Um sonho para Portugal

Um sonho para Portugal

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Na escola, em dia de jogo, a miudagem não quer ter aulas. Gritam pelo nosso País, muitos sem compreenderem o que significa a palavra, nem a bandeira, nem o próprio jogo, produto acabado da herança de acultura de massas de uma geração adulta com maior acesso a informação do que nunca, mas com o menor nível de conhecimento e cultura de sempre. E eu… Tenho um sonho para Portugal.

Nos televisores, todos os canais clonam-se mutuamente, a imprensa, nas paredes e bancas, grita o mesmo discurso. Vivemos na época do conformismo que propiciou a ditadura do pensamento único que propagandeado pelos média, não deixa espaço nem voz para quem ousa pensar diferente. Está espalhada por toda a parte a época da estupidez em que os pensadores e intelectuais foram remetidos para a clandestinidade. Basta reparar em tanta gente a falar da esfera para nos apercebermos que a insensatez atinge níveis de insanidade. Não falo daquela esfera na qual vivemos e que está em risco de entrar num ponto de não retorno face às alterações climáticas causadas pela imaturidade, displicência e egoísmo humanos; refiro-me mesmo à esfera que os humanos literalmente pontapeiam. Essa atividade de supina importância para a subsistência da vida na Terra e de inteleção acessível a poucos – andar a correr atrás de uma bola – que embruteceu as massas. E em que aqueles que melhor pontapearem esse volume arredondado se tornam os ídolos de uma sociedade culturalmente cada vez mais desligada.

Portugueses desmesuradamente em busca de alegrias no futebol

Longe vão os tempos em que as pessoas se juntavam para escutar ideias, pensamentos, cultura, conhecimento. Agora as pessoas maravilham-se por poderem escutar da boca dos pontapeístas que se referem a si próprios por “tu” intercalado com “o Mister” discursos repletos de uma intelectualidade abaixo do básico, replicados em debates estéreis, frequentemente, com pouca altivez. Atividades culturalmente enriquecedoras como sermos presenteados com jornalistas histéricos a fazerem intermináveis diretos à porta de estádios, hotéis ou aeroportos a falar do sítio onde os jogadores estão ou irão estar, enchendo os boletins noticiosos de não-notícias e as cabeças das pessoas de um vazio completo.

Quando se consegue esvaziar a esperança de um povo vencido pelo conformismo, resignado e sem sonhos, é fácil despejar qualquer coisa para dentro dele, na certeza de que aceitará. É o retrato acabado da brutificação de um povo. Consegue-se que, ao fim de noventa minutos, as pessoas experimentem um sentimento de infinita felicidade ou inexplicável depressão sem que nada verdadeiramente tenha mudado nas suas vidas, mesmo se muitas delas nada percebem daquele jogo. É o contágio coletivo de um povo, reconhecidamente o mais triste da europa – vá-se lá saber porquê –, que precisa desesperadamente de alegrias.

Governantes de Portugal preocupados em desviar as atenções da sistémica incompetência

No culminar de toda esta falta de valores e cultura está o pontífice máximo deste circo mediático que roça de perto o caricato – o presidente da República. Afinal, o que esperar de alguém que nada mais é do que o reflexo do povo? Alguém que na mesma alocução em que admite ser criticável que o Qatar não respeite os direitos humanos, nem o que se passou na construção dos estádios, apele a que, por uns tempos, se esqueça isso e o povo se concentre na seleção de futebol, revela a nossa falta de estadistas e de figuras de referência. Um momento único para os governantes de Portugal se manifestarem na defesa dos direitos humanos e pelos direitos das mulheres, mais uma vez, de forma completamente inapropriada na qual não me revejo, os nossos representantes preferem fechar os olhos a esses atropelos e optam por viajar às nossas custas para seu deleite pessoal e não para nos representarem, passando uma imagem repugnante e lamentável face à maior das misérias – o desrespeito pela dignidade humana. Sendo, indecentemente, de longe o país com maior representação política oficial no mundial, são gente muito pequena que representa nada mais do que a vergonha nacional. Na incapacidade de fazerem algo de verdadeiramente útil pelas pessoas, tentam indisfarçavelmente colar-se a algum género de sucesso desportivo para desviar as atenções da sua sistémica incompetência. Para essa gente desprezível, deixo apenas uma lição básica que dou aos meus alunos em cidadania – para os direitos humanos não existem exceções, são para todos e para serem respeitados por todos.

