Pais e professores resignados e o modo de vida dos jovens universitários

Pais e professores resignados e o modo de vida dos jovens universitários

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Afinal com que dinheiro podemos ou devemos viver? E os jovens universitários podem alimentar-se com 15 euros? Não andam estes alunos das universidades a ‘abusar’ de nós? Que ‘menininhos fizemos nós?’

À medida que se produz cada vez mais no mundo, o retrocesso de vida de quem produz é maior. Um estudante, hoje, em 2022, deslocado em Lisboa ou Porto, gasta por mês, sem ir ao cinema, teatro, beber um copo ou jantar fora, tudo coisas do meu ponto de vista essenciais e necessárias, sem contar roupa ou material escolar, 1 000 euros. A conta é fácil de fazer: 300 a 400 euros o quarto em Porto e Lisboa, 15 euros/dia em alimentação (um jovem gasta cerca de 3 000 calorias/dia se não fizer desporto, bem mais das que gasta alguém com 40 anos), precisa de grandes quantidades de proteína de boa qualidade. Se almoçar e jantar na cantina, comprar fruta e contabilizarmos um pequeno-almoço decente, 2 lanches e uma ceia, 15 euros não são suficientes. São 450 por mês, o passe custa 20 euros. Ou seja, as pessoas estão a comer muito mal e a dar cabo da saúde – sua e dos filhos – para viverem, e estão abdicar de tudo o que nos faz humanos – cultura e lazer. As “pessoas” não somos todos nós, há quem governe o mundo, e seja responsável, e há quem seja governado e naturalmente é responsável, sobretudo as suas direcções sindicais e políticas, por não conseguirem mudar esta degradação humana que nos saltas aos olhos, ao mesmo tempo que milionários vão de férias ao espaço – o que há poucos anos seria uma metáfora risível, hoje é o espelho da decadência da concentração de riqueza.

Sou dos que acreditam que a Universidade devia ser um lugar de produção e acesso ao conhecimento para todos, um pouco como a praia, o último lugar democrático, onde todos entram a qualquer hora e a porta está sempre aberta. Hoje, por causa da imposição ditatorial do mercado, que engole de facto a democracia, estar na Universidade é um luxo, e isso devia indignar-nos.

A muitos jovens falta entusiasmo pela vida

Primeiro, uma boa parte dos jovens está sem entusiasmo pela vida, pela escola, pelo futuro; e tem razões para isso. A escola não lhes dá um “conhecimento” para uma “profissão”, mas “tarefas e competências” para um mercado de trabalho decadente. Este país não é para eles. Os professores deles devoraram esta ideologia das competências e do empreendedorismo, enquanto vêem os alunos afundarem-se nas esperanças de viver aqui com um trabalho digno. Os jovens não são grande coisa, porque os adultos à volta deles – pais e professores – são o espelho da resignação social que os políticos inculcaram e as organizações de trabalhadores foram impotentes em lutar contra. Temos jovens sem força e entusiasmo, porque assim estão os seus pais e professores, todos trabalhadores, qualificados ou não.

A alimentação de um jovem com 15 euros/dia

15 euros é muito, para quê? Que vida queremos ter? Comemos cada vez pior e colocamo-nos em risco com o que comemos. Cuidado com o plural – uma parte importante e minoritária da população come cada vez melhor. O que era normal há 40 anos – frutas, legumes, sopas caseiras, carne alimentada sem rações, pelo menos em parte -, agora é “bio”, “gourmet” e só uma elite tem acesso. Em países como a França ou a Alemanha é possível comer bio mais barato do que não bio em Portugal porque há uma política de subsídios. Sim, na Holanda compro carnes e iogurtes bio mais baratos do que os made in pesticidas em Portugal.

Os 15 euros para alimentar um jovem não incluem, portanto, nada bio. São 2 euros por refeição (5 a 6 refeições/dia). Vai comer mal, com pesticidas, carregar nos hidratos de carbono, comer proteína (essencial ao funcionamento do cérebro) de má qualidade – frango de aviário (um mutante), salsicha, carnes gordas (entrecosto, etc), peixe com zero de nutrientes proveniente de piscinas artificiais alimentadas de rações e pão com cereais brancos (açúcares simples).

A não saúde dos portugueses (jovens e velhos)

Os jovens com 15 euros ao dia para alimentação, que são 450/mês, alimentam-se mal e não têm saúde. Nem democracia. O direito à cidade e à vida social no capitalismo depende dos lugares que podemos frequentar comprando algum serviço. Nada ou quase nada é gratuito: cafés, restaurantes, teatros, cinemas, festas, viagens. Hoje, tudo isso – que representa o direito ao convívio, acesso à democracia (só há democracia em participação colectiva) – está vetado à maioria dos jovens. Grande parte deles vive uma aparência de vida social (as redes sociais no ecrã) e não tem de facto vida social real.

Junto aos horários de trabalho do século XIX – para viver de forma menos miserável toda a gente tem 3 e 4 trabalhos e faz turnos extra (em permanência) –, a alimentação é a grande responsável pela não saúde dos portugueses, que chegam aos 50 anos e estão obesos e cheios de doenças que aparecem nos outros países aos 75 anos. Assim, a nossa esperança média de vida com saúde é 15 a 20 anos a menos que na Escandinávia. Vivemos o mesmo tempo mas sem qualidade de vida. Juntem-se as reformas baixas, em que as pessoas vivem isoladas e sem vida social – factor protector da saúde –, e temos a tempestade perfeita. Uma parte do país – trabalhadores, deprimidos, sem saúde, sozinhos; assim é a velhice, e a velhice precoce.

