Os fidalguinhos e o ‘doce de chá’

Os fidalguinhos e o ‘doce de chá’

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Portugal entrou em contacto com a China em 1513. Pouco depois, estabelecem-se feitorias portuguesas em Cantão e começam a chegar à Europa as primeiras mercadorias. Em 1549 cria-se a Companhia das Índias Portuguesas que, a partir de Macau, constitui o primeiro entreposto comercial europeu na China.

Entre os diferentes produtos que se trazem daquela região interessa-nos, por agora, o chá. Portugal terá sido o primeiro país europeu a entrar em contacto com a planta, sendo responsável pelo dispersar da palavra chá, de origem cantonesa, para muitas outras línguas europeias, para o que terá contribuído a tradução de várias obras portuguesas. Por outro lado, os holandeses, no século XVII, terão estado na origem da introdução da palavra thé, vocábulo local da região chinesa de Chiamen, que se divulgou na Inglaterra e em várias zonas da Europa dando origem às palavras thea ou thé.

Nos finais do século XVI o chá começa a chegar a Portugal tornando-se de imediato uma bebida que encanta os portugueses. Encanta pelas suas propriedades medicinais e alimentares. Encanta por ser uma bebida rara e exótica que, e tal como o café e o chocolate, começam a ser consumidas pelas classes sociais mais elevadas, incluindo a família real. Encanta pelos acompanhamentos doces que passa exigir, nomeadamente o açúcar e o chamado “doce de chá”. Finalmente, encanta por se adequar na perfeição às merendas europeias, aquele momento gustativo entre o jantar e a ceia.

Estarão os fidalguinhos relacionados com o chá?

Em Braga, para já, temos registos documentais que nos dão a certeza que o chá está já à mesa nos inícios do século XVIII e, não tarda muito para observarmos, por parte de alguns mosteiros, a compra do dito “doce de chá”. Em Tibães, por exemplo, em 1780, compraram-se “5 arráteis de ‘especionis’ e palitos do chá”. Trata-se de uma referência que se mantém constante a partir de 1811 até à extinção do mosteiro, em 1834, distinguindo-se dois tipos de doce: o de mesa e o de chá. Era também comprado no Mosteiro de São Romão de Neiva, em 1830, e em Ganfei, em 1832. Nunca se refere, no entanto, o fabricante desta doçaria.

Por seu lado, localizamos no Convento dos Remédios, em 1801 e em 1810, o registo da confecção de “doce de chá” para oferta da comunidade e, em 1814, o registo de uma despesa em ovos e açúcar para “os palitos da sacristia”. As próprias freiras referem, ainda, um chá que se serviu ao Duque, com o respectivo doce, em 1801, quando este as veio visitar.

Finalmente, no seio de uma família nobre bracarense (o Solar de Infias), cerca de 1850, localizamos a seguinte informação a propósito de um relato do casamento de João Borges Pimentel com Maria Cândida Falcão Meneses: “o noivo pediu para hirmos lá tomar huma chicra de chá e tudo estava magnifico e bem servido de muito bons doces”.

Mas que tipo de “doce de chá” seria este? Palitos, como se refere acima, ou pequenos bolinhos, como nos apontam algumas receitas do século XIX? Os fidalguinhos estarão neste grupo? Não serão também uns palitos?

Sejam o que forem, os fidalguinhos, doce que perdurou na tradição doceira de Braga até à actualidade, são considerados por algumas vozes como fazendo parte do receituário das freiras dos Remédios. Mas outros há, no entanto, que anotam a receita sem se referirem à sua origem conventual. Compulsada toda a documentação daquele cenóbio, como bem demonstramos no livro Viúvas de Braga e outros doces do convento dos Remédios, nunca localizamos doces com tal nome nos seus livros de registo; o que não quer dizer que não tenham aqui origem, pois, outros doces, como as viúvas, também eram feitas por estas freiras e elas não as denominam desta maneira nos seus registos. Convém também não esquecer que as freiras beneditinas de São Salvador eram igualmente exímias doceiras, e, infelizmente, não temos acesso a essa informação por falta de documentos.

Fidalguinhos e viuvinhas, creio eu, são denominações populares. Aqueles por serem um doce de gente fidalga que consumia chá. Uma sátira aos nobres que não tinham que se esforçar para obter o que pretendiam vivendo de perna cruzada? Talvez. Os fidalgos, de facto, pertenciam, no dizer da época, à classe dos ociosos, em oposição aos rústicos, obrigados a trabalhar para sobreviver.

Por agora mais nada sabemos, mas estamos certos de que o devir histórico se encarregará de trazer luz a este enigma. Ficamo-nos, então, apenas pelos palitos de chá, que vão bem nestes dias frios!

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Imagem: Nossinha

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Categorias: Cultura, Gastronomia, História

Acerca do Autor

Anabela Ramos

Historiadora.

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