Voltemos às favas

Voltemos às favas

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Todos os anos, pelos meses de Abril e Maio, regressamos às favas. Semeadas  entre Novembro e Dezembro, fazem-se presente na mesa primaveril desde tempos antigos. É um legume mediterrânico por excelência e, por isso, podemos reportá-lo desde há três ou quatro mil anos atrás, a ser consumido no território que hoje é Portugal, sendo também popular em toda a civilização grega e romana.

Já aqui fiz uma crónica sobre favas e não era suposto voltar-lhe, mas ao longo desta época as favas têm surgido e… perturbado: nas receitas que fiz cá em casa; nas ementas dos restaurantes; num podcast que me surpreendeu (ou não!) pela pobreza literária e histórica; numa crónica do Ricardo Soares, publicada no Diário do Minho, sobre as favas na literatura; pela leira de favas que cresce solta no quintal lá de casa,  e, por fim, na última semana não resisti ao desabafo de alguém que, no momento em que eu entrava na Praça, em Braga, disse em alta voz: hoje, é só favas. E tinha razão. Quase que não havia uma vendedeira que não tivesse favas para vender. Foi aí que pensei que tinha que voltar às favas…

A sazonalidade das favas

Voltar à terra e perceber que neste tempo são elas, juntamente com as ervilhas e os alhos, dos poucos legumes que subsistem nas hortas. Ainda por lá encontramos os repolhos, as ervas aromáticas, os espinafres, as cebolas, as alfaces e as batatas, que começam a dar finalmente nas vistas.  As couves galegas já estão duras e já floriram, tal como os grelos e as outras couves. Nos campos está-se agora no tempo das sementeiras, abundando a terra cultivada e escasseando os legumes.

As favas contadas

Voltar à tradição secular dos Beneditinos de semear, em Novembro, as “favas para capítulo”. E, depois, observar, nesse tempo de reunião geral que começava a 3 de Maio, no tempo das favas, a comunidade a banquetear-se com elas nos dias de jejum, guisadas com ovos e com alfaces. Favas à portuguesa chama-lhe Lucas Rigaud, em 1780.

Voltar à célebre frase das favas contadas que alguns, como já disse, num famoso podcast, explicam miseravelmente, mas dando um ar de grandes especialistas. De facto, porque os feijões, com a sua multiplicidade de cores, chegam só depois do século XVI às mesas europeias, usavam-se as mediterrânicas favas pretas e brancas para se fazerem as contagens necessárias em actos eleitorais de Mosteiros, Misericórdias, Irmandades e Confrarias: “(…) votando-se com favas brancas e pretas…”. E, claro, muitas decisões já iam alinhavadas para Capítulo, especialmente as eleições dos Abades. Só por curiosidade, refiro que, recentemente, no Banco Português de Germoplasma Vegetal, foram apresentadas as favas pretas, variedade que já ninguém cultiva, nem consome. Ainda bem que ainda persiste, guardada num arquivo de sementes.

A fava rica

Voltar à fava rica, que se comia seca ao longo do ano. As favas, depois de demolhadas, eram cozidas, temperadas e esmagadas com azeite e alho. Carlos Bento da Maia, em 1904, adverte para se escolherem favas que não tenham gorgulho, ou “tiram-se os gorgulhos aquelas que os tiverem”, numa alusão clara ao bicho que corroía, e corrói, os legumes secos, mas que, ainda assim, não impedia o seu consumo.

Voltar às favas do Eça de Queiroz, do Camilo, do Torga ou do José Cid…

E, finalmente, voltar às favas que se vão comendo cá em casa, na sopa, com chouriço, com entrecosto, com arroz, em salada… e, não tarda, termina a época!

Vá lá, vamos às favas… e não à fava! (uma expressão também muito antiga que vai ficar para a próxima).


Imagem: Leslie Seaton


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Acerca do Autor

Anabela Ramos

Historiadora.

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