Não há nada de burguês em querer viver bem

E os suecos? Tão dinâmicos? Na Suécia, um jovem aos 18 anos recebe 1000 euros do Estado mensalmente, a maioria a fundo perdido. Aqui, são as famílias – exaustas de trabalhar – que conseguem sustentar os jovens às vezes até aos 30, 40 anos porque o que os pomposos “empresários empreendedores” lhes pagam não dá para viver, quanto mais para pagar casa.

O que resta aos jovens, e a mim, de esperança, é que todos os fios desta frágil estabilidade social estão a romper-se, e isso não é mau. Mau é continuar a assistir a este declínio, este barco a ir ao fundo e tocar violino. Depois de emigrarem, ou seja, serem exilados do país e da família, resta-lhes lutar contra isto. Pode ser que o façam e que – surpresa -, ainda venham a viver muito melhor que os pais. Na verdade, tirando a migração, válvula de escape eterna do Estado português, e a migração não é uma forma de luta, mas de fuga individual, não resta ao Estado/Governo/Empresários nada mais, porque os salários que pagam e os horários que oferecem são do século XIX, são uma vergonha nacional. Todos os filhos de quem governa e gere as empresas, médias e grandes, passaram por colégios privados, estudam fora, e claro, vão a festas e restaurantes e comem “frango bio”. 15 euros não é o que gastam em alimentação, mas em diversão, o que não acho mal – sempre achei que o socialismo era o bem-estar para todos. Não há nada de burguês em querer viver bem, burguês é manter os outros mal para acumular uma riqueza que tem custos sociais insuportáveis.

Alimentação e ausência de lazer indicadores de ausência de participação e organização políticas

O que impressiona em alguns comentários é a resignação, a adaptação, a justificação do mal em que estão. Vamos “vivendo”, “vai-se andando”, “faz-se o que se pode”, “a guerra é a culpada”, “a inflação”. Ora, o que está claro é que em termos individuais as pessoas estão cada vez mais dispostas a sacrificar os filhos, dando-lhes cada vez menos, do que a lutar; e os jovens simplesmente não acreditam que podem mudar este estado de coisas, não só indo trabalhar e ajudarem a família e estudarem e serem super-homens (como tantos apregoam), mas lutando politicamente para mudar a sociedade em que vivem. Podem ir para um restaurante trabalhar à noite e estudarem. Vão estudar pior e não vão mudar a vida, o que muda a vida é a luta política. A alimentação e a ausência de lazer dos Portugueses, hoje, são dos mais fortes indicadores da ausência de participação e organização políticas.

Ainda percebemos o sentido da vida?

Quando se lutar pelo direito a comer bem, ir ao teatro, namorar e oferecer uma prenda a quem amamos, lutar para ser mais humano, em vez de nos adaptarmos a esta vidinha miserabilista, apregoada por políticos que não a têm – nem nunca tiveram -, tudo mudará; e será para melhor. A demagogia ou utopia não é lutar por isto, demagogia é viver na Quinta da Marinha e dormir uma vez por ano com mendigos, como faz Marcelo Rebelo de Sousa. O que é impressionante é que não haja um editor de jornal a reparar nisto, e tantos a publicar tal afronta populista como prova da sua simpatia social. Não haja um editor a perceber que António Costa nunca terá a sua reforma em causa, enquanto corta a dos outros, que qualquer médio empresário ou grande jamais vai gastar em vida o que tem em off shores. Tudo isto é moralmente inaceitável. A adaptação a isto é uma patologia – não são os jovens que pedem muito quanto pedem 15 euros, somos nós que já não percebemos o que é o sentido da vida.

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Obs: texto previamente publicado no blogue Raquel varela | Historiadora, resultante da fusão do conteúdo dos artigos – Jovens “mimados” e a resignação dos pais e professoresAlojamento Universitário e modo de vida, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.

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Acerca do Autor

Raquel Varela

Raquel Varela é Historiadora, Investigadora e professora universitária da FCSH da Universidade Nova de Lisboa / IHC / Socialdata Nova4Globe, Fellow do International Institute for Social History (Amsterdam) e membro do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho. Foi Professora-visitante internacional da Universidade Federal Fluminense. É coordenadora do projeto internacional de história global do trabalho In The Same Boat? Shipbuilding industry, a global labour history no ISSH Amsterdam / Holanda. Autora e coordenadora de mais de 2 dezenas de livros sobre história do trabalho, do movimento operário, história global. Publicou como autora mais de 5 dezenas de artigos em revistas com arbitragem científica, na área da sociologia, história, serviço social e ciência política. Foi responsável científica das comemorações oficiais dos 40 anos do 25 de Abril (2014). Em 2013 recebeu o Santander Prize for Internationalization of Scientific Production. É editora convidada da Editora de História do Movimento Operário Pluto Press/London e comentadora residente do programa semanal de debate público O Último Apaga a Luz na RTP. Entre outros, autora do livro Breve História da Europa (Bertrand, 2018).

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