Praça pública tomada por populistas e vendedores de ilusões

Depois de desmontada a tenda e terminado o circo, o que essa gente politiqueira terá a dizer às mulheres que são tratadas como seres inferiores? Onde estará o discurso expedito e desembaraçado para com as vítimas de escravatura neste evento da vergonha? Que palavras de conforto terão para com os milhares que sofreram a perda de familiares na construção destes estádios de sangue? Onde está a coragem de defender os valores de humanismo em favor de outros seres humanos vítimas de tanto sofrimento, dor e morte? Presidente da República, presidente da AR, primeiro-ministro, ministros e toda uma horda de gente que não demonstraram uma ética e valores nos quais me possa rever e dos quais nada mais consigo sentir do que vergonha. Será que não há melhor do que isto para representar um povo? Talvez não haja, visto os intelectuais terem sido banidos e perseguidos até perto da extinção, vivendo escondidos engolfando a voz para não serem julgados, condenados e executados numa praça pública que, em Portugal, foi tomada por populistas e vendedores de ilusões.

Futebol é tudo o que resta a tanta gente perdida

Portugal para para ver uns pontapés na bola. Não admira, pois, o motivo pelo qual, relativamente a crescimento económico, Portugal esteja constantemente a ser ultrapassado por outros países. Já para lutar pelos seus direitos e por um futuro melhor para os seus filhos, não se vê assim tanta diligência. Massifica-se a propaganda do futebol e, sem se darem conta disso, aparentemente as pessoas até se esquecem que têm estômago, bastando-lhes o circo. Pessoas que procuram na bola o ópio para se esquecerem dos fracassos em que os governantes transformaram as suas vidas, face ao roubo que têm sido vítimas e do constante empobrecimento a que estão sujeitas; se esquecerem que cada vez têm menos direitos constitucionais, como o direito à saúde; maternidades fechadas e mães a morrerem a caminho do hospital, em casa ou a perderem os filhos, alguns ainda no ventre; urgências com infindáveis horas de espera, consultas e exames com demora de meses, cirurgias a atrasarem anos e, pela atribuição do tal médico de família constantemente prometido, aguarda-se durante toda uma vida. Nas escolas o investimento é cada vez menor, faltam professores, os que estão a trabalhar estão envelhecidos, esgotados, desmotivados, revoltados e inundados de burocracia com alunos cada vez mais analfabetizados por culpa de um ensino facilitista imposto pela tutela. A justiça é uma anedota; além de muito lenta, é inoperante, com processos a prescreverem, penas suspensas ou irrisórias e falta de condenações justas, num país onde reina o crime e ninguém é preso. Mas, em todo o caso, nada disso interessa, desde que se encha o povo de futebol; se encha a cabeça, as mãos e mesa desertas, a televisão, o trabalho, o lazer e a vida desses miseráveis de barriga vazia, para que fiquem felizes. Este é o retrato acabado da imbecilidade a que todo um povo, servilmente, se submeteu. Metem-nos num carrossel sentados em cima de um cavalinho de plástico com a ilusão de estarem a avançar e chegarem a algum lugar quando nunca saem do mesmo sítio. No fundo, passam a vida a dar-lhes cenouras e gastam os seus dias cegos atrás delas. Uma humanidade presa ao vício conformada ao servilismo em troca do entretenimento.

O futebol, para tanta gente perdida, deixou de ser uma parte da vida para se tornar na própria vida, como se, depois de esvaziada de tudo, aquilo fosse tudo o que restasse.

