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1.
A parolice foi elevada à suma categoria da grossura fina. Uma dessas parolices pode ser encontrada entre certos crentes, que fazem dos outros parvos, e entre certos ateus, que também, e também parvos. Não por serem crentes ou ateus. Mas, simplesmente, por serem parvos.
2.
Redigi, um dia, já lá vão uns tempos, uma moção de aclamação a Saramago. O que pensam, e com toda a razão, ser um gesto apenas, deu-me um trabalhão. Foi numa Assembleia Municipal, e os meus amigos não imaginam a qualidade, em média, e geral, dos senhores deputados municipais, e os seus olhares cruzados, para chefe descarados, a tentarem descortinar o que se passava, porque o gajo da moção, não só não era do partido, e, pior ainda, não era de nenhum partido, nem sequer do partido de Saramago.
Mas a coisa funcionou, e houve aprovação unânime. No fim até me cumprimentaram, dizendo-me que em coisas de cultura e inteligência, podia contar com eles. E eu disse-lhes, por cortesia, que sim, que contava.
3.
Vem isto a propósito de quê? Ah! Já sei. Vem a propósito de uma publicação, não sei de quem, mas que li, em que era tudo fascista para a direita, fascista para a esquerda, para a frente e para trás. Pobre Saramago, com literatos tais. Mas, enfim. As coisas são como são. Ora não é?
4.
Mas, já agora, que sei quem Saramago é, e o que representa na Literatura Portuguesa, muito antes do Nobel, e muito antes de A Morte de Ricardo Reis, e do Evangelho Segundo Jesus Cristo, também lhes quero dizer da Saramagomania Citacional que vai invadindo este espaço, nomeadamente a que se relaciona com Deus, e nas quais Saramago se proclama ateu.
5.
Começo por dizer-lhes que, sendo decididamente um ateu, segundo a cartilha compactada dum crente acidental, não o sou, de todo, segundo a cartilha dum ateu acidental, qual Saramago o é. O que quer isto dizer?
6.
Muito simplesmente que as citações, do modo como são apresentadas, e descontextualizadas, ou ocasionais, não abonam muito a profundidade do pensamento saramaguiano, quanto ao ateísmo. São muito banais. Muito centradas num imaginário representativo pobre. Até parece que Saramago fala dum Deus mesmo homem que esperava encontrar a descer umas escadas do céus, e a cofiar as barbas brancas. Ora, Saramago, ateu, sim, está muito para além disso, honra lhe seja feita.
7.
E, já agora, e para terminar, deixando quem me lê no sossego duma pausa, deixem-me que diga que, quanto a mim, a distância do ateu ao crente não está na crença, porque são ambos crentes absolutamente: um acredita que sim, porque sim; o outro acredita que não, porque não.
8.
E, agora sim, vou mesmo terminar com a parolice de Yuri Gagarin, o primeiro astronauta a voar no espaço, a mandar cá para baixo aquela proclamação de baixa sabedoria, dizendo que bem olhava, lá no alto, mas que não via Deus. Daí que, porque o não via, Deus não existia. Dizer isto assim é, sem dúvida, muito pouco. Seria melhor que os crentes que sim, tal como os crentes que não, falassem da sua crença sempre com elevação.
O amor é mais, muito mais, que o que vemos, sentimos e temos
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Obs: texto previamente publicado na página facebook de António Mota, tendo sofrido ligeiras adequações na presente edição.
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