz. Não no caso de Romeu e Julieta – e a energia entre os dois é tão impressionante quanto patética.
Nos primeiros quatro versos, Romeu privilegia os lábios em detrimento das mãos, numa tentativa de beijo. Nas quatro linhas seguintes, Julieta discorda de Romeu. Ela afirma que, na verdade, as mãos são melhores. Dar as mãos é o seu próprio tipo de beijo.
Romeu continua, notando que santos e peregrinos têm lábios. Já que sim, os lábios não devem ser tão maus assim. Eles devem ser usados.
Mas, novamente, Julieta responde prontamente a Romeu: os lábios devem ser usados, sim – mas para rezar, não para beijar. Romeu tenta pela terceira vez resolver a tensão dizendo que o beijo, longe de se opor à oração, é na verdade uma forma de rezar. E talvez beijar seja como rezar, como pedir por um mundo melhor. Julieta finalmente concorda, e os dois finalmente se beijam, após um dístico que sugere que se encontram em harmonia.
Romeu e Julieta têm obviamente ideias irrealistas. Mas eles conectam-se de uma forma tão poderosa – imediatamente – que não é generoso dizer que a sua religião de amor é apenas uma tolice. Não podemos descartar isso da mesma forma que podemos troçar de Michael Scott. Este não é um homem com um catálogo de móveis de escritório ou dois foliões num clube.
O facto de dois estranhos poderem compartilhar um soneto durante a fala significa que eles já compartilham uma conexão profunda – que são incrivelmente recetivos um ao outro.
Do que temos tanto medo, afinal?
Por que quereríamos rejeitar Romeu e Julieta ou aqueles que afirmam ser como eles?
Conversamos com entusiasmo sobre conhecer alguém e como “nos damos bem” ou “realmente nos demos bem” – como nos sentimos intimamente familiarizados, mesmo que tenhamos acabado de nos conhecer. Esta é a nossa maneira de acreditar no amor de baixa qualidade à primeira vista, ao mesmo tempo que desprezamos a sua forma plena.
Imagine se fizéssemos o que Romeu e Julieta fazem. Eles mostram os sinais que tendemos a considerar como marcas de amor “maduro” – paixão profunda, intimidade e compromisso – de imediato. Para Shakespeare, se você nutre esses sentimentos, então você ama, quer demore apenas seis minutos ou seis meses a atingir esse estado.
É fácil dizer que as pessoas não se amam quando se conhecem porque não se conhecem e não tiveram a hipótese de formar um vínculo verdadeiro. O próprio Shakespeare sabe que existe luxúria e o que hoje chamaríamos de paixão. Ele não é tacanho.
Ainda assim, o poeta e dramaturgo maior de língua inglesa, lembra-nos – com a mesma veemência com que seremos lembrados – que algumas pessoas, de imediato, se conhecem profundamente. O amor dá-lhes uma visão um do outro. O amor faz com que eles se comprometam um com o outro. O amor torna-os inventivos. Sim, e isso também os torna ridículos.
Mas isso é apenas mais uma das glórias do amor: tornar o ridículo permitido.
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Should we scoff at the idea of love at first sight?
James Kuzner, Brown University
For a lecture course I teach at Brown University called “Love Stories,” we begin at the beginning, with love at first sight.
To its detractors, love at first sight must be an illusion – the wrong term for what is simply infatuation, or a way to sugarcoat lust.
Buy into it, they say, and you’re a fool.
In my class, I point to an episode of “The Office,” in which Michael Scott, regional manager for Dunder Mifflin, is such a fool: He’s blown away by a model in an office furniture catalog. Michael vows to find her in the flesh, only to discover that the love of his life is no longer living. Despairing, but still determined, he visits her grave and sings to her a stirring requiem, set to the tune of “American Pie”:
Bye, bye Ms. Chair Model Lady
I dreamt we were married and you treated me nice
We had lots of kids, drinking whiskey and rye
Why’d you have to go off and die?
This might as well be a funeral for love at first sight, since all of this comes at delusional Michael’s expense.
If you find yourself smitten with someone you’ve only just met, you’ll question whether you should give the feeling so much weight – and risk ending up like Michael.
Psychologists and neuroscientists have tried to find some answers. But I would argue that for the best guidance, don’t look there – look to Shakespeare.
Sifting through the science
Even in a class tailored to romantics, when I poll my students about whether they believe in love at first sight, around 90 percent of the 250 students indicate they don’t.
