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No dia 5 de maio, assinalou-se a celebração do Vesak, data que faz referência ao nascimento, iluminação e falecimento de Siddhartha Gautama, o Buda histórico.
Esta comemoração decorreu em diversas partes do mundo, o que decorre em grande parte da disseminação crescente do budismo nas sociedades ocidentais.
Com efeito, há muito tempo que as espiritualidades orientais têm exercido um encantamento irresistível no Ocidente, o que tem levado ao desenvolvimento de formas de espiritualidade que se inspiram simultaneamente nas sabedorias do Ocidente e do Oriente.
Contudo, a interação espiritual entre o Oriente e o Ocidente não é um fenómeno recente. No passado, houve espiritualidades que fizeram a ponte entre as sabedorias do Oriente e do Ocidente.
Uma dessas formas foi o maniqueísmo, um movimento religioso de inspiração gnóstica fundado na Pérsia (atual Irão) no seculo III da nossa era por Mani.
Embora o maniqueísmo tenham sido considerado uma heresia cristã durante muito tempo, as investigações das últimas décadas demonstram que era uma espiritualidade com identidade distinta, que teve um caráter singular na História espiritual da humanidade, devido ao cariz universalista dos seus ensinamentos e à firmeza da sua estrutura institucional.
Mani, um mensageiro da Luz
Mani, também chamado Manes, nasceu em 14 de abril de 216, numa comunidade rural situada a norte da Babilónia, a sudoeste de Ctésiphon, na margem esquerda do Tigre, não muito distante da atual capital iraquiana, Bagdade.
O seu pai, Patek, estava ligado aos elchasaísta, um movimento judeo-cristão de orientação gnóstica.
A sua mãe, Maryam, era parente da família real parta, que foi substituída em 224 pela dinastia sassânida na liderança do Império Persa.
Mani cresceu num ambiente espiritualmente heterodoxo. A comunidade elchasaísta era constituída por judeo-cristãos, isto é, judeus seguidores de Jesus, que tinham uma visão espiritual gnóstica e esotérica.
Após ter tido experiências visionárias, Mani sentiu que o propósito da sua vida era pregar a verdadeira mensagem de Jesus.
Mani viajou para a Índia, onde estudou as suas espiritualidades, designadamente o hinduísmo e o budismo.
Regressou à Pérsia em 242, tendo-se apresentado ao monarca Shapur I, a quem dedicou sua única obra escrita em persa, conhecida como Shabuhragan. Embora Shapur I não se tenha convertido ao maniqueísmo e permanecido zoroastrista, favoreceu a pregação e dos ensinamentos de Mani.
Mani pregou em todo o Império Persa, tendo tido uma adesão significativa. Enquanto a mensagem de Mani se difundia, as religiões existentes, como o zoroastrismo, ainda eram populares e o cristianismo ganhava influência social. Apesar de ter menos adeptos, o maniqueísmo conquistou o apoio de setores influentes da sociedade persa. Além disso, começaram a serem promovidas expedições missionárias.
Inicialmente, Mani e os seus seguidores não tiveram impedimentos. Posteriormente, devido à desaprovação do clero zoroastriano, Mani passou a ser perseguido, tendo sido detido e morrido na prisão.
A doutrina de Mani
Mani considerava-se como o sucessor final de uma longa linhagem de profetas, incluindo Zoroastro, Siddartha Gautama e Jesus.
Ele via as revelações religiosas anteriores como sendo de eficácia limitada porque eram ligadas a um determinado contexto cultural. Além disso, na sua perspetiva, os adeptos posteriores dos profetas atrás mencionados perderam de vista a verdade original.
Mani considerava-se o portador de uma mensagem universal destinada a substituir todas as outras religiões.
De modo a garantir a unidade doutrinária e evitar erros, desvios e deturpações, Mani registou os seus ensinamentos por escrito e deu a esses escritos estatuto canónico durante a sua vida.
As principais obras de Mani, escritas em língua siríaca ou aramaica, são: O Evangelho Vivo, O Tesouro da Vida, O Livro dos Mistérios, O Escrito dos Gigantes e Pragmateia (Tratado).
Mani pretendia fundar uma religião verdadeiramente ecuménica e universal que integrasse em si todas as verdades parciais das revelações anteriores, especialmente as de Zoroastro, Buda e Jesus.
Mas a perspetiva espiritual de Mani ia para além do mero sincretismo, na medida em que procurava a proclamação de uma verdade espiritual que se traduzisse em diversas formas de acordo com as diferentes culturas em que se difundia.
Assim, o maniqueísmo, dependendo do contexto geográfico e cultural, assemelhava-se às religiões iranianas e indianas, ao cristianismo, ao budismo e ao taoísmo.