Falta determinação ao povo para lutar por um país melhor

Isto nada tem a ver com patriotismo nem civilidade. Um povo não se mede pelo pontapé numa bola, fazendo-se depender do resultado de um conjunto de jogadores para se sentir se é o maior ou se não vale nada. Temos de ter orgulho em sermos melhores do que temos sido. Patriotismo é defender melhores condições de vida para todos, maior igualdade, melhor educação, acesso a serviços de saúde de qualidade, melhor justiça, segurança, melhores salários, maior produtividade, mais cultura e instrução, mais respeito, mais civismo. Aí estão coisas verdadeiramente importantes pelas quais vale a pena lutar em Portugal. Só é pena ver tanta gente mobilizada pelo jogo da bola que nada acrescenta às suas vidas e não encontra a mesma determinação na luta por um país melhor e de melhores condições de vida.

Condições de vida mais condignas deveriam ser o orgulho nacional

Os meus heróis são gente anónima que não recebe medalhas de mérito e reconhecimento das mãos do presidente, nem enche noticiários. Gente desconhecida que me merecem o maior respeito e consideração e que estão presentes a ajudar quem mais precisa em ações de solidariedade e de voluntariado, prestando auxílio aos pobres, aos sem-abrigo, às vítimas de violência doméstica, às crianças, idosos e animais abandonados, aos doentes e a todos quantos precisam de uma presença, uma companhia, uma palavra amiga, um gesto, um apoio, uma ajuda. Só é pena toda esta gente maravilhosa – que constituem os meus ídolos – continuar incógnita e esquecida por um país desnorteado à procura de orgulho num pontapé numa bola; é lamentável que a luta por um país melhor com condições de vida mais condignas, que deveriam ser o orgulho nacional, se troquem por uma qualquer vitoriazinha no futebol. Com um povo assim pouco exigente que se satisfaz com tão pouco, não admira que tenhamos uma classe política medíocre, incompetente e corrupta.

Ao ligar o televisor, eu não queria ter de ver listas de espera intermináveis nas urgências dos hospitais e de concidadãos meus a morrer por falta de assistência médica; não queria ter de constatar números de literacia académica, cultural e artística miseráveis, piores do que algumas nações nórdicas apresentavam há um século atrás; não queria ter de assistir a uma sociedade que vive bem com 25% de pobres, sobretudo idosos que tanto deram pelo país, e os restantes uns remediados, enquanto uma pequena minoria está cada vez mais rica; não queria que fosse normal nesta terra trabalhar-se para se viver abaixo do limiar da pobreza, com idosos a viverem diariamente angustiados pelo dilema de terem de escolher entre matarem a fome do estômago, matarem o frio ou matarem-se por falta de dinheiro para medicamentos; não queria ser obrigado a ter de dizer ter orgulho numa terra onde os jovens não têm possibilidade de pagarem uma renda ou, famílias, terem posses para ter um teto onde se abrigar; eu não queria viver numa sociedade machista e misógina, selvagem que convive com números deploráveis de violência doméstica e níveis dramáticos de assassínio de mulheres; não queria ter de aceitar como normal que violações, pedofilia e tantos outros crimes saiam impunes; eu não queria ter de conviver com tantas coisas que estão erradas e são inaceitáveis contra as quais vale a pena lutar e que são esquecidas. São estes motivos de orgulho nacional?

Tenho um sonho para Portugal, mas…

É fazermos um parêntesis e “esquecermos tudo isto”, concentrando-nos na seleção, que vai melhorar as nossas vidas? É o pontapé na bola que vai fazer desaparecer estes problemas?

Até os poderá fazer esquecer durante uns dias, como aconselha o presidente, mas não resolve nada daquilo que não foi solucionado desde sempre por demasiada gente que não honra a sua palavra e se governa da coisa pública.

Tenho um sonho para Portugal: não de que a seleção ganhe ou perca, que isso não está no topo das minhas preocupações, nem no que mais desejo para o meu povo; o meu sonho é o de ter um país melhor, com um povo mais consciente que lute pelos seus direitos e governado por gente bem melhor, para bem de todos nós.

É pena esse sonho nunca mais se concretizar.


Obs: texto previamente publicado na página de facebook de Carlos Santos, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.

Imagem: Sandro Schuh / Unsplash + Vectonauta / Freepik + Carlos Santos (ed VN)


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