At least one study suggests that the rest of us agree with my students. Like them, participants in this study believe that love takes time. Two people meet and may or may not be infatuated upon first meeting. They gradually develop an intimate understanding of each other. And then, and only then, do they fall in love. That’s just how love works.
Then again, maybe we’re more like Michael Scott than we think. Other surveys suggest that most of us indeed do believe in love at first sight. Many of us say we’ve experienced it.
What does brain science say? Some studies claim that we can clearly distinguish what happens in our brains at the moment of initial attraction – when chemicals related to pleasure, excitement and anxiety predominate – from what happens in true romantic attachment, when attachment hormones like oxytocin take over.
But other studies don’t accept such a clean break between the chemistry of love at first sight and of “true” love, instead suggesting that what happens in the brain at first blush may resemble what happens later on.
Regardless of whether chemical reactions in love at first sight and longer-term romantic love are alike, the deeper question persists.
Does love at first sight deserve the name of love?
Shakespeare weighs in
While science and surveys can’t seem to settle on a definitive answer, Shakespeare can. Cited as an authority in nearly every recent book-length study of love, Shakespeare shows how love at first sight can be as true a love as there is.
Let’s look at how his lovers meet in “Romeo and Juliet.”
Romeo, besotted with Juliet at the Capulet ball, musters the courage to speak with her, even though he doesn’t know her name. When he does, she doesn’t just respond. Together, they speak a sonnet:
Romeo: If I profane with my unworthiest hand
This holy shrine, the gentle sin is this:
My lips, two blushing pilgrims, ready stand
To smooth that rough touch with a tender kiss.
Juliet: Good pilgrim, you do wrong your hand too much,
Which mannerly devotion shows in this;
For saints have hands that pilgrims' hands do touch,
And palm to palm is holy palmers' kiss.
Romeo: Have not saints lips, and holy palmers too?
Juliet: Ay, pilgrim, lips that they must use in prayer.
Romeo: O, then, dear saint, let lips do what hands do!
They pray; grant thou, lest faith turn to despair.
Juliet: Saints do not move, though grant for prayers' sake.
Romeo: Then move not, while my prayer's effect I take.
Even though it’s their first encounter, the two converse dynamically and inventively – an intense back-and-forth that equates love with religion. Love poems typically are spoken by a lover to a beloved, as in many of Shakespeare’s own sonnets or Michael’s requiem. Generally, there’s one voice. Not in the case of Romeo and Juliet – and the energy between the two is as stunning as it is silly.
In the first four lines, Romeo privileges lips over hands, in a bid for a kiss. In the next four lines, Juliet disagrees with Romeo. She asserts that, actually, hands are better. Holding hands is its own kind of kiss.
Romeo keeps going, noting that saints and pilgrims have lips. Since they do, lips mustn’t be so bad. They should be used.
But again, Juliet answers Romeo readily: Lips are to be used, yes – but to pray, not to kiss. Romeo tries a third time to resolve the tension by saying that kissing, far from being opposed to prayer, is in fact a way of praying. And maybe kissing is like praying, like asking for a better world. Juliet at last agrees, and the two do kiss, after a couplet which suggests that they are in harmony.
Romeo and Juliet obviously have unrealistic ideas. But they connect in such a powerful way – right away – that it’s ungenerous to say that their religion of love is only silly. We can’t dismiss it in the same way we can mock Michael Scott. This is not a man with an office furniture catalog, or two revelers grinding at a club.
That two strangers can share a sonnet in speech means that they already share a deep connection – that they are incredibly responsive to each other.
What are we so afraid of?
Why would we want to dismiss Romeo and Juliet or those who claim to be like them?
We talk excitedly about meeting someone and how we “click” or “really hit it off” – how we feel intimately acquainted even though we’ve only just met. This is our way of believing in low-grade love at first sight, while still scorning its full-blown form.
Imagine if we did what Romeo and Juliet do. They show the signs that we tend to regard as hallmarks of “mature” love – profound passion, intimacy and commitment – right away. For Shakespeare, if you have this, you have love, whether it takes six months or six minutes.
It’s easy to say that people don’t love each other when they first meet because they don’t know each other and haven’t had a chance to form a true attachment. Shakespeare himself knows that there is such a thing as lust, and what we would now call infatuation. He’s no fool.
Still, he reminds us – as forcefully as we ever will be reminded – that some people, right away, do know each other deeply. Love gives them insight into each other. Love makes them pledge themselves to each other. Love makes them inventive. Yes, it also makes them ridiculous.
But that’s just another of love’s glories. It makes being ridiculous permissible.
James Kuzner, Associate Professor of English, Brown University
This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.
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