Na sua essência, o maniqueísmo era uma linhagem do gnosticismo, sendo uma espiritualidade que oferecia a salvação por meio do conhecimento especial (gnose) das verdades espirituais.
Como todas as formas de gnosticismo, o maniqueísmo ensinava que a vida no mundo material é marcada pela dor e pelo sofrimento. Na doutrina de Mani, os espíritos dos seres humanos, que são centelhas da luz divina, foram capturados pelo mundo material denso. Com efeito, os maniqueístas acreditam no aprisionamento universal da luz divina na matéria, que inclui os seres humanos, animais, plantas e outras substâncias materiais, como água e terra. Além disso, o maniqueísmo acreditava na reencarnação.
O objetivo espiritual por excelência é libertar a essência humana, que compartilha da natureza divina, que deve ser salva por meio da elevação da consciência.
Na perspetiva de Mani, existem dois reinos separados, o reino divino da luz e o reino das trevas, que existiriam independentemente um do outro, logo desde antes.do princípio de tudo.
O cosmos era visto como a manifestação do Espírito Vivo e uma criação do reino da luz.
O devir cósmico é um processo paulatino de redenção, no qual os seres humanos devem libertar-se dos seus laços com a matéria. Jesus aparece como o portador de uma mensagem espiritual que apela à consciencialização humana sobre a diferença entre luz e matéria.
Após o juízo final, retornar-se-á ao estado existente antes do tempo manifestado e separar-se-á entre o bem e o mal, pois o bem alcançou a vitória absoluta e o mal está superado.
A organização do maniqueísmo
Ao contrário da generalidade das correntes do gnosticismo da Antiguidade, o maniqueísmo tinha uma organização eclesial com bispos, sacerdotes e outros ministros.
Os ministros eclesiásticos pertenciam à categoria dos eleitos. Mas além dos ministros, havia outros eleitos, entre os quais, mulheres.
Os eleitos tinham deveres especiais, como a alimentação vegetariana, a abstinência do álcool, a interdição de relações sexuais e a proibição de qualquer atividade violenta. Em suma, os eleitos deveriam manter os denominados três selos da boca, da mão e do ventre.
Fora do núcleo duro dos eleitos, existia a grande multidão de crentes, que estavam sujeitos a um conjunto de deveres éticos.
Podiam casar-se e ter filhos e, eventualmente, comer carne e beber vinho. Tinham a obrigação de sustentar as necessidades dos eleitos e regular a sua vida de acordo com os ditames da sua fé, como orar, jejuar e dar esmolas.
Existam ainda as proibições gerais de matar, de mentir, de cometer luxúria e de se ocupar com feitiçaria, entre outras.
Os crentes comuns poderiam atuar voluntariamente mais longe, como por exemplo mantendo a castidade no casamento ou fazendo a abstinência da carne e de álcool.
A expansão do maniqueísmo
Após o falecimento de Mani, o maniqueísmo teve uma expansão notável, através do Ocidente e do Oriente.
O maniqueísmo espalhou-se rapidamente para o Ocidente no Império Romano. Teve uma forte presença no Egito, no norte de África, na Gália (atual França) e na Península Ibérica.
Durante a vida de Mani, o maniqueísmo se espalhou para as províncias orientais da Pérsia. Dentro da própria Pérsia, a comunidade maniqueísta manteve-se apesar das perseguições, até que a perseguição muçulmana do século X forçou a transferência da liderança maniqueísta para Samarcanda (agora no Uzbequistão).
A expansão da religião para o Oriente foi propiciada com a dinamização das rotas de caravanas.
Quando o Turquestão Oriental foi conquistado no século VIII pelos turcos uigures, eles adotaram o maniqueísmo, que permaneceu como a religião oficial do reino uigure até ao seu derrube, em 840. O próprio maniqueísmo provavelmente sobreviveu no Turquestão Oriental até à invasão mongol, no século XIII. Na China, o maniqueísmo foi proibido em 843, mas, embora perseguido, ali permaneceu pelo menos até ao século XIV.
Com efeito, o maniqueísmo foi, provavelmente, uma das religiões mais perseguidas na História humana.
No Ocidente, foi duramente perseguido pelo Império Romano e pelos potentados cristãos que lhe seguiram.
Contudo, movimentos de inspiração gnóstica ressurgiram na Europa durante a Idade Média, cujos ensinamentos tinham ligações à mensagem de Mani.
Movimentos como os paulicianos (Arménia, século VII), os bogomilos (Bulgária, século X), e os cátaros (sul da França, séculos XII a XIV) tinham fortes semelhanças com o maniqueísmo e provavelmente foram influenciados por ele.
O maniqueísmo foi uma das manifestações mais pujantes da espiritualidade gnóstica, que se baseia na convicção de que a Divindade reside no ser humano.
Imagem(ns): Domínio Público
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