‘O Triângulo da Tristeza’, um filme inesquecível

‘O Triângulo da Tristeza’, um filme inesquecível

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Inesquecível. Trago uma mala de superlativos – não podem deixar de ver. Parem tudo. O Triângulo da Tristeza. O filme do realizador Ruben Östlund que ganhou a Palma de Ouro em Cannes.

Um grupo de burgueses vai para um iate de luxo e, no meio de cenas hilariantes, filma-se o fim do capitalismo. Produzem a barbárie e são enterrados nela, sem saber. Bebem champanhe, tiram selfies. São ingleses respeitáveis donos de fábricas de armamento, mafiosos russos, influencers, modelos. Nem sabem o mundo que construíram, são uma ameaça à humanidade. O iate afunda-se e eles bebem champanhe. Vomitando o que não conseguem mais consumir, regurgitam a riqueza. A cena do magnífico capitão comunista norte-americano e alcoólico (Woody Harrelson) com o empresário mafioso russo num duelo de citações – de Marx a Margaret Thatcher, de Lenine a Kennedy -, é de antologia.

De repente naufragam, numa ilha que pensam deserta, e a única que sabe pescar, cozinhar (a única que trabalha), é a mulher filipina que lavava as retretes no navio. Todos os papéis se invertem. Ela comanda. Ganância, luxúria, cinismo, misticismo, irracionalidade (o retorno da fé, a falta de dinheiro, o roubo; e nem os mortos se salvam). Raramente a classe social que manda no mundo foi filmada assim.

O Triângulo da Tristeza não é um épico revolucionário, mas sim uma comédia distópica

Há muito que não me ria tanto, as lágrimas corriam-me pela face abaixo – umas de riso, outras de choro. O mundo aos nossos pés a ruir, um fluxo pantagruélico que tem ouriços, ostras, caviar e rolexs de 150 mil euros, nenhum deles capaz de comprar felicidade – é só gente frustrada e triste, mas na aparência felizes; Freud e Marx são os roteiristas, de facto.

A genialidade do cinema é evidente neste filme do realizador Ruben Östlund. É nestes momentos que percebemos porque é a 7ª arte e porque nenhum streaming a pode substituir. Sai-se do filme diferente – isso é arte. Transformar-nos também.

O Triângulo da Tristeza não é um épico revolucionário, é uma comédia distópica feita só, atenção, só, com a realidade.

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Imagens: DR

Obs: texto previamente publicado no blogue Raquel Varela | Historiadora, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.

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Categorias: Cinema, Cultura

Acerca do Autor

Raquel Varela

Raquel Varela é Historiadora, Investigadora e professora universitária da FCSH da Universidade Nova de Lisboa / IHC / Socialdata Nova4Globe, Fellow do International Institute for Social History (Amsterdam) e membro do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho. Foi Professora-visitante internacional da Universidade Federal Fluminense. É coordenadora do projeto internacional de história global do trabalho In The Same Boat? Shipbuilding industry, a global labour history no ISSH Amsterdam / Holanda. Autora e coordenadora de mais de 2 dezenas de livros sobre história do trabalho, do movimento operário, história global. Publicou como autora mais de 5 dezenas de artigos em revistas com arbitragem científica, na área da sociologia, história, serviço social e ciência política. Foi responsável científica das comemorações oficiais dos 40 anos do 25 de Abril (2014). Em 2013 recebeu o Santander Prize for Internationalization of Scientific Production. É editora convidada da Editora de História do Movimento Operário Pluto Press/London e comentadora residente do programa semanal de debate público O Último Apaga a Luz na RTP. Entre outros, autora do livro Breve História da Europa (Bertrand, 2018).

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